Crescimento mais forte da economia não fica de pé sem aspas

No Brasil, onde até o passado é incerto, o presente também pode ser duvidoso e, assim, servir como base para um futuro enganoso. O caso do resultado do comportamento da economia no 1º trimestre deste ano é bom exemplo.

A variação efetiva real do PIB, medida pelo IBGE, foi de 1,2% em relação ao 4º trimestre de 2020 e de 1%, na comparação com o 1º trimestre do ano passado. Superação dos impactos da pandemia, ainda que longe de se aproximar do último pico de crescimento, registrado no 1º trimestre de 2014. Uma surpresa, de toda maneira, quando se consideram as estimativas, que apontavam crescimento pouco acima da metade do anunciado.

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Até aí são os números frios e um desvio em previsões. Mas, o que esses números expressam? Eles marcam a expansão forte que os valores frios sugerem? E mais: expansão tão forte a ponto de permitir imaginar uma recuperação vigorosa, plataforma firme de uma retomada sustentada?

Aqui começam as divergências. O “carregamento” estatístico para o restante do ano, já impactado pelo “carregamento” estatístico do último trimestre de 2020, marcam um crescimento perto de 5% para 2021. Ou seja, se, nos demais trimestres de 2021, a economia ficar no zero a zero, o PIB avançará 5% no conjunto do ano.

Crescimento parrudo, não é mesmo? Desde 2010, quando registrou alta de 7%, o PIB não via nada parecido. Ao contrário, desceu ladeira abaixo e ficou lá no pé, marcando passo entre 2017 e 2019, para afundar o mergulho, com a pandemia de covid-19, em 2020. O “salto” deste início de 2021 produziu comemorações no governo e no mercado financeiro, já animados no embalo de um mini-boom na Bolsa de Valores e de um alívio na taxa de câmbio.

Há, porém, variados indicativos de que não é bem assim o que estaria acontecendo. São fortes os sinais de que o PIB do 1º trimestre de 2021 acumula uma sucessão de falsos positivos. Ilusões estatísticas, movimentos setoriais desequilibrados e efeitos de alterações metodológicas infestaram os resultados.

Para começar, um dos maiores problemas reside nos ajustes sazonais. Não foram pequenos os desarranjos neste departamento, provocados pela pandemia, que derrubou as bases de comparação para muito além dos padrões históricos. A quebra das séries daí advinda impede descontar os efeitos sazonais, limpando as informações, sem produzir resultados imprestáveis.

O economista Claudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acostumado a antecipar as variações do PIB, alertou em artigo no Blog do Ibre para esse problema. Considera fez um exercício, aplicando os fatores sazonais de 2019 em seu modelo de previsão. Encontrou alta de 1% para o PIB do 1º trimestre. Quando, porém, são aplicados os fatores sazonais atuais, da base de 2020, o PIB avançou 1,7%. A diferença significativa levou à conclusão de que será duvidosa qualquer previsão, com base no resultado do 1º trimestre, para o conjunto do ano.

Se o dado do 1º trimestre pode estar falseado pelos ajustes sazonais, o “carregamento” estatístico para frente dele derivado pode estar ainda mais. Essa “herança” se deve ao modo como a variação do PIB é calculada. São comparadas as médias trimestrais de um ano com as médias trimestrais do ano anterior. As bases anormalmente muito baixas das variações trimestrais de 2020 acabam inflando as variações de 2021.

Com o fechamento da variação do PIB em 2020, com queda média no ano de 4,1%, a herança para 2021 foi calculada em 3,6%. Ou seja, mesmo se, em 2021, a economia andasse de lado, o crescimento em relação ao mergulho de 2020 não seria inferior a este percentual. Como já avançou bem no 1º trimestre, crescer menos do que 5% ou 5,5%, em 2021, vai exigir contração da atividade em alguns momentos ao longo do ano.

O efeito estatístico cobra, porém, um preço, transformando a melhora de hoje em possível dificuldade amanhã. À medida em que o PIB em 2021 avança, as projeções para a variação do PIB em 2022 recuam. No boletim Focus, as previsões para o crescimento econômico no ano que vem caíram de 2,5%, na entrada de 2021, para 2,25%, na última semana de maio. A base de comparação mais elevada é o que “puxa” a variação percentual para baixo.

Além dos sinais duvidosos do resultado agregado da variação do PIB, outros pontos também lançam dúvidas sobre a qualidade da recuperação exibida no 1º trimestre. Chamou a atenção, por exemplo, a força da alta no investimento. A variação positiva, na comparação com o trimestre anterior, foi de quase 5%, levando a taxa de investimento a mais de 19% do PIB, bem acima dos 16%, nos primeiros três meses de 2020 e dos últimos anos.

Seria indicação animadora de uma retomada consistente não fosse o fato de que o investimento foi inflado por uma circunstância meramente contábil: o cômputo, como investimento, do valor de plataformas de petróleo, ficticiamente importadas, apenas para receber isenções fiscais. Calcula-se que pelo menos 1/3 do total do investimento se deveu a essa manobra legal. Outro terço está sendo creditado à elevação da taxa de câmbio e da inflação.

Separando a vida real da numeralha, mais dúvidas afloram. O crescimento, no trimestre, foi puxado pela agropecuária –crescimento forte de quase 6%– e pela indústria extrativa. Setor externo também contribuiu positivamente, mas o consumo das famílias, responsável por 2/3 da formação do PIB, recuou, assim como o consumo do governo.

Não é difícil encontrar a origem do impulso aos setores que cresceram mais forte. Ele vem do atual ciclo de alta nas cotações internacionais de commodities, potencializadas pela elevação da taxa de câmbio. Agropecuária, contudo, não representa mais de 11% do PIB. Crescimento baseado em atividades primárias ajuda menos no aumento da renda das famílias.

A renda real das famílias, aliás, ainda está em queda. Em combinação com o desemprego recorde, que atinge diretamente quase 15 milhões de trabalhadores, chegando a mais de 30 milhões quando somados aos subutilizados e desalentados, torna qualquer avanço mais acentuado da atividade econômica um enigma ou um equívoco. Mesmo descontando alguma possível subestimação de trabalhadores ocupados, esses números atualizados da Pnad Contínua deixam claro que o “crescimento” de 2021 não fica em pé sem aspas.

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