Publicação mensal da Fundação Perseu Abramo, a Revista Reconexão Periferias está em sua 23ª Edição e, nesse mês de maio, homenageia o Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, com artigos e entrevistas que relatam a realidade de trabalhadores (as) de diversas categorias. Na seção de entrevistas, um papo com Jeová Moreira, motorista de ônibus do Distrito Federal.
Jeová trabalha há 12 anos como motorista no transporte público do Distrito Federal. Casado, pai de três filhos, não parou de dirigir um só dia, além de suas folgas regulares, durante toda a pandemia. Jeová é associado ao sindicato da categoria na cidade, filiado à CUT.
Já o artigo do coletivo Núcleo de Estudos Negros (NEN) discute a ideia crescente de empreendedorismo, a precarização do trabalho e as altas taxas de desemprego, trazendo a Economia Comunitária e Popular como uma alternativa.
Chirlene do Santos Brito, secretária-geral da Associação das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande-PB, traz em artigo a dura realidade das trabalhadoras domésticas durante a pandemia.
No Perfil, a história da Pizza da Quebrada, que surgiu a partir da ideia de oferecer pizza de qualidade às comunidades periféricas de Florianópolis, por um preço justo e priorizando a contratação de pessoas negras.
Tiago Ferreira, vereador de Salvador (BA), é o entrevistado na sessão Quando novos atores entram em cena.
A sessão de Arte apresenta Everson Alexandre de Souza, afro-religioso da cidade de Santa Cruz do Sul, trabalhador e artista plástico. E também a dançarina manauara de danças urbanas, bgirl e produtora cultural Finhah.
Acesse em: https://fpabramo.org.br/…/revista-reconexao-periferias
Abaixo, reproduzimos a entrevista com o trabalhador rodoviário do DF, Jeová Carlos Moreira de Souza:
Reconexão: Jeová, você teve medo da Covid-19 em algum momento? Algum colega ou familiar seu foi contaminado?
Jeová: Tive medo, não. Eu tenho medo é até hoje. Até porque essa segunda onda veio com uma intensidade muito forte e perdi, sim, vários colegas de trabalho. Ao todo, mais próximos de mim, foram uns 14. Em geral, aqui no transporte público de Brasília, foram 31 óbitos, das cinco empresas que prestam serviço. Tenho medo, sim, é tenso, muito tenso. Você sai de casa com o pensamento de que pode estar em algum momento com um passageiro que está ali do
seu lado e pode estar com o vírus e transmitir pra você. É complicado.
Jeová, rodoviário sindicalizado do DF, diz que o sindicato foi importante para garantir as medidas de segurança contra a covid
R: Como foi ter que lidar com passageiros todo este tempo? Houve quem se recusou a usar máscara?
J: Sim, com certeza. A gente lida com pessoas de todo o tipo. Já houve passageiro que se recusou
a usar máscara e eu tive que parar o ônibus e dizer que não ia se deslocar dali pra lugar nenhum enquanto aquele passageiro colocasse a máscara. Mas foi constrangedor. Não foi um nem dois, foram vários. Mas neste caso eu tive de chamar o apoio policial. Esse passageiro nem seguiu viagem com os outros, ficou ali conversando com os policiais.
R: A empresa em que você trabalha teve que tipo de atitude com os trabalhadores neste momento? De cooperação ou de desleixo?
J: Em nenhum momento eu presenciei nenhuma atitude de desleixo dela, não. Nós temos um grupo aí (de whatsapp) em que ela manda todo dia informações de como prevenir, evitar aglomeração.
R: Eu sei que você é sindicalizado. O sindicato tem sido importante neste momento de pandemia? Ou ficou devendo?
J: Sim, muito importante o papel do sindicato. Sem ele, acho que a quantidade de mortes devido à Covid poderia ter sido o dobro ou o triplo. O sindicato abraçou a causa. Inclusive teve uma paralisação no dia 3 de maio, devido à promessa do secretário de Saúde e do secretário do Transporte e de alguns membros da Secretaria de Governo. Na primeira reunião que tivemos com eles, a categoria foi indicada para ser grupo de prioridade na vacinação e que a gente não tivesse nenhuma preocupação. Depois veio uma segunda resposta e eles voltaram atrás. Saímos do grupo de prioridades. Por isso, nenhum ônibus rodou ontem (dia 3). O sindicato está sempre por perto.
R: Como está seu emocional, sua cabeça? E os demais trabalhadores, como estão neste sentido?
J: Sabemos que é um momento muito delicado. Tem dias que você não está legal, porque, com o passar do tempo, o
comércio, os shoppings, as feiras, estão abrindo, e a quantidade de passageiros está se multiplicando. Maior o risco de
transmissão. Então, nosso emocional fica meio que abatido. Você não fica com 100% de atenção no trabalho, fica com aquele medo que alguma pessoa no ônibus ou na rodoviária está com o vírus. Meu emocional não está 100%, e acho que de ninguém está. Há os colegas que faleceram há pouco tempo, então é bem tenso trabalhar nesta área, que é praticamente linha de frente. Eu levo em torno de 170 a duzentos passageiros todos os dias. Então, você imagina.
R: Quer acrescentar alguma coisa?
J: Que o governo do Distrito Federal, o Ibaneis Rocha, pudesse olhar para nossa categoria de uma forma mais ampla, saber que durante toda a pandemia nós não paramos, não ficamos em casa, a frota inteira rodando, então pedimos humildemente que a categoria seja colocada como grupo prioritário. O Supremo Tribunal Federal decidiu que os estados e municípios podem criar normas próprias, então que aproveitasse isso. Mas nós vamos continuar brigando para ser vacinados, porque nossa categoria é muito exposta.
(Até o final desta edição, os trabalhadores e trabalhadoras do transporte público do DF não haviam conquistado ainda o direito de ser vacinados como grupo prioritário. Mas continuam pressionando).
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