*Por M. Ricardina S. Almeida, da Secretaria de Mulheres do PT/DF
Na década de 70 e início dos anos 80, a segunda onda do feminismo alcançou as mulheres brasileiras com sua revolucionária pauta sobre sexualidade, aborto, racismo, politização do pessoal, luta contra a devastação da natureza e por direitos iguais para mulheres e homens.
No DF, em salas meio escondidas, encontros nos fundos de alguma igreja ou de escola, atualizavam/fermentavam esse debate com as recentes novidades, trazidas por companheiras chegadas de “além-mar”. Eram tempos da ditadura mais cruel. Feminismos, utopias, resistências e fortes lutas pavimentavam o caminho que se abria.
Foi desse caldo de cultura que surgiram as mulheres que “iriam marcar presença na reunião de criação do PT, em 10 fevereiro de 1980” – destaca a ex-deputada Maria Laura, assinalando, no entanto, que “as fotos do evento não registraram a presença delas.” E continua: “Essas mulheres eram atuantes nos movimentos de apoio às greves dos metalúrgicos, associação de moradores, nos bairros e na periferia, em organização de base da Igreja, ou na luta contra a carestia, contra a ditadura, pela anistia.” Mas “suas
lutas eram invisibilizadas, numa cidade com governador indicado pelos ditadores, onde não se tinha o direito de votar.”
Nos passos iniciais da construção do PT, “muitas delas se tornam ativistas incansáveis no processo de filiação e de construção partidária, dividindo-se entre o trabalho doméstico, criação dos filhos, trabalho de militância e profissional – uma luta que nunca foi fácil e se traduziu na maioria das vezes em dupla e tripla jornada, como ocorre ainda hoje”, completa a Maria Laura. Tanto naquela época, como na recente, Vigília Lula Livre, ela lembra, “as companheiras – do PT e do MST – foram a base (do movimento) e
responsáveis pela gloriosa liberdade de Lula”. Por isso, “a luta das mulheres do campo merece destaque e muito orgulha a todas nós do PT”.
A presença atuante das mulheres, ao longo dos anos, tanto na construção partidária quanto no movimento social, fez e faz jus ao compromisso assumido pelo partido, em seu Manifesto de Fundação, de lutar contra todo tipo de opressão, discriminação e violência milenares, especialmente, as que afetam a vida dos 52% da população do mundo, nós, as mulheres: negras, brancas, indígenas, quilombolas, idosas, LBTs, do campo, da cidade e das florestas. É a partir da consciência, ainda incipiente, dessa condição cruel, desumana e antidemocrática, que esse tema entra no debate das instâncias partidárias e nas entidades e organizações da classe trabalhadora desde a criação do partido.
43 anos construindo o PT: no Parlamento, no Executivo, nas organizações de base e de classe
Alguns anos depois de sua criação, o PT dá início à caminhada rumo às eleições gerais de 1985. Com e nas vitórias alcançadas para as primeiras prefeituras, o PT dá o seu tom, inaugurando o promissor e democrático “modo petista de governar.” Nas políticas para as mulheres dos novos governos estaduais e municipais, gradualmente, vão se formando os Conselhos dos Direitos da Mulher, Coordenadorias e Secretarias Estaduais da Mulher.
No DF, Eleições para Senado e Câmara Federal ocorrem, a partir de 1986, com Arlete Sampaio concorrendo à vaga para o Senado. Para a CLDF, o pleito acontecerá em 1990. Nos dois processos aparecem algumas companheiras colocandose na disputa para deputada distrital e federal. Os nomes que se destacaram nessa caminhada foram: Arlete Sampaio, Maria Laura, Lucia Carvalho, Maninha (Maria José), Erika Kokay e Rejane Pitanga.
Com a vitória do PT ao governo do DF, em 1995, outras companheiras passam a ocupar o Executivo. Vários grupos, entidades e lideranças do movimento social somam-se a essa jornada, como é o caso da companheira Jacira Silva, militante do Movimento de Mulheres Negras.
Arlete se torna vice-governadora do DF, no primeiro governo do PT, de 1995 a 1998. Em 2002 é eleita a deputada mais votada para a CLDF. Em 2007 assume sucessivamente a Secretaria Executiva Adjunta e a Secretaria Executiva do Ministério de Desenvolvimento Social no governo Lula. Em 2018, toma posse em seu último mandato como deputada distrital, encerrando, por opção, a vida parlamentar e deixando um legado de comprometimento com a vida partidária e com a sociedade brasiliense. Continua na construção partidária, agora como vice-presidente do PTDF.
