Nos últimos anos, recursos para a ciência só diminuem. Aliado à desindustrialização, esse processo tira do Brasil a capacidade de ser competitivo e soberano
Já dura cinco dias a pane nos sistemas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Desde sábado (24), cientistas brasileiros não conseguem visualizar seus currículos, acessar dados importantes para continuar seus trabalhos e participar de editais, além de não saberem quando a situação será normalizada nem se informações serão para sempre perdidas.
A pior notícia, no entanto, é que o episódio é apenas a ponta do iceberg de uma política criminosa de desmonte da ciência brasileira iniciada após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e intensificada por Jair Bolsonaro. Como bem apontou o neurocientista Miguel Nicolelis, a infraestrutura básica da ciência brasileira começa a colapsar porque o atual governo abre mão da soberania nacional, promovendo a desindustrialização e investindo cada vez menos em pesquisa.
Sem esses dois pilares (indústria e pesquisa científica), o Brasil perde sua capacidade de inovação, de gerar produtos de valor agregado, e fica sem chances de competir na cada vez mais tecnológica economia global. Vai-se transformando, assim, em um mero fornecedor de soja e outros produtos agrícolas ou minerais, cada vez mais dependente de outras nações, das quais deverá importar os mais variados produtos. Converte-se em um “fazendão”, para lembrar o termo usado pelo economista e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcio Pochmann.
Nos últimos anos, o que ocorre com a ciência brasileira é uma sabotagem sistemática, com recursos cada vez menores para a área. Nem mesmo a pandemia de Covid-19, que levou vários países a aumentar o orçamento da área, comoveu o governo Bolsonaro, que, em 2021, cortou em 29% os recursos destinados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Análise da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) indica que o total de recursos da pasta pode chegar a R$ 2,7 bilhões se créditos suplementares à Lei Orçamentária Anual (LOA) forem aprovados. Mesmo que isso ocorra, o valor ainda será o menor desde 2015 e R$ 500 milhões mais baixo que o orçamento de 2020.
Para qualquer lugar que se olha, o que se vê é a redução de investimentos. Análise feita pela economista do Ipea Fernanda De Negri mostra que os valores previstos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para os três principais fundos de apoio à pesquisa (FNDCT, CNPq e Capes) caíram drasticamente a partir de 2016, ano do golpe contra Dilma. Enquanto nos governos Lula e Dilma, a soma prevista para esses três fundos chegou a R$ 13,97 bilhões (em 2015), os cortes que se seguiram fizeram o valor chegar a R$ 4,40 bilhões em 2020, patamar próximo ao do começo deste século, como mostra o gráfico abaixo.
Total de recursos previstos na PLOA para FNDCT, CNPq e Capes, em R$ bilhões:
Para o ex-ministro e atual presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mecadante, o setor de ciência e tecnologia vive uma “verdadeira paralisia”. “Precisamos urgentemente resgatar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT para recolocar a ciência, a tecnologia e a inovação no centro do desenvolvimento nacional”, defende Mercadante. “O obscurantismo e o boicote de Bolsonaro configuram-se como um verdadeiro crime contra a ciência”, completa.
Para o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PT), o apagão da ciência é uma tragédia anunciada. “O Brasil está completamente desgovernado. A tragédia da ciência no país foi anunciada já no início do governo Bolsonaro. Só não enxergava quem não quisesse. O Congresso Nacional pagou para ver”, avalia. Se companheiro de bancada Rogério Carvalho (PT-SE), completa: “Ciência e educação nunca foram prioridades por esse governo. Pelo contrário, o trabalho de Bolsonaro e seu gabinete governamental é destruir a ciência”.
O descaso com o qual a ciência brasileira vem sendo tratada já fez com que um diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fosse demitido por simplesmente divulgar dados de desmatamento; as universidades tenham cada vez menos verbas e vejam sua autonomia ameaçada; e brasileiros tenham visto a grotesca cena de um presidente da República celebrar a morte de um voluntário de testes de vacina contra a Covid-19, apenas para citar alguns episódios. Agora, o CNPq vê seus sistemas entrarem em pane. Não é coincidência. É projeto de destruição.
Fonte: PT