Empobrecimento gera retrocesso na pirâmide social. Bolsonaro agrava o problema extinguindo política de valorização do salário mínimo e congelando tabela do IR
Um dos legados mais emblemáticos das gestões petistas – a ascensão social resultante de políticas públicas que melhoraram a vida de milhões de famílias – sofreu um retrocesso agudo nos últimos seis anos, fazendo a proporção de pessoas de classe média cair em 2021 ao menor patamar em mais de uma década. Se em 2011 a classe média (renda familiar de R$ 2.971,37 a R$ 7.202,57) correspondia a 54% da população, em 2020 o percentual regrediu para 51%, despencando para 47% no ano passado.
Os dados do Instituto Locomotiva revelam que a classe baixa sofreu o movimento oposto, e subiu de 38%, em 2010, para 43% em 2020, também alcançando os 47% em 2021. Apenas entre março de 2020 e março de 2021, 4,9 milhões de pessoas decaíram na pirâmide social, ingressando nas classes D e E.
“A classe C, que tinha melhorado de vida, vem sofrendo muito nos últimos anos. Primeiro com a recessão e depois na pandemia. Com o desemprego e a perda da renda, mas principalmente por perder conquistas que já tinham tido. Perder dói muito mais do que deixar de ganhar”, lembrou o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, ao Valor Econômico.
“Depois de um período de ascensão, graças ao crescimento da renda do trabalho e da redução da desigualdade, a classe C acumula muitas perdas. Quando volta para o setor público, em serviços que não usava mais, como escolas e hospitais, sente a diferença na qualidade”, reforça o coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (CPS/FGV), Marcelo Neri.
Neri coordenou os trabalhos do estudo Vozes da Classe Média, conhecido por revelar que 35 milhões de brasileiros haviam ascendido à classe média entre 2002 e 2012. Enquanto a classe média subira de 38% da população em 2002 para 53% em 2012, a classe baixa havia se reduzido para 27%, e a classe alta crescera até 20%.
Os responsáveis pelo relatório atribuíram o forte aumento da classe média ao ciclo de crescimento econômico do país, combinado com as políticas de redução da pobreza e da desigualdade nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os pesquisadores da FGV projetaram que, se fosse mantido aquele ritmo de redução da pobreza, a classe média alcançaria 57% da população brasileira em 2022. Em 2016, o ritmo foi interrompido pelo golpe.
Desmonte de política públicas gerou retrocessos
Até o afastamento da presidenta legítima Dilma Rousseff, em maio de 2016, as políticas dos governos petistas propiciaram estabilidade e oferta de emprego para os trabalhadores. De 2002 a 2015, o aumento real do salário mínimo (acima da inflação) foi de 76,54%. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e o maior acesso a crédito estimularam o consumo e ampliaram o acesso a educação, saúde e moradia, especialmente para segmentos historicamente marginalizados.
De cada 100 pessoas que ingressaram na classe C entre 2002 e 2012, 75 eram negras ou pardas. No Nordeste, a classe C cresceu de 22% para 42% do total da população. As políticas econômica e social dos governos Lula e Dilma contribuíram também para a redução das desigualdades entre o campo e a cidade. Na área rural, a classe C dobrou, passando de 21% da população para 42%.
Entre 2004 e 2013, o número de passageiros em voos domésticos triplicou. O total de passageiros pagantes em voos domésticos foi de 2,6 milhões à marca de 8,2 milhões. Agora, as pesquisas mostram que o brasileiro tem que se desfazer de bens materiais, do plano de saúde, recorrer a bicos e abrir um negócio para complementar a renda, enquanto se afunda em dívidas.
Em fevereiro de 2022, a parcela de famílias com dívidas, em atraso ou não, atingiu 77,5%, aponta pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O percentual das que relataram ter dívidas a vencer (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa) alcançou 76,6%. Há um ano, a proporção de endividados era 66,7%, ou 9,9 pontos abaixo do percentual atual.
O levantamento apontou ainda que o cartão de crédito continua se destacando como o principal meio de pagamento (84,2%.). Em seguida, aparecem os clientes que optaram pelo carnê (18,5%), pelo crédito pessoal (8,3%) e pelo cheque especial (7,4%).
