MEC vira balcão político sob Bolsonaro; entenda crise e seus envolvidos

Ministério da Educação atravessa uma crise desde que veio à tona a existência de um balcão político para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), que concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.

Segundo prefeitos, o balcão era operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura e priorizava a liberação de valores para gestores próximos a eles e a prefeituras indicadas pelo centrão, bloco político que dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro desde que ele se viu ameaçado por uma série de pedidos de impeachment e recorreu a esse apoio em troca de cargos e repasses de verbas federais.

A prioridade aos indicados dos pastores foi confirmada pelo próprio ministro da Educação, Milton Ribeiro, em áudio revelado pela Folha.

Nele, Ribeiro diz que o próprio presidente solicitou o atendimento prioritário aos líderes religiosos. O caso entrou na mira da Procuradoria-Geral da República, que pediu ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito.

O ministro da Educação disse em entrevista nesta quarta (23) que recebeu uma denúncia anônima sobre a suposta atuação de pastores na liberação de verbas e acionou à CGU (Controladoria-Geral da União) ainda em agosto de 2021.

O QUE É O BALCÃO POLÍTICO NO MEC?

O balcão político no Ministério da Educação se caracteriza pela priorização de aliados do governo Bolsonaro e de prefeituras indicadas por dois pastores na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).

Os dois pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, não ocupam cargos no ministério, mas foram alçados pelo ministro Milton Ribeiro, segundo ele a pedido de Jair Bolsonaro, a intermediários privilegiados da liberação de verbas. A atuação dos pastores foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo na sexta (18).

Além disso, o governo Bolsonaro nomeou Marcelo Lopes da Ponte como presidente do FNDE, a pedido do centrão.

Nesse cenário, como mostrou a Folha, os dados oficiais da pasta mostram uma explosão de aprovações de obras, ausência de critérios técnicos, burla no sistema e priorização de pagamentos a aliados do presidente, em especial evangélicos e integrantes do centrão.

Prefeitos consultados pela Folha dizem que no FNDE a mensagem é clara: o pagamento efetivo dos recursos de obras e transferências só ocorre se houver indicação de políticos próximos ao governo.

Um desses prefeitos disse ao jornal O Estado de S. Paulo, e duas pessoas confirmaram à Folha, que houve pedido de 1 kg de ouro como propina por um dos pastores para a liberação de verba.

Para atender a todos os pedidos de políticos e dos pastores, o FNDE passou a fracionar empenhos (que reservam o dinheiro de obras) em pequenas quantias. Tanto as indicações dos pastores quanto as de políticos se valeram desse expediente.

Assim, disparou o valor total autorizado, que se relaciona à previsão do custo total dos projetos. Entre 2017 e 2019, a média de valores aprovados por ano era de R$ 82 milhões. Em 2020, saltou para R$ 229,4 milhões e, no ano passado, pulou para R$ 441 milhões.

Com esse volume de empenhos, na prática, há o risco de gerar uma montanha de projetos que nunca sairá do papel, sobretudo com uma realidade de cortes de orçamento da educação.

QUEM É QUEM NA CRISE DO MEC?

Milton Ribeiro: é o quarto ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro. É pastor da Igreja Presbiteriana, advogado e teólogo. Aos 64 anos, Ribeiro coleciona polêmicas na sua gestão e já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República pelo crime de homofobia por ter atrelado a homossexualidade em adolescentes à criação de famílias desajustadas. Em áudio obtido pela Folha, o ministro afirma que prioriza a liberação de verbas para as prefeituras indicadas por dois pastores.

Não é a primeira vez que Ribeiro aparece em suspeitas envolvendo evangélicos. Em maio de 2021, a Folha revelou que o ministro atuou a favor de um centro universitário privado suspeito de fraude no Enade (avaliação do ensino superior). A Unifil, de Londrina (PR), é presbiteriana, assim como o ministro. Ribeiro protelou o envio do caso à Polícia Federal.

Pastor Gilmar Santos: É presidente da Convenção Nacional das Igrejas e ministro das Assembleias de Deus no Brasil e apontado por prefeitos como o responsável por intermediar junto ao MEC o repasse de verbas do FNDE para prefeituras. Ele é citado pelo ministro Milton Ribeiro no áudio obtido pela Folha como quem teria prioridade na liberação de verbas. A prioridade, disse Ribeiro, teria sido um pedido de Jair Bolsonaro.

