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A polarização das eleições no ambiente digital


Em artigo publicado, Vicente Faleiros, Coordenador do Setorial dos Direitos da Pessoa Idosa, abordou importante tema sobre a polarização das eleições no ambiente digital. Segundo o autor, a polarização das eleições de 2022 vai permanecer no debate das eleições municipais deste ano e a cristalização ou sedimentação da falsa informação contribui para alimentar o ódio a candidaturas.

Confira artigo publicado no Correio Braziliense na íntegra! (Link)

Guerra eleitoral virtual

Este ano promete seguir com a conflituosidade política nas redes sociais brasileiras. A polarização das eleições de 2022 vai permanecer no debate das eleições municipais. A mídia destaca candidaturas opostas nas principais capitais e em várias grandes cidades: são apresentados bolsonaristas contra lulistas em uma cristalização de posições. A sedimentação dos eleitores em seus campos é percebida como guerra de inimigos sem trégua e sem diálogo. Nos Estados Unidos (EUA), a estratégia política para as eleições presidenciais é a de destruir o inimigo a qualquer custo, mesmo com uso de mentiras ou fake news. A estratégia do vale-tudo desmonta adversários contando com financiamento de elevados recursos financeiros, tecnológicos e de grupos organizados para o ódio.

Essa estratégia de mentiras e de vale-tudo utiliza-se da inversão de papéis com a transformação do agressor em vítima, e vice-versa. O ex-presidente utilizava comumente a facada em Juiz de Fora e hospitalizações para fazer-se de vítima e angariar compaixão. Alia-se a inteligência emocional com a inteligência artificial com a organização de um gabinete do ódio chamado na Wikipédia de “milícia virtual”, com propagação de perfis falsos e divulgação de fake news.

Associou-se Lula ao PCC como criminoso, e Dilma, à corrupção também na mídia tradicional, divulgando-se imagens criminalizadoras, como no episódio do sequestro de Abílio Diniz em que sequestradores foram “vestidos” de camisetas petistas, nas imagens do falso propinoduto da Petrobras e com bonecos de Lula vestido de presidiário. Nas eleições de 2024, a estratégia de mentiras e manipulação do imaginário será requentada com tendência dupla: destruir a imagem do adversário e tornar candidaturas conservadoras como vítimas.

Em janeiro, circulava na mídia social (WhatsApp e TikTok) que Bolsonaro seria preso e um exército de mais de 4 mil homens iria defendê-lo em uma suposta insurreição. Esse discurso de que o ex-presidente foi injustiçado está também presente na narrativa sobre a tentativa de golpe de Estado em 8/1/2023. Na guerra de narrativas na CPI do 8 de janeiro na CLDF, houve falas não comprovadas sobre infiltração de petistas insuflando os vândalos, e falsamente apresentados como manifestantes patriotas espontâneos. Esconder e escamotear desloca o foco da narrativa e faz aparecer a desinformação como informação correta.

Inúmeras desinformações e acusações de corrupção, após causarem desgaste de imagem, foram desmontadas pela Justiça, vide absolvições de Lula, Vaccari, Delúbio e Dilma. Por sua vez, os indícios e as notícias de corrupção envolvendo o governo anterior, como rachadinhas e compra de imóveis com pagamento em espécie não são criminalizadas na informação. A exigência de pagamento de impostos por cidadãos líderes religiosos é apresentada como ataque e vitimização, não como equidade tributária.

A vitimização tem como um dos efeitos o desvio da informação sobre condutas inadequadas e irresponsabilidades do ex-presidente, camuflando fatos, exaltando falsas conquistas, transformando bravatas em bravuras como aconteceu no negacionismo relativo ao enfrentamento da pandemia da covid-19.

A cristalização ou sedimentação da falsa informação contribui para alimentar o ódio a candidaturas. A sedimentação do ódio, paradoxalmente, tem apoio de grupos religiosos, na sua maioria de pastores evangélicos. A combinação de ódio e religião com mentiras favorece a vitimização e a apresentação da extrem-direita violenta como injustiçada.

A divulgação de mentiras tem forte apelo emocional, apresentando-se com uma falsa informação como se fosse uma pessoa próxima, conhecida, aparentemente informada e com credibilidade. Inicia-se a mensagem com “recebi de um amigo médico ou jornalista a notícia de que haverá tal acontecimento”, focando-se na insuspeição do suposto informante mais que no conteúdo. A voz de quem informa aparece ora suave, ora alarmante e agressiva, sem possibilidade de argumentação e sem fonte indicada.

É necessário cada vez mais identificar o informante e a fonte da divulgação, com a visão crítica de que aparecerão diuturnamente notícias duvidosas, como o ex-presidente vitimado por injustiças ou de mobilização de revoltas. A desregulamentação das redes sociais a título de “liberdade de expressão”, a lógica escalar do algoritmo, a mercantilização e monetização massiva das informações atualizam no século 21 o caldo de cultura em que viceja no “ovo da serpente” embutido na mentira.

VICENTE FALEIROS
Professor e especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG)
Graduado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal Fluminense, mestre em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília.

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