“A classe média brasileira não consegue mais abastecer o carro nem pagar escola privada”, lamentou a ex-presidente Dilma Rousseff em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch. “O Brasil precisa se reindustrializar e voltar a gerar empregos de alta qualidade”, pregou Dilma, lembrando que o país chegou a oferecer mais de 100 mil empregos no setor de óleo e gás, antes da destruição promovida pela força tarefa da lava jato.
Desregulamentação e informalização fizeram renda cair à mínima histórica
No portal G1, um levantamento da LCA Consultores apontou que o Brasil encerrou 2021 com um total de 33,8 milhões de trabalhadores (36% do total de ocupados) com renda mensal de até um salário mínimo, o maior contingente já registrado na série histórica iniciada em 2012. Também é a maior fatia da população ocupada na divisão por faixas de renda. Em um ano, o salto foi de 12,2%, ou 4,4 milhões de pessoas a mais.
Os mais atingidos são os trabalhadores com baixa escolaridade e os informais. O estudo revela que 49% possuem até o fundamental completo, 40,4% têm o ensino completo ou incompleto e 10,2% chegaram ao ensino superior.
“É a necessidade de composição de renda. Como o mercado de trabalho formal não conseguia absorver todas as pessoas, muitas delas acabaram ingressando em ocupações informais, recebendo menos do que recebiam antes da pandemia”, afirma Bruno Imaizumi, autor do levantamento.
“A condição de trabalho é precária e muitas vezes as pessoas buscam fazer aquilo que é chamado de bico, trabalhar por conta própria na busca de conseguir algum tipo de remuneração. E isso tem a ver tanto com atividades de comércio de rua, como atividades de prestação de serviços, de manutenção”, acrescenta Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e professor do IPPUR/UFRJ.
“Grande parte dessa população que tem baixos rendimentos são pessoas que trabalham principalmente naquele tipo de trabalho que é considerado informal. Trabalhos sem nenhum tipo de proteção social, com relações precárias, mas são trabalhos que elas conseguem se arriscar para poder garantir algum tipo de remuneração”, finaliza.
Inflação de dois dígitos corrói a renda e faz crescer insegurança alimentar
A derrocada econômica produzida por Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, com inflação de dois dígitos persistente e perspectiva de baixo crescimento da economia, trava a recuperação do mercado de trabalho e elimina qualquer chance de recuperação das perdas da renda média. A massa de todos os rendimentos do trabalho foi estimada em R$ 234,1 bilhões pelo IBGE no trimestre encerrado em fevereiro – ainda R$ 20 bilhões abaixo do patamar pré-pandemia.
Ao mesmo tempo, o país registra um aumento de 28% no número de pessoas vivendo com insegurança alimentar moderada ou grave entre 2016 e 2020. Isso significa dizer que 12,1 milhões de brasileiras e brasileiros passaram a conviver com a fome no período que coincide com o fim das gestões do PT no governo federal.
Para completar a destruição, o desgoverno Bolsonaro, mais uma vez, não corrigiu a tabela do Imposto de Renda 2022. Conforme cálculos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, neste ano serão confiscados cerca de R$ 48 bilhões a mais de trabalhadores e aposentados.
“Hoje, com esse nível de renda, nós temos cerca de 8 milhões de isentos. Com a correção integral teríamos 23,750 milhões de pessoas que não pagariam o IR”, explica Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional. “Isso significa que temos mais de 15 milhões de contribuintes que estão pagando Imposto de Renda indevidamente, porque não foi feita a correção integral pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).”
“À medida que a tabela fica congelada mesmo que parcialmente, naturalmente, há aumento na tributação sobre a população”, prossegue Silva. “Só em relação ao que o Bolsonaro deixou de corrigir, significa que estão sendo retirados das famílias R$ 47,7 bilhões de maneira indevida. Se fosse feita a correção integral, seriam R$ 162,7 bilhões, que estariam no consumo das famílias.”
Levantamento do Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro (CRCRJ) indica ainda que a falta de correção na tabela do IR faz com que cada contribuinte com ganhos de até cinco salários mínimos sofra uma perda anual de mais de R$ 5 mil.
E parte do reajuste das aposentadorias e pensões pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também está sendo engolida pelo IR. Desde o início de fevereiro, aposentados e pensionistas começaram a receber a correção de 10,16%, equivalente à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 2021.
No entanto, com a correção do valor dos benefícios, muitos segurados foram empurrados para faixas mais altas de tributação do IR por conta da falta de atualização da tabela. Como sempre, Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes dão com uma mão e tiram com a outra.
Da Redação PT