Lucia Carvalho, deputada distrital de 1991 a 2003, foi a primeira mulher a presidir uma Assembleia Legislativa no Brasil. Maria Laura, fundadora do PT e da CUT, é eleita como deputada federal para os mandatos iniciados em 1990 e 1994, respectivamente. Erika Kokay e Rejane Pitanga iniciam sua trajetória política em organizações de classe: CUT e Sindicato dos Bancários. Erika elege-se como deputada distrital, em 2002 e 2006. Chegará à Câmara Federal em 2011. Como deputada federal, se reelegerá por sucessivos mandatos, desempenhando um papel indispensável aos interesses das mulheres, das minorias e do PT-DF.
Rejane Pitanga, ex-presidenta da CUT DF e 1ª suplente para a CLDF, tornar-se deputada distrital, em substituição a Arlete que assume a SEDES -Secretaria de Desenvolvimento Social, no governo Agnelo. Ainda durante a vigência do referido governo, Arlete retornará à CLDF, e Rejane assumirá a Secretaria da Criança e do Adolescente, nos anos finais do governo do PT. Jacira Silva, companheira militante do movimento negro, atualmente, vem realizando com o Coletivo Baobá, importante trabalho de base centrado na mobilização e conscientização política de moradoras/es, do Setor de Chácaras Lúcio Costa.
É importante destacar que as diferentes conquistas: paridade, 30% de vagas, cotas para mulheres, negros, jovens vão sendo alcançadas em congressos e encontros que aconteceram ao longo desses 43 anos. No primeiro Governo Lula, em 2003, será criada a Secretaria Nacional de Mulheres com status de ministério. Nesse processo de acumulação de forças, teremos em 2010, a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher presidenta do Brasil. A vitória de Dilma foi emblemática para a luta de todas as mulheres
e para o PT. Mas, sua reeleição em 2014, que consagrava o sucesso dos governos petistas, incomodou muito a direita que, por meio de uma farsa jurídica-midiáticaparlamentar, deu um golpe na democracia e derrubou a nossa presidenta do comando do país, sem que ela tivesse cometido qualquer crime.
O percurso foi longo, mas “o balanço sobre a história das mulheres no PT é positivo. Avançamos muito, embora ainda tenhamos um longo caminho pela frente. Todas as conquistas alcançadas até aqui têm a marca das mulheres”, afirma Rejane Pitanga. Jacira, em nome de sua organização, deseja que PT, em seus 43 anos, “se inspire no exemplo do Baobá, árvore símbolo da longevidade,” e “tenha também uma vida muito longa, com conquistas duradouras para a sociedade em geral e para todas as mulheres, especialmente para as mulheres negras.
As mulheres petistas, ao longo dessa caminhada, sempre mantiveram um diálogo frutífero entre os movimentos sociais e os espaços institucionais, o que muito ajudou na concretização das políticas públicas de gênero. Rejane Pitanga declara que na eleição de Lula em 2022, “nós, as mulheres fizemos toda a diferença”. Esse resultado positivo revela-se, segundo Maria Laura e Arlete, em um dos primeiros atos de Lula como presidente eleito: “a indicação de onze mulheres como ministras, de duas como
presidentas do Banco do Brasil e da Caixa Econômica” e, recentemente, a designação da ex-presidenta Dilma Rousseff para a presidência do Banco dos BRICs. Na Câmara Federal, Erika destaca o aumento de 90% na bancada feminina do partido: “Somos hoje 18 deputadas do PT”. E com entusiasmo, afirma: “Fomos nós, mulheres, que tiramos a faixa presidencial do peito estufado do fascismo e a devolvemos para o projeto democrático-popular”.
Eleição do presidente Lula em 2022. Tempo de esperança e desafios. Como as mulheres continuarão a construção vitoriosa do PT, com o rosto da sua diversidade?
“A inspiração, para a continuidade dessa construção, vem de todas as mulheres que nos antecederam. A luta de Dandara, de Margarida Alves, Nise da Silveira, Lélia Gonzales, Marielle Franco nos norteia e nos faz ter mais certeza de que construímos o mais importante instrumento da nossa história para o enfrentamento das desigualdades, o Partido das Trabalhadoras e dos Trabalhadores,” enfatiza Erika Kokay. Para Jacira da Silva do Coletivo Baobá, construir o PT é continuar realizando “um projeto estratégico e
inclusivo, que atenda às especificidades das mulheres: negras, deficientes, LGBTQIA+, mulheres do campo e da cidade”.“Comemoramos todas as conquistas, mas queremos e podemos mais”, é a palavra de Maria Laura, estimulando a esperança e a necessidade de continuidade na luta. Os desafios impostos pelo tempo presente, impõem que pensemos estratégias de avançar na construção partidária, de forma a obter resultados positivos para o partido e para a sociedade, e nos quais as mulheres deixem sua marca e contribuição.
