A deputada federal Erika Kokay (PT-DF) voltou a defender a reforma psiquiátrica, nesta quarta-feira (24), quando a Câmara Federal concluiu a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP 134/19), que reformula regras para a certificação de entidades beneficentes. Os parlamentares avaliaram alterações feitas no Senado e aprovaram emenda dos senadores que inclui as comunidades terapêuticas entre as entidades que contarão com imunidade tributária de contribuições à seguridade social. O projeto será enviado à sanção presidencial.
Erika Kokay criticou a inclusão das comunidades terapêuticas no benefício tributário e lembrou que o Brasil tem uma história de holocaustos. Kokay defendeu o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial e o cuidado em liberdade. “Reafirmo a defesa do cuidar em liberdade — penso eu que não se cuida se não for em liberdade, a liberdade é terapêutica, como também é terapêutica a condição de sermos protagonistas das nossas próprias vidas, tudo isso é terapêutico —, construiu uma reforma psiquiátrica. Desde 2001, essa é a legislação que há neste País. Ela foi embalada pelos exemplos que vieram de várias partes do mundo, das psicoterapias do oprimido, para que nós pudéssemos libertar o Brasil da realidade das condições que ferem a dignidade nos manicômios. Para tanto, foram criados os serviços substitutivos à rede de atenção psicossocial. Os CAPS, as residências terapêuticas, os centros de convivência, são tantos instrumentos que foram criados e que servem como serviços substitutivos para que nós possamos definitivamente romper com a história, reconhecendo os nossos holocaustos, e possibilitar o cuidado em liberdade e o cuidar na própria comunidade, com as relações familiares”, afirmou.
“Quando nós estamos aqui, discutindo a retirada de recursos públicos – porque a imunidade tributária significa retirar recursos públicos e recursos para a seguridade social – nós estamos retirando recursos que deveriam ser destinados ao fortalecimento da rede de atenção para os serviços sociais, para que nós possamos ter mais CAPS, mais serviços substitutivos. Por isso, ainda que nós aprovemos uma emenda do Senado que pontua a necessidade de estabelecermos a negação de todas as discriminações, nós não podemos permitir que recursos públicos que têm que ir para o serviço substitutivo, que o Brasil conquistou com muita dor, possam ser destinados a comunidades terapêuticas. É a rede de serviços substitutivos que nós temos que fortalecer. Por isso, particularmente, acho que é preciso fortalecer a RAPS, fortalecer os CAPS, fortalecer os hospitais gerais para atender pacientes”, completou.
A parlamentar ponderou que possa haver comunidades terapêuticas que não atentem contra a dignidade humana e que façam um atendimento de respeito. “Não estamos duvidando de que haja comunidades terapêuticas que atuem dessa forma, mas não podemos negar o que está apontado em várias diligências e em vários relatórios”, lembrou.
“Temos aqui um relatório de 2017 que traz que, em uma inspeção nacional realizada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e Conselho Federal de Psicologia, apontou-se que os jovens sofriam violações de direitos, como a realização de trabalhos forçados, contenção física, castigos, discriminação, intolerância religiosa e uma série de ataques à dignidade humana. Portanto, ao se buscar defender as comunidades que podem estar tendo um atendimento digno, não se pode levar de rodo uma série de irregularidades já atestadas em várias comunidades terapêuticas”, criticou.
“Há alguns que argumentam: “Não, mas o Estado não tem como atender a todo mundo.” E terá menos condições de atender se abrir mão dos recursos públicos que vêm através dos impostos de seguridade social, para que possa financiar entidades. Inclusive algumas delas têm convênio. Nós não estamos falando aqui dos convênios. Há vários Estados que fazem convênios na área de seguridade social, na área de assistência, com as comunidades terapêuticas. Não estamos falando sobre isso. Estamos falando da imunidade tributária para impostos que são relacionados à seguridade social, que nós achamos que são imprescindíveis para o Estado, para que ele possa fortalecer uma rede que está precarizada”, ressaltou.
“Nós não podemos abandonar os serviços substitutivos, os CAPSs, as residências terapêuticas, o atendimento em hospital geral das pessoas com transtorno mental ou uso abusivo de álcool e drogas. Não podemos retroceder no que nós conquistamos neste País. Se nós retirarmos dinheiro público para o Estado financiar os órgãos e os instrumentos do Estado, mais precariedade teremos. Algumas comunidades, em verdade, até podem atender adequadamente, mas há inúmeros exemplos de comunidades terapêuticas que violam a dignidade humana. Por isso, nós ficamos com o recurso público para os serviços públicos”, concluiu.