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Os desafios da disputa cultural para o campo progressista

Vencemos algumas batalhas, mas a luta, como sempre, continua. É hora de preparação para os desafios futuros.

A mais importante dessas vitórias foi obviamente a eleição do presidente Lula em 2022. A partir daí, tivemos uma série de avanços nas políticas públicas, assim como uma mudança na conjuntura e no debate político. Passamos de um cenário defensivo para um outro cenário, que nos permite uma ofensiva, tanto objetiva quanto narrativa.

Como o Brasil não está isolado no mundo, o primeiro passo é compreendermos que não estamos totalmente “seguros”. A vitória de Lula não significa que o Brasil se tornou um oásis no meio de um deserto, distante das influências da conjuntura internacional. A recente vitória da extrema-direita na Argentina, a guerra na Ucrânia, as violências perpetuadas e a situação na Palestina e em Israel, a organização de grupos xenófobos, racistas e ultraliberais de extrema-direita por todo o mundo montam um mapa complexo, cuja influência chega ao Brasil por diversas vias.

A extrema-direita brasileira começou o ano apostando alto no golpismo, resultando nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Vimos cenas bárbaras de uma série de ataques a parte importante do nosso patrimônio histórico material e imaterial brasileiro. Esses ataques, no curto e médio prazo, terminaram por isolar politicamente esses setores. Mas não nos enganemos. Ainda que com alguns deles presos, e outros tendo feito uma retirada estratégica para seus esgotos, eles não desapareceram, apenas fizeram um recuo para se reorganizarem.

Enquanto isso, o presidente Lula e seus ministros buscaram ao longo desse ano o fortalecimento das instituições, da democracia e das políticas públicas, visando a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro.

O saldo nessa esfera é positivo: na economia, teremos um crescimento projetado do PIB por volta de 3% em 2023, queda do desemprego, balança comercial com superávit histórico, dentre outros avanços importantes.

Na Cultura, a ministra Margareth Menezes, com o apoio do secretário-executivo Márcio Tavares, empreendeu a reconstrução do Ministério, com um orçamento recorde, impulsionado especialmente pela implementação da Lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc, assim como a implementação de uma série de políticas setoriais.

No entanto, a conjuntura nacional e internacional não nos permite o luxo de achar que basta governar bem para garantir a governabilidade, que passa tanto pelo apoio popular, quanto pela base de sustentação parlamentar.

As recentes pesquisas precisam acender um sinal de alerta na esquerda e na base social de sustentação ao governo. Ainda que a economia esteja crescendo, com melhoria das condições de vida da população e com a retomada de importantes políticas públicas, a extrema-direita não descansou e segue utilizando todos os seus aparelhos ideológicos, especialmente nas redes sociais, para criar realidades paralelas virtuais junto à população, visando atacar o governo e constituir bases para ofensivas, tanto eleitoral nas eleições municipais de 2024, quanto nas ruas, visando acossar o governo com suas pautas reacionárias.

Para tornar mais difícil nosso trabalho, não podemos esquecer que a esquerda segue minoritária no Congresso Nacional, o que resulta na necessidade de seguir buscando uma governabilidade a partir de um governo de frente ampla, que leve isso em consideração.

A oposição possui importantes espaços, tanto em governos estaduais e municipais, quanto nos parlamentos, em veículos da grande mídia e em organizações da sociedade civil, a partir de onde organizam pessoas e difundem suas narrativas.

A trégua, que nunca existiu, acabou. A extrema-direita retoma suas manifestações de rua. Pequenas, é verdade, mas que não devem ser subestimadas, assim como organizam com antecedência suas candidaturas para as prefeituras e câmaras de vereadores por todo o país.

Os setores mais radicais da oposição sabem da importância ideológica da batalha cultural, ainda mais em um cenário no qual pouco podem falar a respeito das questões materiais objetivas do governo e do país. Eles travam uma verdadeira “guerra cultural”. Nesta guerra, a narrativa, os valores e as chamadas pautas de costumes ganham espaço numa estratégia de alienação de amplos setores da sociedade. Com base na xenofobia, racismo, misoginia e outros tipos de preconceitos, buscam aprisionar corações e mentes de amplos setores da população. Fazem isso para convencer estas pessoas a apoiarem projetos políticos que, objetivamente, irão lhes prejudicar.

Precisamos compreender que, além de fazer um governo com muitas entregas, é preciso travar batalhas tanto culturais, quanto na comunicação. Defender os nossos valores humanistas pela paz, igualdade e solidariedade, o papel do Estado como indutor da economia, para reduzir desigualdades e como garantidor de direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. O passado recente dos nossos governos anteriores nos mostra os perigos de realizar somente a melhoria da qualidade de vida das pessoas sem um processo ideológico e cultural de conscientização e formação cidadã. Além de alimentar o corpo, é preciso alimentar as subjetividades, disputando corações e mentes.

Quando falamos de cultura não podemos compreendê-la apenas a partir das políticas públicas cultuais. Devemos considerá-la de maneira ampla, como base de tudo aquilo que nos faz humanos e integrantes de determinada sociedade em um determinado tempo. A partir desta compreensão poderemos entender que há uma constante disputa neste campo estratégico. Essa disputa não cabe apenas ao Ministério da Cultura e ao Governo Federal, mas a todas as organizações, incluindo os partidos. 

É preciso fortalecer nossa presença nas organizações da sociedade civil, assim como retomar as atividades de rua. A extrema-direita tentará a todo custo sitiar o governo Lula através delas. Cabe a nós ocupá-las com nossas pautas, visando melhorias para o povo brasileiro.

As eleições municipais de 2024 cumprem um papel estratégico nesse cenário. Caso a esquerda saia enfraquecida delas, o governo se verá ainda mais obrigado a ceder espaços para a garantia da governabilidade. Caso a esquerda saia fortalecida, teremos um cenário propício para o aprofundamento das mudanças necessárias para o país.

É preciso dialogar com o povo sobre o modelo de cidade queremos. Aliar a discussão nacional com propostas de políticas públicas municipais que beneficiem as maiorias, as populações minorizadas, as periferias, os trabalhadores, os usuários dos serviços públicos. As políticas de moradia, transporte público, cultura, saúde, educação e urbanização, enfim, todas as políticas que tornem nossas cidades melhores e mais humanas.

Neste cenário complexo, o papel da militância e das direções partidárias passa pela defesa do governo Lula e por outras tarefas:

  • Organizar e estar presente nas comunidades junto das populações menos favorecidas, defendendo valores progressistas e lutando por direitos;
  • Tomar conhecimento e divulgar as ações realizadas pelo governo Lula, especialmente em localidades onde a extrema-direita esteja no comando dos governos locais.
  • Organizar as candidaturas para as eleições municipais, visando avançar no diálogo com a população e na discussão de políticas públicas que beneficiem a maioria do povo brasileiro a partir das cidades.
  • Acompanhar com atenção e dialogar com os demais partidos de esquerda e movimentos progressistas do mundo, pois muitos dos desafios enfrentados por eles são parecidos com os nossos.

Apesar dos grandes desafios o cenário é favorável, mas é preciso saber aproveitá-lo. O futuro depende da nossa capacidade de reflexão e atuação sobre essa realidade atual.

* Yuri Soares é secretário de Cultura do PT-DF. Mestre em História pela UnB e especialista em Gestão de Políticas Públicas pela FPA/Unicamp.

Comunicação PTDF

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