A Alemanha está considerando reimpor restrições à vida pública por causa do número recorde de contagiados com o coronavírus registrado nos últimos dias. A quarta onda da pandemia atinge fortemente o país, que começa a notar sobrecarga nas unidades de terapia intensiva e o aumento gradual do número de óbitos. A Alemanha ainda tem mais de 16 milhões de pessoas com mais de 12 anos não vacinadas. A administração da terceira dose de reforço para os mais vulneráveis está progredindo muito lentamente no país. “A pandemia dos não vacinados”, nas palavras do ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, levou ao número máximo de infecções diárias desde o início da crise: 33.949. O recorde anterior tinha sido registrado em dezembro passado, em plena terceira onda e quando o país fechou o setor de hotéis e restaurantes e o comércio não essencial.
Os ministros da saúde dos 16 Estados federais se reúnem nesta quinta-feira em Lindau (Baviera) para analisar a situação e avaliar se é necessário impor novamente as restrições. Alguns territórios já estão tomando medidas, como a reintrodução temporária de máscaras nas escolas. Foi o que fez a Baviera, o que mais uma vez obriga os alunos a cobrirem a boca e o nariz, por ora, durante uma semana na escola primária e duas semanas na escola secundária. A chanceler (primeira-ministra) Angela Merkel é a favor da imposição de obstáculos para a vida social dos não vacinados. Por meio de seu porta-voz destacou que, caso a situação nos hospitais se agrave, será imposta a chamada regra 2G, que implica que somente pessoas que apresentem certificado de vacinação ou tenham se recuperado da doença poderão ter acesso ao interior de estabelecimentos de hotelaria e alimentação e também ao comércio. “A situação é muito ruim em alguns hospitais”, disse o porta-voz da chanceler nesta quarta-feira.
Com um percentual de 66,9% de cidadãos com o esquema vacinal completo (no Brasil é 54,79%), a Alemanha ainda tem 3,2 milhões de pessoas com mais de 60 anos sem vacinação que estão especialmente em risco, alertou na quarta-feira Lothar Wieler, presidente do Instituto Robert Koch (RKI, na sigla em alemão), órgão responsável pelo monitoramento de doenças infecciosas. “Se não agirmos agora, essa quarta onda vai trazer muito sofrimento de novo. Muitas pessoas ficarão gravemente doentes e morrerão, e o sistema de saúde mais uma vez enfrentará uma carga pesada”, afirmou em entrevista coletiva em Berlim. Wieler falou das “cifras assustadoras” de mortes que o país está registrando. Nesta quinta-feira, o RKI informou 165 mortes, número que vem aumentando nos últimos dias.
A situação nos hospitais piora a cada dia que passa e, embora não haja nem a metade dos leitos de UTI ocupados durante a segunda leva, os médicos já acionaram o alarme. De acordo com o banco de dados DIVI, criado em abril de 2020 para monitorar a situação nas unidades de terapia intensiva de 1.300 hospitais alemães, vários Estados federais têm menos de 10% de leitos livres. Além disso, a associação dos chefes de pediatria alertou nesta terça-feira que temem o “colapso” de suas unidades em razão do aumento exponencial de casos de vírus respiratório sincicial em crianças, que se soma aos casos de covid-19. Os médicos explicaram que o fechamento de creches e escolas no inverno passado fez com que “o sistema imunológico das crianças não ficasse bem treinado” e elas estejam se infectando em massa, disse Andreas Trotter, presidente da associação VLKKD. Diversas notícias dos últimos dias informam que há hospitais que não podem aceitar novas internações e estão encaminhando crianças para outras unidades.
A quarta onda está se comportando exatamente como os especialistas temiam: com pouca população vacinada e o relaxamento das medidas de proteção, as infecções disparam. A incidência acumulada é de 154,5 casos para cada 100.000 habitantes, mas na Alemanha é calculada em sete dias, então traduzido para os padrões espanhóis (incidência em 14 dias), por exemplo, estaria em torno de 300. Na Espanha não chegam a 50.
“A vacinação caminha com muita lentidão. Precisamos de mais agilidade para evitar surtos desnecessários”, lamenta Hajo Zeeb, epidemiologista do Instituto Leibniz de Pesquisa Preventiva e Epidemiologia, que vê duas opções para melhorar o percentual de imunizados: vacinação obrigatória para determinados grupos profissionais e intensificar esforços para aproximar a imunização de todos, utilizando “equipes móveis e proporcionando fácil acesso, principalmente para a população mais jovem, entre 12 e 17 anos”.
Preocupação nas empresas
A prioridade das autoridades é proteger os mais vulneráveis, mas a terceira dose de reforço, oferecida a maiores de 60 anos e grupos de risco vacinados há mais de seis meses, avança lentamente. O ministro da Saúde criticou os governadores dos Estados, sem citar especificamente nenhum, por não se apressarem em terminar de imunizar essa população. Spahn também sugeriu que reabram os centros de vacinação fechados depois do verão. O epidemiologista Zeeb acha que seria uma boa ideia porque os consultórios dos médicos de família, onde atualmente a vacina é majoritariamente aplicada, não têm capacidade suficiente. Estima-se que as doses de reforço devam alcançar entre 20 milhões e 30 milhões de pessoas, pois também são indicadas para determinadas profissões com contato com idosos e para doentes crônicos.
A Alemanha, que ao contrário da França, entre outros países, evitou tornar a vacinação obrigatória, agora está considerando que pelo menos os cuidadores de idosos têm que ser imunizados para poderem trabalhar em casas de repouso. A oferta da dose de reforço para a população em geral também está sendo avaliada, informou na terça-feira Thomas Mertens, diretor da Comissão Permanente de Vacinação (Stiko, na sigla em alemão). A preocupação com essa parcela de 16,2 milhões de alemães com mais de 12 anos que não se vacinam porque não querem também chegou às empresas. O presidente da associação patronal alemã (BDA), Rainer Dulger, reivindicou esta semana uma norma para que os empregadores possam saber se os seus funcionários estão vacinados ou não. Atualmente, apenas os funcionários de creches, escolas e residências de idosos são obrigados a informar seu empregador sobre sua imunização e somente se forem consultados. As leis de proteção de dados na Alemanha impedem, exceto em casos muito específicos, a requisição de informações desse tipo. Dulger exortou o Governo a criar “uma base jurídica confiável” e lembrou que os médicos das empresas poderiam contribuir para a administração das doses de reforço se forem aprovadas para a população em geral.