O próximo passo

Por José Dirceu

O 29 de maio foi uma demonstração de nossa capacidade, força e poder de mobilização. Agora, é preciso ampliar a união das forças políticas e sociais, conquistar a adesão de todos que se opõem ao governo genocida. Temos que ser criativos nas formas de luta, mas não podemos recuar das manifestações.

Para derrotar as bravatas golpistas de Bolsonaro, ocupar as ruas é essencial. Aos que parecem ter esquecido, sempre é útil lembrar que foi a luta do povo nas ruas (e nas urnas) que derrotou a ditadura militar e fez as Diretas, deu cara popular à Constituição de 1988 e pressionou pelo impeachment de Collor. Também foi o povo nas ruas que levou o PT e as esquerdas a conquistarem quatro vezes a Presidência da República.

Não há contradição entre ir às ruas e a defesa do isolamento social, exatamente porque é nas ruas que derrotamos o negacionismo de Bolsonaro e de seu governo, responsáveis pela política criminosa que já levou à morte quase 500 mil brasileiros e brasileiras, vidas humanas que contam e que fazem falta às suas famílias e amigos. O negacionismo só faz ampliar a paralisia da economia, agravando a miséria e o desemprego.

Fomos às ruas para pregar a vacina, o isolamento social, o auxílio emergencial e econômico para as empresas e trabalhadores. Deixar Bolsonaro ocupar as ruas e mobilizar sua base militar e as milícias para construir o golpe, sem reação organizada e pública de seus opositores, é o caminho para a derrota e a volta do autoritarismo militar.

O 29 de maio foi uma demonstração de nossa capacidade, força e poder de mobilização. Agora, é preciso ampliar a união das forças políticas e sociais, conquistar a adesão de todos que se opõem ao governo genocida. Temos que ser criativos nas formas de luta, mas não podemos recuar das manifestações. Os golpistas precisam saber que estamos dispostos a lutar e vencer.

Muito importante nas manifestações foi a presença da juventude e das mulheres, dos movimentos das periferias, vilas, favelas e quebradas. Pediam por vacina e pela vida, mas também por educação, transporte de qualidade, emprego, casa própria. Manifestaram-se contra racismo, a homofobia, o obscurantismo, a violência policial.

 A repressão ilegal e inconstitucional de setores das PMs, estimulada pelo Planalto desde que Bolsonaro tomou posse, se manifestou na mobilização do Recife – uma manifestação pacífica e ordeira foi atacada brutalmente com balas de borracha e gás pimenta ferindo gravemente duas pessoas. Felizmente a atuação ilegal e violenta da PM pernambucana teve resposta na pronta decisão do governador de Pernambuco que fez valer sua autoridade constitucional e o direito sagrado de manifestações pacíficas.

Bons exemplos

Lá fora, as ruas foram a força determinante que derrotou Trump e o racismo nos Estados Unidos, os golpistas militares e civis na Bolívia, o pinochismo e sua herança neoliberal no Chile, o machismo e a misoginia na Argentina. Aqui, também, serão as ruas que vão dar um basta ao governo autoritário, negacionista e fundamentalista de Jair Bolsonaro.

Fomos às ruas em 213 cidades brasileiras e em 14 cidades no exterior. Quem ficou temeroso de sair às ruas em função da pandemia manifestou-se de sua própria casa, com faixas e bandeiras nas janelas, ou nas redes sociais. A força das manifestações teve grande repercussão na mídia internacional; já a maior parte da grande mídia nacional preferiu, como já fez no passado, minimizar o povo nas ruas, esconder os fatos. As críticas ao antijornalismo dos meios tradicionais de comunicação – a exceção foi a Folha de São Paulo – pressionaram os jornalões e mesmo os noticiários de TV a mudar em parte a narrativa nos dias seguintes. Mas o estrago já estava feito.

A mídia comercial brasileira e oposição de direita liberal vivem uma contradição. Querem se opor ao autoritarismo, obscurantismo e fundamentalismo de Bolsonaro, à politização crescente das Forças Armadas comprometidas, desde o golpe de 2016, com a aventura bolsonarista, mas apoiam enfaticamente o projeto  neoliberal de Paulo Guedes. E, mais que tudo, querem impedir uma vitória de Lula.

Como nas Diretas e no impeachment de Collor, querem uma transição por cima, sem povo de preferência, que mude para não mudar nada. À mídia comercial e à oposição liberal – afinal, formam um só corpo – interessa apenas apear Bolsonaro do poder, mantendo a mesma política econômica de exclusão do povo da riqueza nacional e de concentração de renda, de desmonte do Estado, de privatizações, de ocupação pelo capital privado do que deveriam ser políticas públicas.

Contraofensiva

Diante das mobilizações dos que se opõem a Bolsonaro – a batalha pelas ruas apenas começou – e da crescente popularidade de Lula, o governo, sua base de sustentação no Congresso e as elites empresariais ensaiam uma contraofensiva em duas frentes que se completam.

Na área econômica, Paulo Guedes e sua trupe, com apoio dos presidentes do BC (este cada vez mais politizado, tirando a máscara de mais uma enganação liberal), do BB e da CEF, reúnem-se com grupos de empresários para expor a estratégia do governo: no momento atual, privatizações e reformas; no segundo semestre, programas sociais; e, no ano que vem, obras públicas. Apostam na recuperação dos Estados Unidos e da China e, como consequência, na contínua alta das commodities. Só que se recusam a aplicar no Brasil as políticas econômicas responsáveis pela recuperação daqueles países, que se alicerçam no papel indutor do Estado, no investimento público e na redução das desigualdades.

Na área política, Bolsonaro acelera seus planos de confrontação com a sociedade civil organizada e com os partidos de oposição, por meio da mobilização das PMs, das guardas municipais, das academias policiais, dos clubes de tiro, das milícias, e de passeatas organizadas com ruralistas, caminhoneiros e motociclistas. Seu objetivo é amedrontar e ameaçar o país com um golpe, apoiando-se na tese da fraude eleitoral e do voto impresso.

Esse movimentos evidenciam a necessidade da unidade das forças democráticas e de esquerda para enfrentar Bolsonaro e seu autoritarismo. O quadro foi agravado com a atual crise militar em torno da punição legal e imperativa do general da ativa Eduardo Pazuello que infringiu o Regulamento Disciplinar do Exército e a Constituição ao participar de manifestação política.

Não se trata de uma simples crise de autoridade do comandante do Exército versus a autoridade do presidente da República. O que está em jogo é se vamos aceitar ou não a tutela militar, os militares como árbitros políticos do país, poder moderador, seja como instituição ou por meio de um ou outro general. Ou, no caso, sob o comando de Bolsonaro e “seu exército”.

As mobilizações vitoriosas do 29 de maio não descartam a necessidade da unidade de todos os democratas na luta contra Bolsonaro. Nossa vitória em 22 só será possível se combinarmos as mobilizações com a união, em torno de uma candidatura de esquerda, de amplas forças políticas e sociais capazes de derrotar os planos golpistas de Bolsonaro e realizar um governo de mudanças estruturais.

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