Onde se pode avançar no transporte público do entorno, antes mesmo do consórcio interfederativo?

Por Wesley Ferro Nogueira

É preciso reconhecer que a criação da Região Metropolitana do Entorno do Distrito Federal é um passo importante para garantir que os entes federados consigam estabelecer uma ação integrada e articulada dentro do território, visando à execução de funções públicas de interesse comum, onde se inclui a mobilidade urbana e, mais especificamente, o transporte público coletivo interestadual semiurbano de passageiros.

Criada por intermédio da Lei Complementar no 181/2023, aprovada na Assembleia Legislativa de Goiás, a Região Metropolitana do Entorno do DF é composta por 11 municípios do Estado
(Águas Lindas, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso), que são exatamente aqueles atendidos, atualmente, pelo Serviço de Transporte Interestadual Semiurbano Coletivo de Passageiros, que promove a ligação com o Distrito Federal.

A referida Lei aponta para a perspectiva de que “a organização e o disciplinamento da função pública de mobilidade urbana, em razão de suas especificidades, serão feitas por consórcio público interfederativo”, fixando um modelo institucional de governança entre o Estado de Goiás e os 11 municípios, que assumiria a responsabilidade pela gestão, planejamento e operação do sistema de transporte público.

O próximo passo dentro desse processo é a formalização do Consórcio Público Interfederativo, que, na configuração delineada e ampliada, envolveria quatro entes federados que estão inseridos no território: a União, o Estado de Goiás, o Distrito Federal e os 11 Municípios. Esse
Consórcio assumiria a responsabilidade pela gestão, planejamento, regulação, execução, fiscalização e controle do Serviço Interestadual Semiurbano.

No entanto, a instituição do Consórcio Público deve ser, com absoluta certeza, a etapa mais complicada em todo o processo, uma vez que exige, entre outras coisas, a celebração de um protocolo de intenções entre os 4 entes federados, onde é pactuado o compromisso de participação e de aporte de recursos financeiros para o financiamento do sistema de transporte público, sendo que tudo isso seria formalizado somente após a aprovação de lei, em cada casa legislativa, contendo a autorização para a entrada do respectivo ente no Consórcio.

Partindo-se do pressuposto de que os 4 entes federados estarão dentro do Consórcio, com isso imagina-se que será necessária a construção de um longo e demorado arranjo para que as suas participações sejam aprovadas no Congresso Nacional, na Câmara Legislativa do DF, na Assembleia Legislativa de Goiás e em todas as 11 Câmaras Municipais. Como esse processo não estará no âmbito da governabilidade exclusiva dos gestores, mas que se submeterá ao cronograma da agenda dos legislativos, avalia-se que as potenciais mudanças que poderiam ocorrer a partir da implementação do Consórcio Interfederativo demorem mais tempo para
acontecer e, assim, os usuários do sistema de transporte público que opera no Entorno continuem submetidos a um modelo que não oferta um serviço qualificado.

Nesse sentido, tem-se defendido há algum tempo, e já registrado em outros artigos publicados, acerca de medidas pontuais que poderiam ser implementadas em conjunto pelos entes federados dentro do território e que, sem dúvida, contribuiriam para o início de um processo de qualificação do Serviço Interestadual Semiurbano, sem perder de vista que o objetivo final deve ser sempre o de alcançar a implantação de uma rede metropolitana de transporte público,
integrando os sistemas que operam no DF e no Entorno, com bilhete único metropolitano e benefícios e serviço de qualidade não fazendo distinção em relação à origem do usuário.

Essa articulação inicial dos entes federados, para a implantação de medidas pontuais, poderia mesmo até ser um laboratório para o exercício da ação integrada que estará presente na dinâmica futura do Consórcio Interfederativo. Essa experiência poderia ser aplicada, por exemplo, na viabilização de faixas reversas nas vias de acesso ao DF (BR-020, BR-040, BR-060 r BR-070), nos horários dos picos, com circulação garantida para os ônibus do transporte
público que saem dos municípios do Entorno. Se no DF é viável a implantação de faixas reversas para automóveis (vide casos da Estrutural, EPNB e BR-020), visando garantir a tal fluidez para os veículos, o que impediria uma ação articulada envolvendo diversas instituições (ANTT, DNIT, PRF, DER, DETRAN e concessionárias das rodovias federais), para priorizar o transporte público, reduzir o tempo de viagem dos usuários do sistema e diminuir as emissões?

Uma segunda medida deveria ser o estabelecimento de restrições para a circulação de veículos de cargas, nas vias de acesso ao DF, em horários preestabelecidos durante o dia (entre 05h00 e 08h00 e 17h00 e 20h00), para que ocorra uma diminuição do volume de transporte motorizado nos horários de picos atendidos pelo sistema de transporte público, obviamente sem querer
promover qualquer tipo de prejuízo para as atividades econômicas, mas buscando apenas distensionar a disputa dentro do sistema viário nos períodos vitais para o transporte público.

Também poderia ser viabilizada a flexibilização e o escalonamento dos horários de funcionamento das atividades econômicas dentro da cidade, desconcentrando os períodos de
entrada e saída dos trabalhadores nos estabelecimentos, para que a demanda no transporte público não fique majoritariamente localizada em determinados horários do dia, enquanto há
ociosidade em outros. Qual o grau de dificuldade para a construção de um arranjo envolvendo as representações empresariais do comércio, indústria e serviços e a gestão pública?

Por fim, outra medida urgente e necessária, e que deve se antecipar ao processo de reorganização do Serviço Interestadual Semiurbano, está no âmbito dos municípios. As prefeituras devem conduzir o processo de reorganização e requalificação dos seus sistemas
urbanos de transporte público coletivo, promovendo licitações que organizem redes adequadas, que estejam sintonizadas com a realidade atual do território de cada município e sob novas
condições de contratação, mas que também seja estruturada a partir de um modelo de alimentação do sistema estrutural que deverá ser fortalecido no novo cenário do Serviço Interestadual Semiurbano. Os municípios devem começar esse processo o mais rápido possível, uma vez que também assumirão responsabilidades dentro do Consórcio.

Wesley Ferro Nogueira é economista, atualmente é Secretário Executivo do Instituto MDT, colabora no Projeto “Pensar o transporte público na cidade planejada para o automóvel”, integra a Rede Urbanidade e é membro titular do Conselho de Transporte Público Coletivo do DF e do Conselho de Trânsito do Distrito Federal.

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