A CPI da Pandemia, em andamento no Senado, ouve nesta terça-feira, 1º de junho, a partir das 9h, uma testemunha cujo depoimento interessa tanto à tropa de choque governista quanto aos senadores que fazem oposição ao presidente Jair Bolsonaro: Nise Yamaguchi, 62 anos, médica oncologista e imunologista, que atua no hospital Albert Einstein. Ela é talvez a profissional da medicina mais graduada a defender no tratamento da Covid-19 o uso de medicamentos como Hidroxicloroquina e Ivermectina – drogas que não têm eficácia comprovada contra a doença, segundo um grande número de estudos realizados desde a metade do ano passado.
Para os defensores de Bolsonaro na comissão, como os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE), que apresentaram requerimentos para convocá-la, o seu status na comunidade médica vai ajudar na sustentação da controversa tese do bolsonarismo do chamado “tratamento precoce”, com o uso de cloroquina e outros medicamentos, uma obsessão levada a cabo pelo presidente desde o início da pandemia.
Já para a oposição, a audiência servirá para pressioná-la sobre uma reunião na qual teria defendido que a bula da cloroquina fosse alterada por meio de um decreto presidencial para permitir o seu uso no tratamento contra o coronavírus. O episódio foi revelado por um dos participantes da reunião, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e confirmado por outro, o diretor-presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres, ambos durante depoimento à CPI.
O episódio seria mais um a indicar a existência de um gabinete paralelo de aconselhamento a Bolsonaro sobre políticas a serem adotadas no combate à pandemia da Covid-19, que já matou mais de 462.000 brasileiros. Outros integrantes seriam Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde – que reafirmou o seu ponto de vista a favor da cloroquina durante depoimento à CPI; os filhos do presidente Carlos e Eduardo Bolsonaro; o empresário Carlos Wizard e o ex-assessor da Presidência da República Arthur Weintraub.
Nise Yamaguchi foi especulada como ministra da Saúde em duas oportunidades no governo Bolsonaro. A primeira foi em abril de 2020, quando Mandetta acabou sendo demitido pelo presidente após desavenças públicas sobre o combate à pandemia, inclusive envolvendo o uso de cloroquina. À época, mesmo antes da queda do ministro, Yamaguchi já se encontrava com frequência com Bolsonaro, a quem dava conselhos sobre a pandemia. Mas ela foi preterida pelo também médico Nelson Teich.
O seu nome voltou a ser especulado pouco menos de um mês depois, quando o sucessor de Mandetta, Nelson Teich, entregou o cargo, em maio, também por divergências com Bolsonaro. Desta vez, o presidente optou pelo general Eduardo Pazuello para o posto, mas Yamaguchi continuou a ser influente nos bastidores do governo em relação à pandemia.
Médica oncologista e imunologista e com doutorado em pneumologia pela USP, ela já dirigiu entidades médicas, como a Sociedade Brasileira de Cancerologia, participou de organismos internacionais e representou o Ministério da Saúde junto ao Estado de São Paulo entre 2007 e 2011, durante os governos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Atualmente, dirige o Instituto Avanços em Medicina, localizado na região da Bela Vista, em São Paulo, e especializado em tratamento de câncer, e atua no Hospital Albert Einstein, mas de forma independente.
“Nós estamos reservando essas medicações para as situações mais graves dentro dos hospitais. É possível que, à medida que o governo produza mais (…), então vamos ter uma distribuição mais ampla e elas poderão ser usadas em pacientes menos graves, que é o que a gente deseja”.
Nise Yamaguchi, sobre a Cloroquina e a Ivermectina em abril de 2020
Em vídeo postado em seu canal no YouTube em abril de 2020, ainda no início da pandemia, ela deu o seu entendimento sobre o uso de hidroxicloroquina e azitromicina. “São remédios relativamente bem tolerados pela maioria das pessoas. Nós estamos reservando essas medicações para as situações mais graves dentro dos hospitais. É possível que, à medida que o governo produza mais, vai estar havendo um esforço de importações dos sais, de produção no Exército, nas fábricas que temos no Brasil, então vamos ter uma distribuição mais ampla e elas poderão ser usadas em pacientes menos graves, que é o que a gente deseja. Desejamos que a doença não chegue aos casos mais graves.”
Em julho de 2020, Nise Yamaguchi se envolveu em uma polêmica e foi suspensa pelo Hospital Albert Einstein. Em entrevista à TV Brasil, a médica fez uma comparação sobre o pânico provocado pela pandemia e o comportamento das vítimas do holocausto nazista. “Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não os submetessem diariamente a humilhações, humilhações, humilhações”.
Em nota, o hospital, que foi fundado por judeus e carrega a palavra “israelita” no nome, disse que o afastamento se dera para investigação da declaração. “Como se trata de manifestação insólita, o hospital houve por bem averiguar se houve mero despropósito destituído de intuito ofensivo ou manifestação de desapreço motivada por algum conflito”, disse.
A princípio, Yamaguchi disse que o afastamento havia se dado em razão de sua defesa da cloroquina, o que foi negado pelo hospital. Depois, em nota assinada por seus advogados, pediu “desculpas por expressões outras e interpretações errôneas sobre assuntos sensíveis ao grande sofrimento judaico que envolveram seu nome, pois é solidária à dor dessa ilustre comunidade como a maior das atrocidades de nossa história ocidental”.
Fonte: Blog da Cidadania