Mesmo preso por 580 dias, Lula nunca esteve só. À medida que o tempo passava, as pessoas foram compreendendo o que estava por trás dos acontecimentos. O movimento progressista foi se apropriando dos fatos, fazendo com que partidos políticos, sindicatos, associações, núcleos e coletivos se aglutinassem cada vez mais. O Núcleo em Defesa da Democracia Margarida Alves (NDD), criado por militantes do Partido dos Trabalhadores do DF, apelidados de inoxidáveis, continuava seu trabalho na Praça dos Três Poderes. Já havia assumido o caráter suprapartidário para o qual fora criado. O apoio das ruas começava a voltar aos poucos com a substituição dos xingamentos por gritos de apoio e aplausos por quem passava nos ônibus lotados, nos carros ou caminhando em frente à praça. A realização dos atos semanais foi fundamental para isso, em consonância com os fatos políticos e os demais movimentos em cada estado.
Num banco de alvenaria da Praça dos Três Poderes, os integrantes do NDD discutiam e decidiam sobre as ações a serem realizadas na semana seguinte. De uma forma simples e participativa, foram aprovadas as caravanas a Curitiba e a São Bernardo, a realização de Lulaços nos shoppings da cidade, a manifestação no Ministério da Justiça, a lavagem da entrada do STF e a organização dos grandes atos na Praça, quando o Supremo pautava julgamentos importantes. Havia uma equipe encarregada de demarcar o espaço, produzir e posicionar as faixas, elaborar os cartazes que seriam utilizados.
O Lulaços, por exemplo, ocorreram em dois shoppings de Brasília, no mês de setembro de 2018. O militante petista, Fabiano Leitão (trompetista), já participava dos atos semanais na Praça dos Três Poderes, onde no encerramento ocorria o “Boa Noite, Presidente Lula!”. Com o seu trompete, já conhecido pelas ações de invasão das transmissões televisivas, tocava o bordão “olê, olê, olê, olá, Lulaaaa, Lulaaaa!” todas as quartas-feiras, às 20 h. Decidiu-se então realizar performances por meio dos Lulaços. A convocação dos participantes era feita pelo “boca a boca”. No horário do almoço, na praça de alimentação do shopping escolhido, todos aguardavam. Quando Fabiano começava a tocar o trompete, um grande coral se erguia de mesas espalhadas na praça de alimentação, entoando o bordão em favor de Lula. Os atos-relâmpago surpreendiam os presentes e a direção dos estabelecimentos. E tinham grande repercussão.
Outro ato que surtiu efeito, inclusive com repercussão na mídia internacional, ocorreu em frente ao Ministério da Justiça, logo após o início da divulgação da VazaJato pelo portal The Intercept, dia nove de junho de 2019. O NDD Margarida Alves e o Núcleo de Base Marisa Letícia do Congresso Nacional organizaram o evento para a hora do almoço. Levaram faixas e cartazes contendo as novas revelações sobre a atuação do então juiz Sérgio Moro, que ocupava o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro, que ajudara a eleger.
O que muita gente não sabe é que havia uma disputa por espaço quando o STF pautava julgamentos relacionados à defesa de Lula. Nesses momentos, o NDD Margarida Alves se preparava com antecedência. Apesar de a sessão do Supremo ter início às 14h, a equipe da organização chegava três horas mais cedo (os mais preocupados, pisavam o chão da praça nas primeiras horas da manhã) para que tivesse a chance de ocupar o melhor espaço à frente do Tribunal. Em seguida, chegavam os opositores, apelidados de bolsomínions, coxinhas etc. A convivência não era pacífica. Eles xingavam, diziam coisas sem sentido, roubavam faixas que, depois, eram resgatadas por militantes petistas. Sobre esses embates entre opositores e também com a polícia do DF, escreveremos na matéria seguinte.
O dia sete de novembro de 2019 foi especialmente marcante. O STF realizou novo julgamento sobre a prisão em segunda instância, revendo sua posição anterior que serviu para a prisão de Lula. Por 6 a 5, decidiu que a prisão de réus somente poderia ocorrer ao final do processo – o que no jargão do direito significa “após o trânsito em julgado da ação”. O tribunal sinalizava seu retorno ao marco constitucional – do qual se desviara na esteira da operação Lava-Jato e das ações que levaram ao Golpe de 2016. A decisão significava a libertação de Lula, ocorrida no dia seguinte, em Curitiba.
A Praça dos Três Poderes estava lotada de pessoas: ativistas, famílias, jovens e adultos ansiosos. A organização havia disponibilizado microfone e caixa de som para que artistas cantassem, poetas declamassem e ativistas falassem. Entre discursos, músicas e poesias, os indígenas dançavam suas tradições, que também são nossas pelo desejo de preservá-las. Sem parar um minuto, os participantes levantavam as bandeiras, esticavam as faixas, faziam transmissões para as redes sociais. E interagiam com quem passava no transporte público ou em seus automóveis.
Quando saiu a decisão, a emoção contagiou a todos e todas. Foi dia de festa! Finalmente estava sendo feita justiça! A alegria tomou conta. Havia lágrimas de sorrisos e fogos de artifício no céu de Brasília. O trompete soou três vezes por Lula Livre acompanhado pelas vozes populares presentes na praça. Quando os telejornais deram a notícia, que significaria a liberdade de Lula, gritos de Lula Livre foram ouvidos em milhares de pontos pelo país. Uma espécie de alívio, de renovação e de esperança tomou conta da audiência que conhece Lula e sua história de vida.
Fabiano Leitão (trompetista) fala de sua emoção. “Eu lembro quando saiu a decisão do Supremo. Todo mundo na praça estava chorando, se abraçando, porque foi uma luta de muitas mãos, de muitas pessoas, de muito tempo”, disse. Para Nazaré Brito, secretária de Finanças do PT-DF, “a decisão renovou a esperança de a gente conseguir colocar a democracia nos trilhos”.
Lula foi solto no dia oito de novembro de 2019 e falou para milhares de apoiadores de diversos partidos políticos no dia seguinte, num grande ato no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, transmitido pelas redes sociais. O mesmo lugar de onde foi levado, no dia sete de abril de 2018, para a prisão em Curitiba. Os integrantes do NDD Margarida Alves participaram do evento. Nove ônibus partiram do DF, uma caravana organizada pelo Núcleo de Base Marisa Letícia e pelo NDD, além do PCO.
A recepção a Lula foi um momento marcante. Segundo o coordenador do NDD, Raimundo Nonato, “foi a consagração de nossa luta. Nós sobrevivemos e resistimos a todos os temporais, por cima de pau e pedra, às agressões violentas dos bolsomínions, assim como à truculência dos agentes da polícia. E agora temos Lula Livre!”, diz
A luta continuou na Praça dos Três Poderes em busca de novas decisões do Supremo em relação aos recursos de Lula e aos processos em andamento. No dia oito de março de 2021, de uma forma inesperada, o ministro do STF, Edson Fachin, reconheceu a ilegalidade do foro de Curitiba para julgar os processos de Lula e anulou todas as sentenças. No dia 23 de março, a Segunda Turma do Supremo reconheceu a suspeição do ex-juiz em relação ao processo do triplex. No dia 15 de abril o Plenário do Supremo confirma decisão de Fachin e, no dia 22 de abril, maioria decide pela suspeição do juiz Moro, anulando todo e qualquer ato realizado por ele em relação ao processo do tríplex. Depois, essa decisão foi estendida aos demais processos pelo ministro Gilmar Mendes. Lula estava totalmente livre! O STF reconheceu o vício de origem, denunciado pela defesa, desde o início.
José Wilson, presidente do PT de Brasília, disse que “quando Lula foi solto e teve anuladas as sentenças contra ele, foi momento de euforia, de coroação de uma luta que parecia não ter fim”. Para Benoni Covatti, militante que ocupou diversos cargos no Executivo e no Legislativo, “os inoxidáveis têm essa clareza de que a luta é eterna. Lutar pela democracia é convencer pessoas. Tivemos derrotas, mas não é para sempre”. Lula voltou ao cenário político e aparece em todas as pesquisas de opinião como um candidato competitivo, liderando a disputa ao Palácio do Planalto, nas eleições presidenciais de 2022.
Na próxima matéria, você lerá sobre os embates dos inoxidáveis com os bolsomínions e a Polícia Militar do DF.#