Sem rumo, desde o golpe de Estado, Brasil perde investimentos

Taxa média de investimentos, que seguia em 20,5% do PIB entre 2010 e 2014, sofreu queda brusca para 17,7% até 2020, conduzindo o país à pior década nos últimos 50 anos  

Considerada historicamente baixa para um país como o Brasil, a taxa média de investimento anual no período entre 2011 e 2020 chegou ao menor patamar em 50 anos. Na média da década, o indicador ficou em 17,7% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo um levantamento de Juliana Trece e Claudio Considera, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

O estudo aponta que os países emergentes investem mais que o dobro do Brasil, cuja média é inferior inclusive à dos países da América Latina e Caribe. Em 2020, 87% dos países do mundo apresentaram uma taxa de investimento maior que a do Brasil. E com base nas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a estimativa é de que 89% dos países do mundo (152 entre 171 países) irão superar o Brasil em 2021.

Estimativas divulgadas em abril pelo FMI projetam uma taxa de investimento de 15,4% do PIB para o Brasil neste ano. A média global ficará em 26,7%, e o índice médio das economistas emergentes chegará a 33,2%. Apenas 18 países apresentam projeção de taxa de investimento menor ou igual à brasileira para este ano.

A taxa de investimentos apura as aplicações em máquinas, bens duráveis, aumento da capacidade produtiva, construção civil, infraestrutura e produtos de propriedade intelectual, como pesquisa e desenvolvimento, software e banco de dados. Durante o período 2010-2014, ela se manteve em 20,5% do PIB, chegando a 20,9% em 2013.

Segundo o estudo, a queda começou no segundo trimestre de 2014, embora naquele momento o Brasil ainda fosse a sétima economia do mundo, ostentasse o “grau de investimento” das agências de classificação de risco e mantivesse o mercado a pleno emprego. Em dezembro de 2014, a taxa de desemprego chegou a 4,3% da População Economicamente Ativa (PEA), menor índice da série histórica, iniciada em 2002.

À reeleição de Dilma Rousseff, no fim de 2014, se sucedeu uma profusão de manobras de desestabilização política que culminaram no afastamento da presidenta, em maio de 2016, e a adoção da agenda da “ponte para o futuro”, puxada pela Emenda Constitucional (EC) 95, do teto de gastos. Em 2017, primeiro ano de vigência da PEC da Morte, a taxa anual de investimentos desabou para 14,6%, menor índice da última década.

“Foram quatro anos (2014-2017) de queda real dos investimentos. A maior diferença, considerando os dados anuais, desde 1995, foi de 6,3 p.p. entre os anos de 2013 (20,9%) e 2017 (14,6%)”, descrevem os economistas no ‘Blog do Ibre’.

O tímido crescimento observado em 2020 (16,4%, contra 15,3% em 2019) é considerado um “falso positivo”. Ele ocorreu porque os investimentos medidos pela formação bruta de capital fixo (FBCF) tiveram uma queda menor do que a do PIB no ano passado: 0,8%, diante do tombo de 4,1% da economia, influindo positivamente no cálculo do índice.

Construção foi o segmento mais atingido

O segmento que mais encolheu no período foi a construção, incluindo as grandes obras de infraestrutura nas áreas de energia, transportes e saneamento. Segundo o estudo, a forte redução da contribuição desse componente é a principal explicação para a contração da taxa de investimentos na última década.

“A construção de obras de infraestrutura está em decadência há muito tempo e isso liga um alerta, porque é um setor que emprega muita gente. Investir nesse segmento é importante não só para a atividade econômica, mas também em termos de retomada do mercado de trabalho”, afirmou Trece ao ‘G1’.

O encolhimento dos recursos para construção e infraestrutura é consequência da redução dos investimentos do setor público. Os investimentos diretos do governo federal representaram no ano passado apenas 0,23% do PIB, nível próximos das mínimas registradas entre 2003 e 2004. As estatais federais contribuíram com 1,15%, seguidas pelos investimentos dos municípios (0,75%) e dos estados (0,45%).

