Entidades buscam apoio para derrubar isenção fiscal a agrotóxicos no Brasil

Ação tramitando no STF desde 2016 lembra que produtos provocam danos à saúde e ao meio ambiente

Uma frente de entidades está se mobilizando para ampliar e popularizar o debate sobre a isenção fiscal para agrotóxicos no país, questionada pelo grupo. A iniciativa tem como cenário a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5553, que está em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e tenta derrubar os subsídios concedidos pelo Estado brasileiro a esse tipo de produto.

Ajuizada pelo Psol em junho de 2016, a ação pede a inconstitucionalidade do Decreto 7.660/2011, que libera 24 substâncias do pagamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e de dois trechos do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).

O primeiro deles reduz em 60% a base de cálculo do ICMS para agrotóxicos, enquanto o outro permite que os estados e o Distrito Federal (DF) concedam o mesmo desconto em operações locais relacionadas a pesticidas.

O Psol traz, como fundamento da ação, a violação aos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado. O partido aponta que os agroquímicos eliminam insetos importantes para o equilíbrio ecológico e contaminam a terra, o ar e os recursos hídricos, além de causarem impactos à saúde humana.

A sigla acrescenta que há violação ao princípio da seletividade tributária, segundo o qual se concedem descontos fiscais para bens considerados de maior essencialidade e o inverso para aqueles que sejam menos essenciais ou nocivos. A lógica é aplicada para tributos indiretos, ou seja, que não repercutem no consumidor final, como é o caso do ICMS e do IPI.

“Essa questão [legal] está ligada a produtos que sejam essenciais à dignidade da vida humana, à justiça social, etc. Não é razoável que o Estado considere como essenciais substâncias que lesionam a saúde humana, causam doenças, mortes e destroem o meio ambiente. Precisamos falar mais sobre isso”, defende o advogado João Alfredo Telles, membro do Psol e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-CE.

Em virtude do amplo alcance dos benefícios – que envolvem União, estados e DF e também abrangem impostos que vão além dos que são objeto da ADI –, o poder público e as entidades que acompanham o tema desconhecem o custo total da medida para os cofres públicos.

As vantagens da prática para quem está do outro lado da moeda, no entanto, são publicamente conhecidas.

Segundo a ação do Psol, entre 2000 e 2010, por exemplo, a taxa de crescimento do mercado nacional de agroquímicos foi de 190% contra um índice de 93% no cenário mundial. A estatística fez do Brasil o país que mais consome agrotóxicos no mundo – posição ocupada desde 2008, por força do processo político de incentivo aos pesticidas.

Sociedade

O pedido feito na ADI conta com o apoio de diferentes atores sociais, como Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e a ONG Terra de Direitos.

Atualmente em fase de instrução processual no STF, a ADI recebeu manifestação oficial das seis organizações, que se pronunciaram no âmbito do processo como amicus curiae – instituto que permite, dentro de uma determinada discussão judicial, a participação de entidades ou órgãos interessados no tema.

Os argumentos trazidos na ação foram acolhidos pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Ela apresentou parecer ao STF afirmando que os dispositivos legais questionados pelo Psol entram em conflito com os direitos constitucionais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde coletiva e à proteção social do trabalhador, estimulando ainda uma expansão dos agrotóxicos.

Enquanto o processo aguarda decisão, as entidades pleiteiam a realização de uma ampla audiência sobre o assunto no próprio STF, assim como ocorreu, por exemplo, durante o julgamento da ação que questionava, na Corte, o Código Florestal.

A advogada popular Naiara Bittencourt, da ONG Terra de Direitos, argumenta que o tema da isenção de impostos para venenos tem caráter complexo e por isso é pouco disseminado e conhecido pela sociedade.

“Isso não chega até a população. Todo mundo sabe que agrotóxico faz mal, mas as pessoas não sabem que esses produtos são incentivados [pelo Estado]. É isso que a gente está tentando colocar em pauta na ordem do dia. A gente acha que, por enquanto, [a discussão] ainda está no âmbito dos especialistas e quer que tenha um debate público sobre isso”, afirma a advogada.

A ONG defende que o STF escute diferentes atores, como os agricultores que são afetados por esse tipo de produto.

Jogo de forças

O conteúdo debatido na ADI está no centro de um jogo de forças que envolve dois grupos de interesse.

Enquanto, de um lado, a medida conta com apoio de movimentos populares, juristas e especialistas em saúde pública e defesa do meio ambiente, de outro, a pauta coloca em xeque os interesses de grupos econômicos vinculados ao agronegócio.

Maior interessado na expansão do uso de pesticidas, o setor é ligado à prática da monocultura, modelo de produção que concentra terras, produz em larga escala e injeta altos índices de veneno no meio ambiente.

No STF, pronunciaram-se contra a ação do Psol entidades como Fiesp, Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Entre outras coisas, elas argumentam que a suspensão da isenção fiscal para agrotóxicos levaria a uma alta no preço dos alimentos e da inflação no país.

A afirmação é contestada pela advogada e pesquisadora Talita Furtado, do Núcleo de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela sublinha que, no Brasil, a produção de alimentos vem principalmente da agricultura familiar, responsável por mais de 70% dos produtos que chegam à mesa do brasileiro, enquanto o agronegócio se concentra nas chamadas “commodities” agrícolas – matéria-prima vendida em larga escala para exportação. Milho, algodão, soja e cana-de-açúcar são os principais destaques entre essas mercadorias.

“O preço desses produtos é fixado em bolsa de valores, então, ele não é estabelecido a partir do custo de produção e de uma margem de lucro. Na verdade, quando a gente diminui o custo de produção retirando o custo dos impostos do empresário, o que a gente está fazendo é aumentando a sua margem de lucro. Então, não vai ter um repasse direto pro consumidor”, complementa a advogada.

Ela vê com preocupação a conduta do Estado brasileiro diante do tema. Durante a tramitação da ADI, o relator da ação, ministro Edson Fachin, solicitou informações ao Ministério da Fazenda sobre as razões macroeconômicas para a isenção de IPI e redução de ICSM, mas a pasta não soube explicar.

“Nas atas das reuniões do Confaz em que foi aprovado o benefício não consta essa exposição de motivos, tampouco há explicação na legislação de criação do IPI, que remonta à década de 1980. Além disso, o Ministério atesta que não estão sendo realizadas avaliações voltadas para a substituição dos incentivos fiscais a agrotóxicos por outros tipos de políticas, o que nos leva a perceber que a isenção vem simplesmente de uma decisão política. É uma escolha de governo e que eu compreendo como arbitrária, contrária aos interesses públicos e sociais”, critica Talita Furtado.

O tema mobiliza também outros atores contrários aos instrumentos de incentivo aos pesticidas, como é o caso do Ministério Público do Trabalho (MPT).  Para o procurador Pedro Serafim, coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, o histórico de problemas políticos que circundam a queda de braço em torno desses produtos indica que a solução da questão estaria fora do Poder Executivo.

“Faz-se o discurso do fabricante, enquanto o discurso do Estado deveria ser outro. Essa questão do agrotóxico precisa ser enfrentada, sem dúvida, mas não acredito que algum governo brasileiro vá resolver o problema como ele precisa ser resolvido. É preciso fazer a sociedade participar, se apropriar do tema e utilizar isso como instrumento de controle social”, sustenta Furtado.

Brasil de Fato

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