Por Rosângela Bittar*
O agravamento do desvario que Bolsonaro está exibindo em praça pública não é gratuito e tem uma razão nem tão secreta. Esconde uma palavra que seu machismo não permite pronunciar, mas seu comportamento revela. Medo. O presidente está com medo.
A autoconfiança, expressa em sinais de que pode tudo, é falsa. Acompanhamos sua performance como se ele estivesse no picadeiro. Ora engolindo fogo e soprando-o sobre a seleção brasileira de futebol, que obrigou a jogar a Copa América, competição refugada por três países mais responsáveis que o nosso. Resultado parcial: 52 infectados em apenas duas rodadas.
Ora no tiro ao alvo dos palanques eleitorais, nos quais nem a motocada de 12 mil fanáticos, nem a genuflexão de militares da ativa, conseguem lhe dar consistência. Como no globo da morte, irrompe em avião prestes a decolar lotado, onde colhe o fundo musical de sua campanha à reeleição, que não será aproveitado nos jingles: Genocida!
Seu governo sobrevive, debilitado. A administração pública agoniza, contaminada pela gestão destruidora da pandemia, mais inflação, mais desemprego, mais colapso da educação e da saúde, mais destruição de florestas, mais desobediência civil, mais deboche, mais vulgaridade.
O problema que dá medo a Bolsonaro, porém, não é interno. É externo. E sobre ele não tem controle.
O ex-primeiro ministro Binyamin Netanyahu avisou a Bolsonaro, em recado passado ao então embaixador do Brasil em Israel, Paulo César Meira de Vasconcellos, de que corre o risco real de ser investigado pelo Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia. As denúncias que o atingem tipificam crimes contra a humanidade, em especial genocídio dos povos indígenas.
São assinadas por associações de advogados de direitos humanos, Organizações Não Governamentais e, principalmente, pelo cacique caiapó Raoni Metuktire, 91 anos, curado da covid e da depressão que contraiu após a morte da mulher, no ano passado. No Brasil, Raoni é um índio, mas para as organizações internacionais, um protagonista, símbolo do fascínio mundialmente atribuído aos povos da floresta.
Documentos diplomáticos sobre a denúncia foram enviados à CPI da Covid, cujo relatório deverá apontar a culpa de Bolsonaro em atos de transgressão do direito à vida. Representará, assim, um reforço institucional, o ponto de vista de um dos poderes da república, o Legislativo, para a análise do tribunal de Haia.
Esta é a assombração que persegue o antes destemido Bolsonaro. Seu pesadelo é perder a reeleição, a imunidade, e ser preso.
O risco internacional encontra-o ainda órfão da proteção de Donald Trump, que sumiu de Bolsonaro logo depois da tresloucada invasão do Capitólio. Para completar, o amigo Netanyahu também perdeu a cobertura do poder. Perplexo, vê suas pirraças serem transformadas em agenda prioritária do Summit do G7. Da vacina contra a covid ao meio ambiente, questões de vida ou morte. Sem falar do paradoxal sentimento que ele causa à China. Uma avalanche que o obrigou a buscar na Rússia o aliado que resta, Putin.
Uma das dificuldades é que os pequenos recuos, antes constantes no repertório de Bolsonaro, perderam a eficácia diante da gravidade dos problemas que provoca. Para obter algum efeito novamente, seria preciso virá-lo do avesso e de cabeça para baixo. Isolado, como um pária descrito por seu ex-chanceler, atrai para sua casta o país refém.
Mesmo assim, Bolsonaro não está internamente fraco. Controla, a peso de ouro, a Câmara dos Deputados, e usa e abusa do procurador-geral da República. São trunfos que lhe permitem deixar com os dirigentes dessas instituições a cobertura da retaguarda, inclusive legal, da sua sobrevivência no poder, e sair por aí. Resta, no entanto, o risco do relatório da CPI, com sua sólida maioria oposicionista. Os depoimentos e as provas colhidos até agora devem reforçar o processo do Tribunal Penal Internacional de Haia.
*COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS