*Por Leonardo Poletto, Hanna Campeche, Renata Alencar, Bruno Castro e Mariana Pessoa, no Brasil de Fato
Em 2021, o desemprego entre jovens chegou a 31%. Metade deles sairia do país se pudesse. Sem perspectivas, muitos buscam oportunidades no exterior. País desperdiça enorme potencial, justamente, daqueles que poderiam resgatá-lo da crise
Cerca de 47% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos sairiam do país se pudessem. Esse sentimento é reflexo da falta de oportunidades e da desesperança com uma reversão do atual cenário socioeconômico brasileiro. A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos foi de 31% no primeiro trimestre de 2021, mais que o dobro da taxa de desemprego geral, de 14,7%.
As teorias econômicas contemporâneas acerca dos condicionantes para o sucesso do desenvolvimento dos países são consensuais em enfatizar o papel central que o capital humano desempenha nos processos de sofisticação produtiva.
O conceito de capital humano, por sua vez, se refere ao nível e a quantidade de profissionais qualificados, visando representar a capilaridade de aplicação e, principalmente, produção de conhecimento.
Esse reconhecimento da importância da qualificação implica um processo de valorização de políticas de educação como estratégia necessária para o desenvolvimento econômico nacional.
Porém, a ênfase que a opinião pública pode conceder ao papel da Educação tende a exagerar essa política pública como a solução sozinha para a superação da subalterna posição ocupada na divisão internacional do trabalho, como é o caso do Brasil.
Essa perspectiva, por exemplo, negligencia o fenômeno da emigração, principalmente o processo corrente de fuga de cérebros, a saber, a crescente tendência de atração de capital humano de países com menos infraestrutura e oportunidades para as nações mais desenvolvidas, do centro.
Deste modo, esse fenômeno, por sua vez, coloca em questão a eficácia do investimento em educação quando não acompanhado de outras políticas voltadas não apenas para a produção de capital humano, mas também a sua colocação e retenção, num processo integrado de desenvolvimento.
Podemos entender a migração de trabalhadores – com maior ou menor qualificação – para outros países, especialmente do Norte, como uma forma de transferência de valor, ou de riquezas.
Inclusive, porque foi o conjunto da sociedade que custeou os estudos e formação deste trabalhador e, ao final, é outro país que vai se beneficiar economicamente tanto da mão de obra quanto da produtividade angariada pela capacitação. Embora esse fenômeno se faça mais presente em outros países, em determinadas conjunturas atinge também o Brasil.
Histórico
A herança deixada para o ex-presidente Fernando Collor, no início da década de 1990, foi a crise econômica brasileira da década perdida.
A dívida externa, a hiperinflação, os fracassados planos econômicos e o posterior confisco de poupanças geraram instabilidades no primeiro governo eleito diretamente pela população, o que motivou muitos brasileiros a procurarem melhores condições de vida no exterior.
O final dos anos 1980 e a década de 1990 foram marcados por um acentuado número de migrações de brasileiros para outros países. Em 1996, estimou-se que mais de meio milhão de brasileiros passaram a residir nos Estados Unidos, o principal destino, seguido de Paraguai e Japão.
Com o sucesso do Plano Real (1994), a inflação pôde ser controlada e a economia brasileira se transformou, trazendo uma perspectiva próspera e otimista no cenário internacional.
Nos anos 2000, a Carta aos brasileiros que vivem longe de casa redigida em 2002 por Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu o fenômeno da migração de brasileiros para o exterior, antes mesmo de sua eleição à presidência da república, manifestando a necessidade da criação de órgãos e mecanismos que amparassem estes emigrantes, bem como, a garantia de que até o final de seu mandato, caso fosse eleito, como assim o foi, estariam eliminadas as principais causas socioeconômicas que levaram os brasileiros a deixarem seu país.
Durante seu mandato (2003-2010), Lula cumpriu seus compromissos com essa população, e “dessa forma, os que desejarem, deverão ter condições de voltar e viver dignamente”. Ainda assim, quando se pensa nos brasileiros com qualificação trabalhando fora do país, houve um salto no número de 63 mil em 1990 para 218 mil em 2007, representando 2,3% da mão de obra qualificada do total de 9,4 milhões.
A crise de 2008 também foi um fator a ser considerado pelos emigrantes brasileiros para retornarem ao Brasil, justamente porque os países como os Estados Unidos e os da Europa sofreram grandes impactos em suas economias, uma vez que esses impactos negativos pouco refletiram no cenário econômico brasileiro à época.
Entretanto, anos a frente, o Brasil enfrentaria novamente a incerteza e o descontentamento de parcela da população quanto às condições políticas, sociais e econômicas, trazendo à tona a vontade de deixar o país, mais uma vez.
Um dado mais recente, oriundo do censo de 2010, apresenta um número de 491.645 mil brasileiros residentes no exterior, tendo como principal destino ainda os Estados Unidos, sendo países europeus e o Japão os sucessores.
A falta de perspectiva e desejo de ir embora
O Brasil dos últimos anos não traz perspectivas melhores em relação à quantidade de pessoas que têm planos ou pelo menos desejam sair do país.
Se durante o primeiro mandato da Presidenta Dilma Rousseff (2011-2014) a taxa de interesse de sair do Brasil por parte dos jovens era de 20,1%, nos anos seguintes, com a crise econômica e agravamento do cenário, este número cresceu exponencialmente.