Espaços e experiências importantes como Secretarias da Mulher, cursos de formação, como o Projeto Elas por Elas, devem ser aperfeiçoados, fortalecidos e expandidos para que seja garantida a maior participação das mulheres nos espaços de poder, defende a vice-presidente do PT DF, Arlete Sampaio. Sensível a essa preocupação das mulheres, a Secretaria Nacional das Mulheres do PT realizou, em 28/3/23, um encontro com as parlamentares do PT e com a presença da presidenta do partido, Gleisi Hoffmann. Um dos assuntos em destaque foi a definição de estratégias para ampliar o número de
candidatas petistas nas eleições municipais de 2024.
No DF não haverá eleições, mas o envolvimento das mulheres do PT, nas eleições dos municípios da RIDE, tem sido fundamental para articulação, ampliação e fortalecimento das forças políticas locais. Essa ação muito contribuirá para acumulação de forças para em 2026, elegermos a Presidência da República e garantirmos uma renovação do Congresso Nacional, mais progressista e com o rosto das mulheres. É dessa forma, afirma Rejane que, mais uma vez, “as mulheres farão uma grande diferença no processo
de reconstrução do país. Muitas foram as conquistas alcançadas pelas mulheres, nesses 43 anos do partido. No entanto, alguns desafios persistem/resistem, como é, por exemplo, o caso da violência contra a mulher nas suas diferentes formas: física, emocional, patrimonial, institucional, e em sua forma mais abominável: o feminicídio.
Como destacou, em recente encontro, a Ministra das Mulheres Cida Gonçalves, a realidade é extremamente complexa e os fatos sociais são resultado da convergência de múltiplos fatores. Portanto, uma política pública que enfrente fenômenos complexos (característicos da realidade social), como o da
violência contra as mulheres, deve ser concebida a partir de uma articulação de várias políticas e atores, envolvidos com o problema a ser enfrentado, direta ou indiretamente. A realidade não é linear, a “Terra não é plana”. Os problemas com os quais nos deparamos, na construção partidária, compartilham a mesma complexidade do exemplo acima, o que deve nos servir de alerta ao construirmos as políticas públicas para superá-los.
Por isso, para dar continuidade à construção vitoriosa do PT, considerando a complexidade da realidade, como nos lembrou a Ministra Cida Gonçalves, precisaremos de formação política; organização; economia do cuidado no sentido mais amplo, amoroso e inclusivo; capacitação para otimização do uso responsável das redes sociais; campanhas permanentes na mídia que possam ajudar na superação das mentalidades e
valores patriarcais e machistas existentes; ocupação ativa de espaços nas instâncias partidárias e em organizações existentes na sociedade; capacitação para interação eficaz com grupos na comunidade, no atendimento de suas demandas, por meio de um diálogo pautado nos princípios, valores e compromissos assumidos pelo Partido e pelo governo Lula 3.
Como lembra a Secretária de Mulheres do PT DF, Andreza Xavier, “a diversidade das mulheres petistas e o papel central que elas têm na trajetória do PT, da esquerda e da política no DF, demonstram que, quando ocupamos espaços políticos, mudanças reais se tornam frequentes na sociedade. Ainda há muito o que alcançar, imensos desafios que se colocam à nossa frente, tendo sempre em vista a luta cotidiana pelo fim do patriarcado, do capitalismo e do racismo”.
Esta inconclusa reflexão sobre a contribuição das mulheres do PT-DF no processo de construção do partido, se insere nas atividades das 13 Semanas de Ativismo Partidário (de 8 de março a 5 de junho), que o Diretório Regional ora realiza. Aproveitando esta sinergia petista que essa ação pode promover entre os setoriais e seus territórios, convidamos o conjunto do partido a juntar-se a nós, para pensarmos propostas de sustentabilidade para o projeto político estratégico de construção do PT, com toda sua diversidade, e no qual, nós, mulheres, possamos deixar a nossa marca de forma efetiva, visível e transformadora. Neste momento do novo governo LULA 3, de horizontes um tanto imprecisos e politicamente delicados, nossa participação, mais uma vez, fará toda a diferença.
M. Ricardina S. Almeida é feminista e professora