Na sexta-feira, a Polícia Federal emitiu um comunicado a respeito das investigações de CartaCapital sobre o inquérito que busca imputar ao ex-petista Antonio Palocci a responsabilidade pelos hacks que deram origem à Vaza Jato.
A matéria de capa desta revista, publicada no dia 8 de setembro, revelou documentos sigilosos que expõe o esforço de 18 meses para forjar um envolvimento de Palocci e do PT com os crimes investigados na Operação Spoofing, no qual investigadores mantém o inquérito aberto mesmo depois de concluir que essa teoria não encontra sustentação nos fatos. A Polícia Federal sustenta que não houve nada de inapropriado na forma com que a investigação foi conduzida, mas não disputa nenhum dos fatos narrados no artigo.
Em um comunicado enviado a CartaCapital, a PF afirma que encerrará a investigação: “a investigação está em fase final, próxima da elaboração de relatório conclusivo.” Acrescentam ainda que “em resumo, o trabalho deve ser concluído mais de um ano antes das próximas eleições.” Como CartaCapital mostrou, não houve em momento algum qualquer base para o inquérito, que — tal qual o então juiz Sergio Moro fez com a delação de Palocci às vésperas das eleições de 2018 — poderia facilmente ser estrategicamente vazado antes das eleições de 2022 para manipular o público a crer que o PT estaria por trás dos hacks.
Além do compromisso de encerrar a investigação e elaborar o relatório conclusivo, a PF negou que o inquérito tenha permanecido em aberto por motivações politico-eleitorais: “A tentativa da reportagem de fazer conexão do andamento do inquérito com o calendário eleitoral não encontra amparo na realidade,” diz o comunicado. Entretanto, não foi oferecida nenhuma explicação para o fato desse inquérito desprovido de qualquer evidência ou fato concreto ter permanecido aberto por tanto tempo, nem foram explicados os motivos para a PF ter decidido finalmente encerrar o inquérito — somente depois de CartaCapital ter exposto sua natureza absurda e abusiva.
Como demonstrado pelo arquivo obtido por CartaCapital, a investigação, que já dura 18 meses, se baseia em dois indícios altamente dúbios: 1) uma delação, extraída de um acusado de 19 anos que foi ameaçado de prisão se não nomeasse um “mandante”, que não pode ser corroborada nem pelas entrevistas com os demais acusados nem pela própria investigação da PF, e 2) uma ligação extremamente tênue entre um homem nomeado há 20 anos por Palocci para um cargo público e Walter Delgatti, acusado pela PF de liderar os hacks.
A PF reconhece que o réu de 19 anos, Luiz Henrique Molição, identificou Palocci como mandante das invasões, mas nega tê-lo coagido. “A delação premiada de um dos investigados, que a matéria afirma ter ‘sido extraída de um jovem assustado’, partiu da defesa do investigado e não de qualquer movimento dos investigadores do caso”, afirma a PF. O comunicado não oferece, contudo, nenhuma resposta para a teoria da conspiração que tenta ligar Palocci a Delgatti através da ex-namorada do filho de um servidor nomeado pelo petista há 20 anos, nem nega que não havia nenhum outro indício que sugerisse o envolvimento dele no caso.
Ao negar ter agido com motivações políticas, a PF insistiu que “atua de forma técnica, com base em métodos legais e tem suas ações devidamente acompanhadas pelo Ministério Público, Justiça Federal e advogados de defesa.” Entretanto, não foi dada nenhuma explicação para como e porque a existência do inquérito foi vazada para outros veículos, como Veja e O Antagonista, tendo ambos os veículos publicado matérias repercutindo a suposta ligação entre Palocci e os hackers. Também não foi explicado porque o inquérito não foi fechado antes, quando já era claro que nem Palocci nem qualquer outra pessoa ligada ao PT havia sido o “mandante” das invasões.
A investigação de CartaCapital revelou que o delegado Luís Flávio Zampronha conduzia as investigações quando o inquérito foi instaurado. É importante esclarecer: a abertura do inquérito, em si, não foi abusiva — era o papel da PF descobrir se havia algum “mandante” para os hacks e se havia alguma verdade nas declarações de Molição. A conduta imprópria ocorreu depois que Zampronha deixou as investigações para assumir um outro cargo. Duas questões ainda precisam ser esclarecidas: porque os investigadores que assumiram o caso mantiveram o inquérito aberto mesmo depois da investigação determinar que não havia um mandante? E porque alguém com acesso ao inquérito sigiloso – seja na PF, no MPF ou no Judiciário – o vazou ilegalmente para veículos antipetistas?
Tal qual as reportagens originais da Vaza Jato, a polêmica em torno desse inquérito mostra porque whistleblowers, o sigilo de fonte e uma imprensa livre são tão importantes para a manutenção da democracia e para o combate à corrupção. Enquanto esse inquérito fosse mantido em sigilo por decisão do Juiz Ricardo Leite, várias formas de abuso eram possíveis, incluindo vazamentos com timing politicamente calibrado para manipular as eleições de 2022.
Agora que CartaCapital pode expor esses abusos, graças à corajosa fonte anônima que nos deu acesso ao arquivo, a PF foi forçada a fechar o inquérito e afirmar publicamente que não foram encontradas conexões entre as invasões e Palocci ou o PT.