Entrevista com Rubem Fonseca
Muita gente esqueceu, muita gente não viveu os sofrimentos e injustiças contra o povo brasileiro perpetrados por torturadores, militares, Esquadrões da Morte e empresários que financiaram aparelhos da repressão da ditadura militar.
Foram 500.000 cidadãos investigados; 200.000 detidos; 50.000 presos; 11.000 acusados em julgamentos viciados; 5.000 condenados; 10.000 torturados no DOI-CODi; 8.300 vítimas indígenas; 1.196 vítimas entre os camponeses;
10.000 brasileiros exilados 4.882 mandatos cassados; 1.148 funcionários públicos aposentados ou demitidos; 1.312 militares reformados compulsoriamente; 1.202 sindicatos sob intervenção do Estado e do Judiciário cúmplice e inconstitucional; 248 estudantes expulsos de universidades; 128 brasileiros e alguns estrangeiros banidos, parte sacerdotes católicos; 707 processos políticos instaurados pela Justiça militar em diversas Auditorias; 49 juízes expurgados, três deles do Supremo Tribunal Federal; 3 vezes em que o Congresso Nacional foi fechado pelos generais ditadores;Censura prévia a toda a imprensa brasileira; 434 mortos pela repressão; 144 desaparecidos.
Esse saldo impressionante da ditadura militar nunca saiu da memória de uma geração que reagiu, enfrentou, lutou e participou direta e ativamente da história. Nos últimos tempos, cada um e cada uma estava cuidando da vida, mas o governo fascista e genocida de Jair Bolsonaro e seus seguidores tiraram o tema dos porões. Foi ai que decidiram se reunir no grupo, que virou o movimento Geração 68. E o grupo foi à luta novamente.
O engenheiro Rubem Fonseca, 75 anos, um dos coordenadores do movimento Geração 68 em Brasilia nos conta um pouco as motivações que levaram o grupo a se reunir.
1- O que é a Geração 68?
R- Esta resposta mereceria um livro.
A Geração 68 foi forjada nas lutas do movimento estudantil, principalmente universitário, realizadas nos anos de 1966 e 1967 e que no ano de 1968 se tornou o maior movimento de massas contra a ditadura militar no Brasil.
Com 19 anos, em 1966, entrei no curso de engenharia da Universidade Federal de Goiás. Desde o início me juntei aos grupos de esquerda que combatiam a ditadura.
Nestes anos corações e mentes pulsavam aceleradamente no Brasil. A música de Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Gil, Vandré, João do Vale, Zé Keti, Sérgio Ricardo, Tom Jobim, Vinícius de Morais e tantos outros fustigavam a ditadura com canções de protesto, abordando questões sociais e políticas, demonstrando a profunda desigualdade no nosso país.
Com passeatas de protesto contra a ditadura, em todo o país e tendo seu ápice na passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro juntando estudantes, intelectuais e artistas. Mais as greves operárias que aconteceram em Osasco SP e Contagem MG. A ditadura, acuada, decreta o AI5, o ato mas duro, sombrio e cruel da história do Brasil. Acabaram as liberdades democráticas. Instala-se a censura à imprensa, a tortura e mortes nos presídios.
Neste tempo agitado me elegi vice-presidente da UEE- União Estadual dos Estudantes de Goiás e com o AI5 assumi à presidência da
UEE-GO.
Resumindo, no meu entender a Geração 68 foi o vetor principal nestes intensos anos de ebulição social. Produziu heróis e mártires.
A partir daí, com a extrema violência do regime ditatorial a nossa geração radicaliza contra a ditadura.
2- Quem são essas pessoas aqui em Brasília?
R- A G/68 em Brasília constituiu um grupo no WhatsApp que chegou a ter 240 pessoas. Ativos no grupo tem umas 180. Criou-se também uma coordenação composta por: Hélio Doyle, Maninha, Betty Almeida, Madalena Rodrigues, Tancredo Maia, Moacyr de Oliveira (Moa) e eu.
As pessoas da G/68 morando hoje em Brasília, enfrentaram a ditadura militar, aqui ou em outros estados. Participando das passeatas, ou distribuindo panfletos, ou pichando muros, ou fazendo greves por melhorias no ensino e por liberdades democráticas.
Nestes anos tumultuados da nossa história, no transcorrer da luta contra a ditadura, moldaram-se jovens líderes estudantis nos diretórios acadêmicos, nos DCEs (Diretório Central dos Estudantes), nas UEEs e na UNE (União Nacional dos Estudantes).