Pastor Arilton Moura: É assessor político da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil e já ocupou diversos cargos políticos, entre eles, o de secretário no governo do Pará. Ele é apontado pelo prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), como quem solicitou o pagamento de propina em ouro e dinheiro para atuar na liberação de verbas do FNDE.

Ele participou da reunião em que o ministro Milton Ribeiro afirma que prioriza indicados pelos pastores na liberação de verbas. Assim como Santos, ele participou de várias reuniões no MEC e aparece em dezenas de fotos com Ribeiro e com o presidente Jair Bolsonaro.

Jair Bolsonaro: O ministro da Educação afirma em áudio obtido pela Folha que foi o presidente Jair Bolsonaro quem solicitou que fosse dada prioridade à liberação de verbas intermediadas pelos dois pastores. Bolsonaro, inclusive, já se reuniu com os pastores e aparece em fotos e agendas ao lado deles.

Dirigentes do FNDE e prefeitos: O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação é comandado atualmente por Marcelo Lopes da Ponte, indicado pelo centrão. Ponte é ex-chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

Os prefeitos, segundo relatos, conseguiam dar agilidade na liberação de verbas por meio dos pastores e de indicação política. Um deles disse ter sido procurado pelo pastor Arilton Moura com a proposta de liberação de verba tendo como contrapartida o pagamento de 1 kg de ouro.

COMO SE DÁ A ATUAÇÃO DOS PASTORES NA PASTA?

Folha coletou relatos de que os dois pastores têm proximidade com Jair Bolsonaro desde o primeiro ano do governo. Segundo relatos de gestores e assessores feitos sob anonimato, os pastores negociam pedidos para liberação de recursos a prefeituras em hotéis e restaurantes de Brasília.

Após o primeiro contato, o ministro Milton Ribeiro é acionado e determina ao FNDE a oficialização do empenho dos valores a serem liberados. O empenho é o primeiro passo da execução orçamentária e serve para reservar o recurso para determinada ação.

Folha apurou que políticos chegaram a ser recebidos na residência do próprio ministro, fora da agenda oficial, após reuniões no hotel Grand Bittar, na capital federal, com os dois pastores.

Outro modelo de atuação dos pastores é em eventos pelo interior do país, em especial, em estados da região norte. Ambos acompanharam o ministro e o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em viagens a municípios com a participação de prefeitos interessados em verbas federais.

Em maio passado, por exemplo, estiveram em Centro Novo (MA), município de 22 mil habitantes. Ambos integraram oficialmente a mesa da solenidade e tiveram falas, como se fossem integrantes do governo.

O QUE EXISTE DE PROVA SOBRE A ATUAÇÃO DOS PASTORES?

A atuação dos pastores no Ministério da Educação é confirmada por dezenas de fotos, vídeos e outros tipos de registros de agendas do ministro Milton Ribeiro e do próprio presidente Jair Bolsonaro.

Eles são figuras constantes nos eventos no MEC. A confirmação de que eles atuam na liberação de verbas do FNDE aparece também no áudio revelado pela Folha em que Ribeiro afirma que o governo federal prioriza prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados pelos pastores.

“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o ministro no áudio.

“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, completou Ribeiro.

A atuação dos dois pastores também é ratificada por prefeitos que buscaram o MEC para conseguir a liberação de verbas do FNDE.

Um desses prefeitos, Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, afirma que Arilton Moura pediu 1 kg de ouro para conseguir liberar verbas. Segundo o gestor, o pedido foi feito em um restaurante de Brasília na presença de outros políticos.

A declaração do prefeito foi dada ao jornal O Estado de S. Paulo, e a Folha confirmou com outras duas pessoas presentes no local onde o pedido de propina foi feito.https://player.mais.uol.com.br/?mediaId=17036058

A ATUAÇÃO DOS PASTORES É ILEGAL?

Os dois pastores não ocupam cargos no governo federal e, portanto, não poderiam participar de qualquer ato sobre liberação de recursos públicos.

O QUE É O FNDE E QUAIS OS VALORES ENVOLVIDOS?

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação é uma autarquia federal responsável pela execução de políticas educacionais do Ministério da Educação. O órgão é cobiçado por grupos políticos que apoiam o governo federal e, atualmente, tem como presidente Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira e indicado pelo centrão.

O orçamento geral do FNDE para 2022, incluindo repasses obrigatórios, é de R$ 41,2 bilhões. Desse total, R$ 1 bilhão é reservado para custeio de obras e veículos escolares, é na liberação desses valores que os pastores e o centrão atuam.

O QUE DIZEM OS ENVOLVIDOS NA CRISE DO MEC?

