O real contingente desempregado no Brasil avançou de 16,2 para 28,6 milhões, aumento de 12,4 milhões ou 76,5% nesses 15 meses
Por Julio Miragaya
“Tirar o bode da sala” é uma parábola aplicável quando se busca criar uma falsa sensação de melhora, após colocá-lo no ambiente e deixar todos incomodados com o mau cheiro exalado pelo caprino. Situação similar ocorre agora no mercado financeiro, eufórico com a perspectiva de o PIB brasileiro crescer 4,5% em 2021. Euforia que se expressa também no ciclo de alta dos preços das commodities; na criminosa privatização da Eletrobras, culminando no nível recorde do Ibovespa.
Mas teria fundamento a avaliação de alguns analistas de que tal crescimento do PIB vai gerar uma grande euforia no país, contagiar o povo e alavancar Bolsonaro rumo à reeleição? Vejamos: nesse primeiro trimestre o PIB retornou ao patamar do quarto trimestre de 2019, assim como um crescimento de 4,5% em 2021 apenas retomaria o patamar de 2019.
Ocorre que, nesses dois anos, seremos mais 3,6 milhões de brasileiros. Isto é, em termos de PIB per capita, o país estará 1,5% mais pobre. Para ilustrar, a massa de rendimentos do trabalho, mesmo em termos nominais, já caiu 2% nesses 15 meses e o consumo das famílias, mola propulsora do PIB, mesmo com o auxílio emergencial, caiu 5,5% em 2020 e 0,1% no primeiro trimestre de 2021.
Somados à inflação “dos alimentos”, que vem corroendo os parcos salários e aposentadorias e à concentração da renda, que se acentua, os trabalhadores deverão fechar 2021 de 4% a 5% mais pobres que em 2019. O setor com melhor desempenho na economia é o agropecuário, alavancado pelo câmbio e pelo forte aumento dos preços nos mercados externo e interno.
Enquanto o PIB caiu 4,1% em 2020, o PIB agrícola cresceu 2,0%. No primeiro trimestre de 2021, enquanto o PIB cresceu 1,2%, o PIB agrícola cresceu 5,7%. Não fosse ele, o tombo seria bem maior. Ocorre que o agronegócio gera poucos empregos, incapaz de compensar as milhões de dispensas nos setores industrial e de serviços. Este, aliás, o maior empregador e com o pior desempenho.
E é justamente a situação do mercado de trabalho que torna impossível para os economistas liberais convencerem o povo de que crescimento de 4,5% do PIB é uma ótima notícia. Nos últimos 15 meses, pelos dados oficiais, o número de desempregados aumentou de 11,6 para 14,8 milhões. Se somado o desemprego por desalento, que cresceu de 4,6 para 6 milhões, o total de desempregados aumentou em 4,6 milhões (de 16,2 para 20,8 milhões).
Ocorre que os dados oficiais omitem a migração de 7,8 milhões de pessoas para a condição de inativos (mulheres/trabalhadoras que passaram à condição de donas de casa, estudantes/trabalhadores que passaram apenas a estudar etc), pessoas que saíram da PEA por falta de perspectivas.
De fato, o real contingente desempregado no Brasil avançou de 16,2 para 28,6 milhões, aumento de 12,4 milhões ou 76,5% nesses 15 meses. Como absorver parte significativa dessa massa nos próximos 15 meses até a eleição? Restaria aos economistas liberais uma medida desesperada, algo que sempre execraram: a transferência de renda, turbinando o Bolsa Família, que eles próprios caracterizariam como medida populista e agravante do déficit fiscal.
Os economistas liberais podem até tirar o bode da sala, o problema é que não conseguirão retirar o mal cheiro deixado pelos milhões de desempregados, pelos milhões de novos miseráveis e as centenas de milhares de mortos pela covid. O PIB pode até contagiar certa classe média, mas, neste cenário, não há PIB que emplaque sensação de melhoria no povão.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia
Artigo publicado no Bsb Capital