Não. Sequestrar, torturar, assassinar e ocultar cadáveres não são comportamentos toleráveis. Agentes do Estado brasileiro assim o fizeram durante a ditadura. Deixar de processar judicialmente os responsáveis, garantindo-lhes impunidade, não é tolerável. A celebração oficial do golpe e do regime que organizou, custeou e orientou esses agentes do Estado é indevida, imoral, intolerável. Negar que esses comportamentos criminosos ocorreram sob ordem e execução de agentes do Estado, de forma sistemática, planejada e especialmente orientada contra determinados grupos, é opor-se a uma realidade efetivamente pautada em evidências (como restou comprovado de acordo com a Lei nº 12.528, de 2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade – CNV, e reiterado nas condenações do Estado brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos nos casos ‘Gomes Lund e outros/Guerrilha do Araguaia’ em 2010 e ‘Herzog e outros’ em 2018). A divulgação de versões historicamente falsas e ilusórias sobre o período ilude as novas gerações e naturaliza rupturas institucionais no presente. O Negacionismo é intolerável.
Não. Conduzir de forma irresponsável, anticientífica e incompetente o Poder Público no enfrentamento da presente pandemia — que, neste País, já ceifou 300 mil vidas, muitas das quais poderiam ter sido poupadas —não é tolerável. (Não é só uma gripezinha, não é mimimi). O desestímulo ao uso massivo de máscara e a medidas de distanciamento social, assim como o estímulo à aglomeração, expõem a população a alto risco de contágio da Covid-19, especialmente em face do colapso do sistema de saúde ora em curso. Negar validade a esses cuidados básicos é recusar uma realidade efetivamente pautada em evidências, em especial as de caráter científico.
(Em geral, as pessoas que adotam essa percepção edulcorada da presente tragédia sanitária são as mesmas que rejeitam a caracterização da ditadura como ditadura).
A opção por negar a realidade comprovada, com o fim de escapar de verdades desconfortáveis ou de induzir a percepções ilusórias, é intolerável. Foi no passado, é no presente. O Negacionismo é intolerável. Lembrar é resistir.
(Paulo Parucker, março/2021)
