Manifestantes venceram duas reformas do governo Iván Duque, não saíram das ruas e exigem fim da repressão policial
A Colômbia vive um mês de greve geral, com manifestações ininterruptas em todo o país. A violência também não cessou. Segundo o Instituto de Desenvolvimento da Paz (Indepaz), são 60 mortes decorrentes dos conflitos das forças policiais com manifestantes, sendo 43 causadas pela polícia. A organização não governamental Temblores oferece um levantamento com 3155 denúncias de violência policial, incluindo 1388 prisões arbitrárias, 46 manifestantes com lesões oculares e 22 estupros.
De acordo com a Comissão Intereclesial de Justiça e Paz, também existem 120 manifestantes desaparecidos, que poderiam ter sido vítimas de tortura e qualquer forma de violência estatal.
Já o Ministério da Defesa e a Defensoria Pública registraram 42 assassinatos sem autoria confirmada.
O comitê nacional de paralisação e o governo realizaram algumas rodadas de negociação e chegaram a um conjunto de pré-acordos, que incluem a garantia de realização de manifestações pacíficas e o controle da ação do Esquadrão Móvil Antidistúrbios (Esmad) – espécie de Bope colombiano.
Em 30 dias, os movimentos sociais, sindicatos e entidades estudantis conseguiram derrotar dois projetos de reforma do governo de Iván Duque e gerar pressão para a renúncia de dois ministros.
Os protestos começaram no dia 28 de abril, condenando a reforma tributária proposta pelo Executivo colombiano, que aumentaria o imposto de valor agregado a 19%. Esse valor incidiria sobre todos os produtos da cesta básica alimentar. Derrotado o projeto, no dia 2 de maio, Alberto Carrasquilla renunciou ao cargo de ministro de Finanças.
No entanto, as manifestações continuaram exigindo a suspensão do “paquetaço”, uma agenda de reformas de caráter liberal. Dessa maneira, no dia 19, foi arquivada a reforma da saúde, que dava maiores facilidades ao setor privado em detrimento da população atendida, justamente num momento em que a Colômbia atravessa uma crise sanitária pela covid-19.
Até o momento, são 3,29 milhões de casos e 86.180 falecidos pelo novo coronavírus no país, e foram aplicadas 8,6 milhões de doses de vacinas. Duque pediu aos países com fórmulas excedentes que “emprestem” imunizantes à Colômbia para acelerar a imunização nacional.
Com o avanço das conquistas dos grevistas, o presidente decidiu militarizar as cidades que concentravam as maiores manifestações, como Bogotá e Cali.
Diante da repercussão internacional negativa, a chanceler, Claudia Blum, também renunciou. A vice presidenta Marta Lucía Ramírez assumiu o cargo de ministra das Relações Exteriores, e sua primeira viagem ao exterior, nos dias 21 a 27 de maio, foi aos Estados Unidos, para reunir-se com representantes da Casa Branca, do partido Democrata e com o secretário geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
De volta a Bogotá, Ramirez mudou a posição do governo, que decidiu permitir a entrada de uma equipe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para acompanhar as manifestações.
“Já são 9.223 manifestações, destas, 7.800 sem incidentes, isso quer dizer que a grande maioria é pacífica. No entanto, existem casos de falecimentos, agressão sexual, desaparições. Tudo isso é informação oficial do Estado colombiano”, afirmou a presidenta da CIDH, Antonia Urrejola.
Desde a última terça-feira (25), uma missão internacional de solidariedade e observação de direitos humanos também está no país, entrevistando colombianos e acompanhando as atividades. A comitiva irá elaborar um relatório para organismos multilaterais.
Violência estrutural
Mesmo com as vitórias, o povo colombiano não deixou as ruas, porque a brutalidade dos corpos de segurança nacional se intensifica e a violência se tornou algo estrutural no país.
Somente neste ano, foram registrados 40 massacres, com 149 vítimas fatais, segundo Indepaz. Desde 2016, somam 1091 os líderes sociais assassinados.
A bancada de oposição no Congresso chegou a defender uma moção de censura ao ministro de Defesa, Diego Molano, por considerá-lo responsável pelas mortes. No entanto, com maioria governista no Senado, a petição foi derrotada.
Agora, Molano anunciou a criação de um grupo antibloqueio, que irá trabalhar para atuar em 25 pontos estratégicos da cidade de Cali, região do Pacífico colombiano, tratando de liberar a circulação em ruas que contenham barricadas ou atividades dos manifestantes.
Para mudar o foco das ações das forças militares, representantes do governo colombiano reforçam a ideia de que os atos teriam sido promovidos desde o exterior.
O diretor geral da polícia colombiana, general Jorge Luis Vargas, defende que a Venezuela estaria financiando as manifestações.
Também acusam congressistas da oposição de canalizar recursos para os grevistas. A bancada governista solicitou à Corte Suprema de Justiça congelar as contas do senador Gustavo Bolívar (Lista da Decência), depois que o parlamentar compartilhou em suas redes sociais um link de uma “vaquinha” de coleta de fundos para equipamentos de segurança aos grevistas da linha de frente dos protestos.
Fonte: Brasil de Fato