Hoje, 47% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos sairiam do país se pudessem. Isso significa mais de 20 milhões de pessoas. Esse sentimento é reflexo da falta de oportunidades e da desesperança com uma reversão do atual cenário socioeconômico brasileiro.
A taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos foi de 31% no primeiro trimestre de 2021, mais que o dobro da taxa de desemprego geral, de 14,7%.
Esse grande aumento se dá por diversos fatores políticos e econômicos que vêm afetando o país, advindos de menos investimento na educação, desemprego e falta de perspectivas para os jovens brasileiros.
Em relação à manutenção das Universidades Federais e da pesquisa científica brasileira, ocorreu, entre 2010 e 2020, a diminuição em 73% da verba destinada a estas instituições. Neste ano as coisas não melhoraram: em abril de 2021, no atual governo de Jair Bolsonaro, o Ministério da Educação teve R$ 2,7 bilhões bloqueados e R$ 2,2 bilhões vetados, colocando a área da educação como a mais afetada por cortes orçamentários.
Tal posicionamento, além de minar qualquer tentativa de desenvolvimento tecnológico nacional, encoraja o bloco de jovens intelectuais a buscar oportunidades em outros lugares. Mesmo para outros setores, o desemprego promove a procura por oportunidades fora, em busca de uma melhor qualidade de vida.
Entre o último trimestre de 2019 e primeiro trimestre de 2020 o número de trabalhadores com ensino superior subutilizados cresceu 43%, indo de 2,5 milhões para 3,5 milhões de pessoas.
Outro fator preocupante da economia brasileira nos últimos anos é a taxa de investimento (Formação Bruta de Capital Fixo/PIB).
Embora o Brasil esteja atrás da média mundial nas últimas décadas, nos últimos anos o nível de investimentos no Brasil diminuiu em termos absolutos e em comparação ao restante do mundo. Se no quinquênio 2011-2015 a taxa média de investimentos no país foi de 20%, nos cinco anos subsequentes (2016-2020) foi de apenas 15,4%.
Em 2018, a taxa de investimento no Brasil foi de mais de 10 p.p. menor do que a média mundial, com apenas 19 países com números inferiores. Os impactos da falta de investimento são gigantescos no médio prazo, diminuindo o número de empregos e oportunidades, especialmente para os jovens.
A falta de perspectivas de mudança deste cenário faz com que seja difícil acreditar na reversão desta tendência. Assim, a escassez de oportunidades concretas para a juventude brasileira, crescente migração e o desejo de migrar de jovens para o exterior têm uma influência muito negativa para o futuro do país.
O que pode ser feito para reverter este cenário?
Como apresentado, a situação atual brasileira que faz com que cada vez mais os jovens queiram e tentem sair do país tem alguns pilares fundamentais: a falta de investimentos produtivos; a falta de empregos nas áreas de formação; a falta de financiamento público para pesquisas e; a falta de um projeto de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico nacional.
Consideramos que são necessárias ações em algumas frentes para reverter este cenário. Em primeiro lugar, é preciso retomar e expandir a capacidade de planejamento e execução de políticas do Estado brasileiro. No último período temos acompanhado um acelerado desmonte da estrutura e, consequentemente também dos postos de trabalho, do Estado. Este é um fator fundamental para a própria formulação e implementação de políticas públicas de geração de emprego, de desenvolvimento sócio econômico e desenvolvimento científico e tecnológico.
Outro problema grave é a falta de empregos qualificados que o país sofre, que pode ser colocada num termo simples de falta de oferta desses empregos para o número de profissionais formados.
É necessária, portanto, uma política forte e estruturada pelo Estado para gerar empregos de pessoal qualificado, tanto de pesquisa quanto de indústria, serviços e empresas. Esses empregos, embora possam ser de maior parte em empresas privadas, dependem de política de Estado para serem gerados.
Interligado à questão da geração de empregos está a retomada, em grau superior ao período 2002-2014, do financiamento das universidades públicas e apoio à pesquisa acadêmica.
O aumento substancial do financiamento de pesquisas e bolsas para pesquisa – através da CAPES e CNPq – é imprescindível para fazer com que jovens pesquisadores tenham possibilidade de prosseguir as suas pesquisas no Brasil.
A questão fundamental, da qual derivam todos os outros problemas mencionados e as saídas propostas, é a falta de um projeto de desenvolvimento tecnológico que congregue universidades, institutos de pesquisa e empresas, que absorvam o crescente número de trabalhadores qualificados e utilize suas formações para o desenvolvimento nacional.
Se é verdade que nenhum país se desenvolveu sem capacitação técnica dos trabalhadores, também é verdade que este processo sempre veio junto com investimentos produtivos gerando oportunidades concretas.
As taxas de investimento da economia brasileira se encontram entre as mais baixas do mundo e isso impacta fortemente a juventude e o futuro do país. Uma mudança de rumo nesse aspecto é urgente.
Bruno Castro, Hanna Campeche, Leonardo Poletto, Mariana Pessoa, Renata Alencar são pesquisadores do Observatório de Política Externa Brasileira, da Universidade Federal do ABC (UFABC).
O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outros textos.