O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) uma série de dispositivos que previam verbas para o enfrentamento à pandemia e seus efeitos em 2022. A nova legislação (14.194/2021) entrou oficialmente no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (23) e traz diferentes trechos cortados pelo chefe do Executivo.
Aprovada pelo Congresso Nacional em julho, a LDO estabelece normas para a produção do orçamento da União em 2022. Ela sinaliza as políticas públicas e as prioridades a serem consideradas na previsão das verbas do exercício seguinte, por isso é considerada um passo fundamental do ciclo orçamentário do país.
O texto é enviado sempre pelo Poder Executivo ao Legislativo e pode ser parcialmente vetado pelo presidente da República, mas o corte precisa ser avaliado na sequência pelos parlamentares, que podem manter ou não a decisão do chefe do Executivo.
Bolsonaro barrou, por exemplo, um ponto da LDO que estipulava ampliação de 50% em relação a 2021 nos recursos gastos com desenvolvimento de vacinas. Nas justificativas do veto, o mandatário afirmou que o Ministério da Economia entendeu que a previsão afronta o interesse público porque o aumento estaria “em patamar excessivamente superior ao estabelecido pela Constituição Federal para as demais ações e serviços públicos de saúde”.
O corte de verbas para os imunizantes chamou a atenção especialmente pelo fato de o tema estar em alta diante das necessidades trazidas pela crise sanitária, em que o país ainda amarga um índice de 34% da população que tomaram apenas a primeira dose da vacina contra a covid. O dado é da plataforma “Our world in data”, que acompanha o andamento da imunização no mundo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a presidenta da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Rosana Onocko, afirma que o índice demonstra a existência de uma “grande dívida vacinal” com a população, dada a gravidade da pandemia e os riscos oferecidos pelo vírus. O alastramento do novo coronavírus já causou a morte de mais de 575 mil brasileiros, além de 20,6 milhões de infecções confirmadas.
“Lamentavelmente, não nos surpreende o veto de hoje porque é um governo que tem mostrado o tempo inteiro o seu descompromisso com a saúde pública, com a vida. Então, dizer que vetou dinheiro pra vacina é mais uma capitulação do Brasil se resignando e renunciando a ser soberano em relação à preservação da saúde e à recuperação da saúde da sua população. É lastimável”.
A dirigente aponta que o país, pelo histórico que apresenta na área de imunização, teria expertise e condições operacionais de apresentar um quadro mais exitoso no que se refere à vacinação contra a covid. A Abrasco observa que o potencial do país poderia alçá-lo inclusive ao posto de “liderança mundial” no assunto, caso houvesse mais investimentos na área.
“O Brasil tinha condições, tanto pela Fiocruz quanto pelo Butantan, de ter sido um grande produtor de vacinas pra ajudar o mundo, uma atitude que o país sempre teve porque sempre se mostrou um país solidário, preocupado com as contribuições humanitárias. Mas nós perdemos essa chance também.”
A tesoura de Bolsonaro na LDO afetou também outros pontos que haviam sido aprovados no Congresso para a área da saúde, entre eles um conjunto de trechos que previam prioridade e metas para a administração pública federal em 2022.
Nessa questão em particular foram afetadas medidas como as campanhas de conscientização sobre prevenção e cuidados com a saúde, a ampliação da infraestrutura da rede de atendimento para pessoas com câncer e a atenção a pacientes com sequelas causadas pelo novo coronavírus.
O Planalto alegou que tais ações contribuiriam para “a elevação da rigidez orçamentária, que já se mostra excessiva” porque as normas de aplicação das despesas públicas afetam o atendimento à meta do resultado primário do país.
Os cortes são vistos com preocupação pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que reúne diferentes especialistas da área. Para o médico epidemiologista Heleno Corrêa Filho, da direção nacional da entidade, a iniciativa do presidente Jair Bolsonaro se liga às demais condutas do chefe do Executivo em relação à pandemia e à falta de priorização para a saúde pública ao longo do mandato.
Ministério da Economia de Guedes se colocou contra a ampliação de 50% em relação a 2021 nos recursos gastos com desenvolvimento de vacinas / Alan Santos / Fotos Públicas
“Os vetos significam que ele o grupo político dele pouco se importam se as pessoas morrem da covid-19. Eles não estão nem aí pra contingenciamento de dinheiro em benefício da saúde dos que vão morrer e [o presidente] não se importa em controlar a pandemia. Ele apenas quer que as pessoas estejam ameaçadas de morrer, adoecer, passar fome e ficar sem emprego, sem casa. Ele pouco se importa com isso.”
O dirigente pontua que o contexto de arrocho orçamentário que o Brasil vive atualmente na área de saúde teve início especialmente no processo político vivido pelo país nos últimos anos. O resgate remonta a uma série de medidas que se relacionam, por exemplo, com a aprovação do Teto dos Gastos, aprovado no governo Temer (2016-2018) por meio da Emenda Constitucional 95. Apesar do coro popular pela revogação do ajuste fiscal, a gestão Bolsonaro tem optado por manter a norma.
“A gente não espera nada do atual governo para a saúde pública. Ele trabalhou contra a saúde desde o primeiro dia. E o antecessor dele, que deu o golpe de Estado em 2016, plantou as primeiras medidas contra a saúde, contra a Previdência social e a assistência social com a Emenda 95, que retirou dinheiro da Seguridade Social por 20 anos”.
BDF