Após a divulgação do áudio, Milton Ribeiro negou em nota ter determinado dar prioridade na liberação de verba a qualquer município. Sobre o trecho em que diz que o pedido para priorizar os indicados dos pastores, o ministro afirmou que o presidente somente solicitou que todos os indicados por eles fossem atendidos.

“Da mesma forma, recebo pleitos intermediados por parlamentares, governadores, prefeitos, universidades, associações públicas e privadas. Todos os pedidos são encaminhados para avaliação das respectivas áreas técnicas, de acordo com legislação e baseada nos princípios da legalidade e impessoalidade”, dizia a nota.

Os dois pastores negam qualquer irregularidade em suas atuações. O presidente Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre as suspeitas no MEC.

O ministro da Educação disse em entrevista nesta quarta (23) que recebeu uma denúncia anônima sobre a suposta atuação de pastores na liberação de verbas e acionou à CGU (Controladoria-Geral da União) ainda em agosto de 2021.

QUAL É A IMPORTÂNCIA DO SEGMENTO EVANGÉLICO PARA BOLSONARO?

Os evangélicos integram e são um dos principais pilares da base eleitoral de Jair Bolsonaro. Em um ato em 8 de março, Bolsonaro chegou a afirmar que dirige o Brasil para onde os pastores desejarem.

O presidente tem tentado atrair os religiosos desde que o ex-presidente Lula (PT) se colocou como adversário na eleição presidencial de outubro.

O último Datafolha, de dezembro de 2021, mostrou que para 43% dos evangélicos, o petista foi o melhor presidente que o Brasil já teve. O número é mais que o dobro do montante (19%) que prefere Jair Bolsonaro (PL).

Desde então, Bolsonaro tem participado de eventos e se reunido com lideranças evangélicas para selar acordo de apoio para a disputa eleitoral.

CRONOLOGIA:

18.out.19
Presidente Jair Bolsonaro (PL) recebe pastor Gilmar Santos e Arilton Moura em solenidade no Palácio do Planalto

1.jun.20
Bolsonaro nomeia Marcelo Lopes da Ponte como presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Ponte era chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), liderança do centrão e atual ministro da Casa Civil

10.jul.20
É nomeado o pastor Milton Ribeiro como ministro da Educação. Ele é o terceiro a ocupar a pasta no governo, depois de Ricardo Vélez e Abraham Weintraub

10.set.20
Pastor Arilton Moura é recebido pelo ministro em seu gabinete

23.dez.20
Milton Ribeiro recebe em seu gabinete os pastores Arilton e Gilmar acompanhados de gestores municipais. É o primeiro registro oficial do ministro com os religiosos e políticos

13.jan.21
Dezenas de prefeitos são recebidos no MEC pelo ministro e pelos pastores

10.fev.21
Bolsonaro participa de evento no MEC ao lado do ministro Milton Ribeiro e dos pastores. Encontro reuniu 23 prefeitos

15.abr.21
Encontro com prefeitos no MEC tem mais uma vez Gilmar e Arilton em posição de destaque na solenidade. Pastores convocam almoço no restaurante Tia Zélia, quando teria ocorrido pedido de propina em ouro para prefeito

15.mai.21
Ministro e presidente do FNDE vão a Centro Novo (MA) em encontro para atender prefeitos organizado pelos próprios pastores Gilmar e Arilton

24. nov.21
Ribeiro recebe pastor Arilton para falar sobre educação profissional com o prefeito de Buritis (MG)

29.nov.21
Pastor Arilton é recebido pelo ministro ao lado do prefeito de Dracena (SP) para falar sobre o tema de escolas cívico-militar

29.dez.21
Reunião de “alinhamento político” com políticos de Goiás e políticos de Goiás

5.jan.22
Milton Ribeiro recebe o prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), em sua própria residência. O encontro foi intermediado pelos pastores e, no mesmo dia, o gestor esteve com os pastores em um hotel Brasília

11.mar.22
Ministro e pastores ainda estiveram juntos em viagem a São Luís (MA) para evento oficial “de atendimento do Ministério da Educação e do FNDE a Municípios do Estado do Maranhão”

18.mar.22
A atuação e influência dos pastores vem à tona em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo

21.mar.22
Folha revela áudio em que o ministro revela pedido de Bolsonaro para priorizar amigos do pastor Gilmar e fala em apoios, supostamente direcionados para construção de igrejas

23.mar.22
A Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal para investigar Milton Ribeiro.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/03/mec-vira-balcao-politico-sob-bolsonaro-entenda-crise-e-seus-envolvidos.shtml

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