NAIRÓBI — John Nkengasong, diretor do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças, alertou que o continente passa por uma terceira onda “brutal” da pandemia da Covid-19, no momento em que é deixado para trás na corrida mundial da vacinação. “Não interessa para mim se as vacinas são do Covax ou de qualquer outro lugar. Tudo o que precisamos é acesso rápido a vacinas”, afirmou Nkengasong em entrevista na quinta-feira.
Á África não está conseguindo controlar a pandemia, disse o diretor do centro ligado à União Africana, que reúne 54 países. Apenas 2,5% da sua população recebeu pelo menos uma dose da vacina — 1% está totalmente imunizada — e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que apenas sete países africanos, a maioria deles pequenos, irão alcançar a meta de todas as nações vacinarem 10% de seus habitantes até setembro.
Enquanto a vacinação se mantém restrita, a África vê o número de infecções empinar. Em 23 de maio, a média móvel de casos por dia em todo o continente foi de 9.684. Um mês depois, o número quase triplicou: 25.352, segundo dados do site Our World in Data, da Universidade de Oxford.
A terceira onda veio com uma gravidade para a qual a maioria dos países não estava preparada. Então, a terceira onda é extremamente brutal — disse Nkengasong, apontando que sua preocupação é conseguir vacinas a tempo, independentemente de onde elas venham. — Deixe-me ser franco: na África, não estamos ganhando essa batalha contra o vírus.
Nkengasong também informou que pelo menos 20 países estão no meio de uma terceira onda. Ele não citou todos, mas disse que Zâmbia, Uganda e República Democrática do Congo estão entre as nações com o sistema de saúde sobrecarregado. Dados do Our World in Data mostram que Libéria, África do Sul, Namíbia e Tunísia, além de outros, também enfrentam uma alta no número de casos de Covid.
No Quênia, onde as infecções também estão subindo, médicos temem que uma onda da pandemia como a que afetou a Índia possa estar se aproximando, segundo o New York Times. Recentemente, autoridades médicas do país africano aconselheram políticos a evitarem eventos presenciais.
No entanto, as lideranças, incluindo o presidente Uhuru Kenyatta, preferiram seguir o exemplo do premier indiano Narendra Modi: foram às ruas do condado de Kisumu, onde a variante Delta foi encontrada pela primeira vez, atraindo grandes multidões, com a maioria das pessoas sem máscara. Nas semanas seguintes, casos e mortes pela Covid avançaram. Na última, mais de 23% da população testada na região teve resultado positivo — mais que o dobro da média nacional.
Há duas semanas, o número de mortes em 36 dos 54 países africanos cresceu 15%, segundo a OMS. No entanto, pontuam especialistas, o verdadeiro impacto é muito maior, tendo em vista que o rastreamento e a testagem em diversas nações ainda são um grande desafio.
Em Ruanda, onde a média de casos diários explodiu, passando de 78 em 23 maio para 583 um mês depois, o país sediou a Liga Africana de Basquete e outros grandes eventos esportivos há algumas semanas. Com o novo avanço da pandemia, novas restrições foram adotadas na segunda-feira, como um toque de recolher às 19h e a proibição de locomoção entre as diferentes províncias.
Na República Democrática do Congo, mais de 5% dos parlamentares foram mortos pela Covid. Em Uganda, o presidente Yoweri Museveni impôs uma estrita quarentena de 42 dias para frear o vírus. A Tunísia já enfrenta uma quarta onda. Na África do Sul, o país africano mais afetado pela pandemia, a média de casos diários quase triplicou em duas semanas.
Em todo o continente, dos 5 milhões de casos registrados desde o início da pandemia, cerca de 1 milhão ocorreram apenas no último mês, mostram dados do Our World in Data.
Enquanto os casos avançam, vão por água abaixo as altas ambições iniciais do mecanismo Covax de coletar vacinas dos fabricantes nos países mais desenvolvidos, distribuindo-as rapidamente para as nações com necessidades mais urgentes. Globalmente, cerca de 2,7 bilhões de doses foram aplicadas — menos de 1,5% delas no continente africano, segundo a OMS.
As economias mais ricas do mundo, por outro lado, já garantiram entregas de doses suficientes para cobrir suas populações mais de quatro vezes e meia, mas as mais pobres só conseguiram o suficiente para 10%, segundo analistas do banco Barclays, citados pelo jornal Financial Times.
— O último aumento [de casos] ameaça ser o pior da África — disse a diretora regional da OMS na África, Matshidiso Moeti, em entrevista na quinta-feira, alertando para a necessidade de mais vacinas. — Precisamos de um sprint, não de uma caminhada, para proteger rapidamente aqueles que enfrentam os maiores riscos.
Fonte: O Globo