Vacinação atrasada no DF: ritmo lento irritou população e fez governo mudar esquema de aplicação das doses

Falta de coordenação nacional, reserva de doses para categorias específicas, remessas abaixo do esperado e agendamento online instável. Essas são as principais explicações para o lento processo de vacinação contra a covid-19 no Distrito Federal.

Até a última quinta-feira (22), o DF estava na 19ª posição entre as 27 unidades da federação que mais vacinaram, com uma cobertura 37% da população, o que dá cerca de 1,1 milhão pessoas.

É um número proporcionalmente inferior a estados vizinhos, como Goiás (39,57%) e Minas Gerais (42,84%). Houve uma melhora após mutirão realizado este fim de semana, quando mais de 138 mil pessoas foram vacinadas. Com isso, o DF saltou para uma cobertura vacinal de 40,84% da população, pulando para a 13ª colocação.

Apesar disso, após o mutirão, os estoques de vacinas no DF ficaram praticamente zerados, e dependem do envio de novas remessas pelo governo federal. A expectativa é que 10 milhões de doses comecem a ser distribuídas em todo o país até o fim dessa semana. Para o DF, estão previstas 43 mil novas doses, que vão permitir a redução da idade de vacinação de 37 para 35 anos ou mais.

Por causa do avanço mais lento do que outras localidades, a faixa etária de vacinação no DF só foi ampliada para pessoas com 37 anos na semana passada.

Em grande parte das capitais, esse número está perto da faixa dos 30 anos. Nos municípios do Entorno da capital federal, as faixas etárias chegam a estar abaixo dos 30 anos, o que tem levado muitos moradores do DF a buscarem imunização nas cidades vizinhas.

É o caso do sociólogo Paulo da Silva, de 35 anos. Sem perspectiva de quando seria vacinado em Brasília, ele decidiu se imunizar em Valparaíso de Goiás, cidade a cerca de 60 km da capital.

“A questão de buscar a vacinação em outra cidade é pelo entendimento de que o SUS [Sistema Único de Saúde] é um sistema nacional e o conjunto de erros durante o enfrentamento à pandemia refletiu na forma como a vacinação aconteceu”, observa.

Ao Brasil de Fato, a Secretaria de Saúde do DF apontou que a vacinação ocorre de forma “absolutamente compatível” com as quantidades de doses enviadas pelo governo federal.

“Foi demonstrado para o Comitê Tripartite do Ministério da Saúde, que reúne governo federal, estaduais e municipais, que o Distrito Federal está com uma defasagem de 250 mil doses”, informou a pasta.

“Esse déficit se dá por conta da desatualização do censo do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] de 2010, com dados de 2008 e 2009, por diferença na estimativa feita pelo Ministério da Saúde e o público real de categorias como profissionais de saúde, de segurança, limpeza urbana e catadores de material reciclado, além do público por faixas etárias e população de outros estados que vacinaram no Distrito Federal”, acrescentou.

De acordo com a Secretaria, o DF já aplicou mais de 193 mil doses em pessoas de outros estados, que foram contemplados sem exceção. Ainda de acordo com a pasta, o Comitê Tripartite do Ministério da Saúde teria concordado com a reivindicação e aprovou a complementação de doses que serão enviadas gradativamente nas remessas semanais, a partir desta semana. No entanto, em conversa com a imprensa, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, negou que houvesse qualquer déficit no envio das doses para os estados.

Para tentar ampliar o número de imunizantes, o Governo do Distrito Federal (GDF) acionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com um pedido liminar para que o Ministério da Saúde seja obrigado a enviar à capital federal 292.055 doses extras de vacinas contra a covid-19. O mandado de segurança foi protocolado na quinta-feira (22/7).

“O PNI tem o dever de garantir a reposição das doses para que toda a população seja vacinada”, afirma o deputado distrital Fábio Felix (PSOL).

Brasil ainda tem menos de 20% da população totalmente vacinada / Fred Tanneau / AFP

Na origem dos problemas de vacinação do DF, está a postura do governo federal no enfrentamento à pandemia, que omitiu-se no papel de centralizar o processo de imunização, como historicamente sempre foi feito.

“Já fomos uma referência mundial em vacinação, e isso tem relação com a maneira como o Ministério da Saúde executou as campanhas, todas muito bem padronizadas, com calendário nacionais, simultâneos. Foi por causa da falta de coordenação nacional que começaram a surgir esses calendários muito diversificados entre os estados”, aponta Jeovânia Rodrigues, presidente do Conselho de Saúde do DF.

O médico infectologista Julival Ribeiro vai na mesma linha. “Depois de vários meses de campanha, fica ainda mais claro que não houve uma política correta por parte do governo federal, que não adquiriu vacinas antecipadamente. Isso não poderia ter acontecido, visto que o Brasil tem um dos melhores programas nacionais de vacinação do mundo”, destaca Ribeiro, que é doutor em doenças tropicais pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Paulo da Silva, que foi buscar a vacinação em outra cidade devido à lentidão no DF, também atribui maior responsabilidade à gestão de Jair Bolsonaro na pandemia. “O governo federal se desresponsabilizou de assumir uma centralização do combate à pandemia. E também, na hora da vacinação, em vez do governo federal fazer uma negociação ampla, ele trabalhou para retardar a compra de vacinas e deixou os municípios sem uma orientação muito clara sobre como efetuar a vacinação”.

Falta de uma coordenação nacional na campanha de vacinação contra covid-19 atrasa a imunização no país / Ted Aljibe / AFP

“Já passamos por campanha de febre amarela, vacina da gripe todo ano, e o Programa Nacional de Imunização (PNI) sempre foi super organizado. O que aconteceu? Houve um processo de politização na atuação do PNI”, aponta a infectologista Eliana Bicudo, assessora da SBI.

O custo dessa atuação federal se expressa em vidas humanas, com o Brasil se aproximando da marca de 550 mil mortos pela pandemia.

Além dos fatores nacionais e da menor remessa de doses, algumas circunstâncias locais impactaram no ritmo da vacinação no DF. O caso mais emblemático veio à tona essa semana, com a informação de que praticamente todo o efetivo das Forças Armadas no DF, cerca de 30 mil pessoas, furou a fila de vacinação e recebeu as doses. O número consta em documento enviado pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) ao Ministério Público Federal (MPF), que apura possíveis irregularidades. De acordo com o PNI, os primeiros grupos prioritários de vacinação contra a covid-19 deveriam ser idosos (acima de 60 anos) e os profissionais de saúde que atuavam na linha de frente do combate à pandemia.

Outro aspecto problemático na vacinação do DF foi a plataforma criada pela Secretaria de Saúde para que a população pudesse fazer o agendamento. Iniciativas semelhantes ocorreram em outros estados, de forma satisfatória, mas a experiência no DF foi frustrante para os moradores. Além de bastante instável, com frequentes panes, na maioria das vezes o número de vagas era rapidamente preenchido e nem toda a população de determinada faixa etária conseguia agendar a vacinação.

“Essa ferramenta não se mostrou resolutiva para o agendamento da vacinação no DF, talvez por algum problema técnico. O fato é que muitas pessoas, especialmente as mais vulneráveis, não tinham a condição de acessar a internet e quando acessavam, as vagas estavam esgotadas”, aponta Jeovânia Rodrigues.

Após inúmeras reclamações, o GDF suspendeu o uso do agendamento e iniciou, na última sexta-feira (23), o processo de vacinação sem agendamento, no formato de mutirão. O número de postos de saúde passou de 50 para mais de 100.

Fonte: BDF

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