A manifestação estava convocada para as cinco da tarde na Piazza del Popolo (Praça do Povo), coração de Roma. Deveria ser estática e protestar contra a decisão do Governo de tornar obrigatório ter um certificado de vacinação para poder trabalhar a partir da próxima sexta-feira. Havia mais de 10.000 pessoas. Uma mistura de militantes de partidos de ultradireita, fascistas declarados e antivacinas. Mas havia outro plano em andamento, tramado através do Telegram e inspirado no ataque de janeiro ao Congresso dos Estados Unidos. Metade de participantes se separou da manifestação e foi em busca de outros objetivos. Primeiro, o principal organizador da ação, o partido de ultradireita Força Nova, quis tomar o Palácio Chigi, sede do Governo italiano. Os ultradireitistas conseguiram chegar até uma das laterais e começaram os distúrbios. Mas era muito complicado. Então, optaram pelo edifício da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL), o principal sindicato do país, e a destroçaram. Um ataque insólito que colocou toda a Itália em alerta.
A violenta guerrilha que se formou no centro de Roma no sábado, que durou sete horas e terminou com 12 pessoas presas (entre líderes de partidos fascistas, ex-terroristas e representantes do mundo antivacinas), foi um ponto de inflexão na relação do Estado com esses grupos. Um coquetel social e político que foi agitado durante a pandemia e encontrou certa cobertura nos partidos de direita, como a Liga e os Irmãos da Itália, mergulhados na ambiguidade eleitoreira em relação à campanha de vacinação e às restrições.
Pela primeira vez, no entanto, o Executivo cogita banir grupos desse tipo. Um caminho que a lei Scelba (de Mario Scelba, ministro do Interior na época) prevê desde 1952, como lembra o deputado do Partido Democrático (PD) e constitucionalista Stefano Ceccanti. “Isso pode ser feito através de uma sentença judicial ou por decreto. Uma opção para casos de emergência imediata. Mas até agora nunca se recorreu a esse caminho, sempre foi por sentença”, aponta. Na tarde desta segunda-feira, no que pode ser interpretado como um primeiro passo nesse sentido, a Procuradoria de Roma ordenou à polícia o bloqueio do site do partido Força Nova.
A lei se remete ao artigo 12 da Constituição, que proíbe a reconstrução do Partido Fascista. Pode ser aplicada quando uma organização persegue objetivos antidemocráticos como os do partido fascista “usando ou ameaçando usar a violência como método político, ou realiza manifestações externas de caráter fascista”. Dois partidos desse tipo —Nova Ordem e Vanguarda Nacional— já foram proscritos por um juiz. O caminho do decreto, que o Governo está analisando, nunca foi usado. “Neste momento, seria complicado e poderia gerar o efeito contrário”, explicam fontes do Executivo, que no domingo estudou os inconvenientes que uma medida desse tipo poderia ter.
O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, não se pronunciou publicamente sobre a possível proscrição. Mas foi visitar nesta segunda-feira o secretário-geral do sindicato atacado, Maurizio Landini. Lá, condenou a violência contra o que considerou “guardiães fundamentais da democracia”. O PD, entretanto, pediu que se utilize essa via e que se busque consenso no Parlamento. Mas se deparou com a recusa da direita: Liga, Irmãos da Itália e Força Itália.
Um partido neofascista nascido em 1997
O núcleo da revolta do fim de semana é a Força Nova, um partido político neofascista fundado em 1997 pelo Roberto Fiore e Massimo Morsello, militantes históricos de extrema direita e membros de organizações terroristas como o Núcleo Armado Revolucionário (NAR). Fiore viveu foragido da Justiça durante mais de uma década. Hoje o partido não tem mais do que alguns poucos milhares de militantes e é liderado por ele e por Giuliano Castellino (condenado a quatro anos de prisão em 2019 por agredir um policial). Ambos vêm também da Chama Tricolor, uma cisão do Movimento Social Italiano (MSI), partido que aglutinou todos os restos do fascismo na Itália e foi presidido durante anos por Giorgio Almirante. Depois, Gianfranco Fini fundou a Aliança Nacional, partido que decidiu entrar nas instituições e abandonar aquela referência ideológica, numa decisão que ficou conhecida como Svolta di Fiuggi. E dos rescaldos daquela organização foi criado o partido Irmãos da Itália, hoje liderado por Giorgio Meloni e aliado do espanhol Vox.
A lei, no caso do partido Força Nova, é clara e deve ser aplicada. É o que opina o historiador Emilio Gentile, autoridade máxima no estudo do fascismo. “Eles se definem como fascistas e o método violento utilizado no sábado é o dos esquadristas de Mussolini: atacar as sedes dos trabalhadores e destruí-las. Se eles se proclamam assim, têm o direito de ser tratados como aquilo que são. Caso contrário, que eliminem essa lei”, afirma.
Neta de Mussolini foi a vereadora mais votada em Roma
Os partidos neofascistas, como Força Nova e CasaPound (eles se denominam fascistas do terceiro milênio e já tiveram representação em várias têm tido representantes em várias administrações municipais italianas), são hoje completamente residuais. Mas encontraram nos ambientes negacionistas e antivacinas a força social que faltava nos últimos tempos.
O cenário de sábado na Piazza del Popolo, com torcedores radicais de futebol, seguranças de clube noturno, comerciantes irritados com as restrições e fascistas declarados, mostra um retrato social de descontentamento do qual alguns partidos tentam tirar proveito incorporando figuras mais ou menos próximas desse mundo. Rachele Mussolini, neta do ditador e integrante do partido Irmãos da Itália, foi a candidata mais votada nas eleições realizadas nos dias 3 e 4 em Roma. Como muitos de seus colegas de partido, ela não condena o fascismo nem celebra o 25 de Abril, feriado nacional e Dia da Libertação da Itália. A nostalgia, como Meloni a define para evitar falar em fascistas, ainda rende votos na Itália.