Por Jean Keiji Uema*
Os primeiros quatro meses do governo Bolsonaro confirmam as piores previsões. Antes mesmo de tomar posse, após eleito, já produziu estragos consideráveis. Por uma questão puramente ideológica, sem considerar a saúde da população, reforçou os ataques e ameaças aos médicos cubanos do Programa Mais Médicos, o que obrigou Cuba a retirá-los do Brasil, o que gera desassistência médica para quem mais precisa e eram atendidos por um programa de reconhecimento internacional.
São quatro meses iniciais que prenunciam quatro anos assustadores de mandato que podem comprometer em décadas nosso país, que podem causar muitos retrocessos e prejuízos enormes para a população.
Incompetente, não consegue sequer tocar o gerenciamento básico do governo, com atraso, por exemplo, na compra centralizada de livros didáticos e medicamentos, mas preocupado em gravar os alunos cantando o hino nacional; que faz a economia piorar a cada dia, gerando mais e mais desempregados, sem um projeto de desenvolvimento; que paralisou a reforma agrária, a demarcação de terras indígenas e quilombolas; que suspendeu as políticas para as mulheres; que faz definhar um programa central pra saúde como o Farmácia Popular; que está acabando com o Pronaf, um programa que garante alimento pra população e renda pro agricultor; que paralisou o Minha Casa Minha Vida.
Um governo sem programa, sem projeto, sem perspectiva, a cara de seu presidente, um político subalterno, que por 28 anos (7 mandatos de deputado federal) manteve-se obscuro e irrelevante no Congresso, nunca participando de nada relevante; nunca tendo sido relator de um projeto importante; nunca tendo participado de uma comissão especial, e cujos discursos mais “significativos” em décadas foram o elogio da ditadura e das milícias…
Um governo inconstitucional e ilegal, que quando atua, age para tentar suprimir as conquistas do povo brasileiro que às duras penas e muito sangue, suor e luta foram inscritas na Constituição. O patamar civilizatório que alcançamos, ainda baixo, corre risco com as ações perpetradas e pretendidas por esse (des)governo. Um governo que incentiva a violência com o armamento desenfreado da população e a proposta de um pacote legislativo cuja tônica central é o aumento do encarceramento e uma proposta inominável que permite ao policial matar indiscriminadamente, sob o argumento da legítima defesa sob forte emoção ou medo.
Um governo que viola a democracia com a extinção indiscriminada e sem critério dos conselhos e órgãos semelhantes de participação da sociedade nas instâncias de governo; irresponsável e criminoso com a liberação em massa de agrotóxicos sem os devidos estudos técnicos, com sérias ameaças de envenenamento da população; que entrega nosso patrimônio e a nossa maior riqueza, o petróleo, com o desmantelamento da Petrobrás, da Eletrobrás, do Banco do Brasil e outras estatais.
Um governo que se submete desenvergonhadamente aos interesses norte-americanos pelas nossas riquezas, entrega a Base de Alcântara, esfacela o Mercosul, enfraquece os BRICS, a cooperação Sul-Sul, a relação com nossos irmãos sul-americanos.
E um governo muito mais inconstitucional e imoral quando pretende suprimir um dos pilares do nosso recente estado social, pós Constituição de 1988, ao propor a indecente retirada (a chamada desconstitucionalização) dos artigos que tratam da nossa seguridade social na parte previdenciária. Artigos que garantiram direitos básicos e dignidade para nossos idosos, com o Benefício de Prestação Continuada, e para nossos trabalhadores e trabalhadoras do campo que dedicaram suas vidas a produzir alimentos para nosso povo e que tiveram o direito mínimo da aposentadoria rural. E que pretende implantar o regime perverso da capitalização na previdência, em substituição ao regime de solidariedade contributiva, pelo qual as novas gerações financiam as anteriores, que já trabalharam. É a pura ideologia neoliberal a serviço do capital financeiro, únicos a ganharem, como demonstra a experiência desastrada do Chile.
Um governo imoral e indigno que, ao pretender comemorar o golpe de 1964 e distorcer a história, violenta a memória e a dignidade histórica do povo brasileiro que sofreu, foi torturado e morreu sob uma ditadura que deve ser relembrada sim, mas como uma tragédia e uma dívida. Uma simbolização da mentira institucional que é esse governo, que nega a calamidade ambiental, que transforma o nazismo em ideologia de “esquerda”, que prega a homofobia, o preconceito e a misoginia.
Quatro meses de incompetências, ilegalidades, imoralidades e indignidades que reforçam as mais graves perspectivas, prenunciam quatro anos de dificuldades que vão exigir o posicionamento e luta de todos os setores comprometidos com a defesa do Estado Democrático de Direito.
*Jean Keiji Uema. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP, Analista Judiciário do Supremo Tribunal Federal, atualmente cedido para o Senado Federal, onde atua como coordenador da assessoria legislativa da Bancada do Partido dos Trabalhadores.
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