Essa juventude rebelde e guerreira instigou as organizações tradicionais da esquerda. No movimento estudantil se criou duas importantes dissidências do PCB (Partido Comunista Brasileiro-“o partidão”): a de São Paulo que se aliou à ALN (Ação Libertadora Nacional), do comandante Marighella, da qual eu me incluí e a do Rio que criou o MR 8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro, data da morte do comandante Che Guevara)
Muito ativos também eram o PCdoB (que implantou no campo a Guerrilha do Araguaia), a AP(Ação Popular que se originou da esquerda católica), a Ala Vermelha dissidência do PCdoB), a Polop (Política Operária), a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) que se juntou ao COLINA (Comando de Libertação Nacional) e deu origem ao VAR Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares) liderada pelo Capitão do Exército Carlos Lamarca que fez ações de guerrilha rural no Vale do Ribeira.
Muitos da G/68 de Brasília participaram das guerrilhas urbanas e rurais.
Boa parte da G/68 de Brasília e do Brasil foram presos e torturados.
Muitos da nossa geração, além de barbaramente torturados, foram também assassinados pela ditadura militar.
Como reação, as organizações guerrilheiras realizaram sequestros de embaixadores estrangeiros, exigindo a libertação dos seus prisioneiros. Os guerrilheiros urbanos realizaram assaltos a bancos para apoiar a implantação da guerrilha rural. O objetivo dos guerrilheiros e de todas as organizações de esquerda era estabelecer um Estado socialista no Brasil.
Em Brasília tivemos o nosso mártir Honestino Guimarães.
Hoje essa geração, essas pessoas que estão sempre na luta, estão unidas com outras forças no movimento FORA BOLSONARO!
3-Por que essas pessoas resolveram se juntar nesse momento?
R- Porque a G/68, no passado, vivenciou momentos semelhantes na história do nosso país e sentiu por parte do presidente Bolsonaro uma movimentação (conspiração) com o objetivo de se implantar, de novo, uma Ditadura Militar no Brasil sob seu comando. Por isto a G/68 participa de uma grande frente que quer o Impeachment do tresloucado Bolsonaro.
Os de cabelos brancos da G/68, os sindicatos, as centrais, dezenas de movimentos e mais os partidos de esquerda e progressistas se juntaram no grande movimento FORA BOLSONARO!
4- A geração 68 se resume a um grupo de pessoas com histórias comuns ou vai mais longe e já é um movimento?
R- Posso dizer que a G/68 é um importante movimento. A ideia do movimento nasceu em São Paulo e hoje tem uma coordenação em praticamente todos os estados brasileiros. Hoje o movimento G/68
tem milhares de participantes em todo o Brasil.
5- Todos os membros tem histórias relacionadas com a resistência à ditadura militar. Tem alguém trabalhando para juntar todas em um livro?
R- Tem sim.
A ideia do livro foi do jornalista Moacyr de Oliveira, o Moa, que compõe a Coordenação do movimento G/68 em Brasília e está trabalhando na elaboração e edição do livro.
Deverá ser selecionado um total de 68 depoimentos de pessoas, do grupo, que hoje moram em Brasília.
Moa já tem em mãos a arte da capa e da contra-capa e o projeto gráfico do livro.
Olha, os textos estão chegando.
Eu não comecei. Vou adiando. Relembrar esse intenso passado, da qual muito me orgulho, mexe com a gente e o cérebro ferve. Foram muitas lutas, muitas ações no movimento estudantil, na clandestinidade, muitas mortes de companheiros brilhantes que se estivessem vivos estariam contribuindo muito com o nosso país. Essas memórias caminham comigo e me orientam até hoje nas lutas políticas.
- Há algum projeto político
eleitoral envolvido no grupo? R- Não. O foco hoje é participar e contribuir ativamente para intensificar, em Brasília, a mobilização da frente FORA BOLSONARO - Embora seja formado por pessoas de esquerda o grupo/movimento tem gente de vários segmentos da esquerda. O grupo pode ajudar na formação da tão sonhada frente de esquerda? R-Acredito que sim.
A maioria da nossa geração que enfrentou a Ditadura Militar, esteve sempre na luta e nunca deixou de fazer a boa política, em defesa do povo trabalhador e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Muitos da G/68 participaram da fundação de novos partidos de esquerda. Muitos se elegeram deputados e senadores. Outros se elegeram prefeitos e governadores e deram grandes contribuições nas administrações de cidades, de estados e do Brasil, conquistadas em eleições democráticas.
Muitos dos programas implantados nas cidades, nos estados e no país, governados pela esquerda, tiveram repercussão internacional extremamente positiva.
A maturidade e a experiência temperada na luta, da Geração/68, pode contribuir em muito com uma autêntica Frente de Esquerda. - Já há algum tipo de discussão sobre eleições 2022 no grupo? R- Não.
Não podemos cair nesta armadilha, isto nos divide.
Neste momento o mais importante é centrar fogo na derrubada deste governo fascista que quer implantar a Ditadura Militar. Essa nunca mais!
O apelo maior é para que todos os democratas, estejam unidos no FORA BOLSONARO.
Até a vitória!