“É uma sinuca de bico. Sabemos das dificuldades do setor público, mas o investimento privado também está bem travado dado o cenário de incerteza elevada, não só política e econômica, como também da pandemia. Acho muito difícil ter um investimento mais forte via o segmento privado”, comentou a economista para a ‘Folha de São Paulo’.

Os pesquisadores ressaltam a importância da reversão do cenário dos investimentos de construção. “Para que o PIB possa voltar a crescer a taxas mais robustas e, com isso, possibilitar a redução da taxa de desemprego, é preciso que além dos investimentos em máquinas e equipamentos, a construção mereça atenção”, defendem.

Para este ano, uma eventual melhora nos investimentos seria ainda lenta e distante do nível do início da década passada. “Se a gente conseguisse voltar ao nível de antes da recessão, seria importante, por ser um dos maiores que o país já teve, mas o investimento parece travado”, conclui a economista.

Lava Jato foi decisiva para a queda econômica

Desencadeada no período pré-eleitoral, em março de 2014, a Operação Lava Jato de Curitiba, comandada pelo então juiz Sérgio Moro, causou um estrago econômico e social com imenso impacto sobre os investimentos públicos e privados no país.

Produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a pedido da Central Única dos Trabalhadores (CUT), o estudo ‘Implicações econômicas intersetoriais da operação Lava Jato’ mostra que o país perdeu investimento potencial equivalente a R$ 172,2 bilhões (a maior parte da Petrobras).

Esses recursos poderiam ter levado à criação de 4,44 milhões de empregos. Isso apenas de 2014 a 2017, o período “crucial” da Lava Jato. Além disso, o estudo aponta perda de 3,6% no PIB. Esse percentual superaria o resultado de 2017 a 2019, somado (no ano passado, o PIB caiu 4,1%).

Os estimados 4,4 milhões de empregos perdidos equivalem a 60% das ocupações eliminadas em 2020, considerando a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A maior fatia das vagas perdidas se concentra no setor de construção civil: aproximadamente 1,1 milhão. Além disso, o país deixou de arrecadar R$ 47,4 bilhões de impostos e R$ 20,3 bilhões em contribuições sobre a folha (recursos para a seguridade social).

Com os impactos negativos da redução de investimentos e do emprego, a massa salarial foi reduzida em R$ 85 bilhões. “São 85 bi que poderiam ter circulado na economia, movimentado o comércio, gerando mais empregos e renda”, lamentou o coordenador-técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, durante o lançamento do estudo, em março.

Um ano atrás, os responsáveis pela Lava Jato informaram que a operação havia propiciado a recuperação de R$ 4 bilhões. Nesse caso, os R$ 172 bilhões não investidos corresponderiam a um valor 43 vezes maior. O procurador Deltan Dellagnol declarou que foram recuperados R$ 14 bilhões. Ainda assim, o investimento não feito seria 12 vezes maior. Em grande parte, pela Petrobras (R$ 104,3 bilhões).

O presidente da CUT, Sérgio Nobre, argumentou na ocasião que o foco na Petrobras, principal alvo da operação, derivava de interesses clandestinos camuflados pelo discurso de combate à corrupção. No caso da Petrobras, uma das petrolíferas mais importantes do mundo, o objetivo final era privatizá-la.

Empresas do ramo de engenharia que vinham ganhando destaque e conquistando mercado internacional também se tornaram alvos da operação e sofreram as consequências. Os reflexos se estenderam a setores como comércio e serviços, transportes, alimentação e até, indiretamente, nos serviços domésticos.

“A Lava Jato, a pretexto de combater a corrupção, tinha um outro lado. Tinha um claro projeto político e de poder por trás”, afirmou Nobre. “Não podemos esquecer nunca que a Lava Jato foi o principal cabo eleitoral do Bolsonaro.”

“Foi uma exposição sem precedentes para a marca e para a credibilidade das empresas. Ninguém negocia com empresas expostas na mídia como corruptas, irregulares”, prosseguiu o dirigente, lembrando que a narrativa de que “o PT quebrou o Brasil” tem que ser combatida, porque é uma mentira. “O estudo do Dieese comprova isso.”

“A Lava Jato teve um impacto gigantesco do ponto de vista do que vai ser o futuro do Brasil”, afirma o coordenador-técnico do Dieese. Segundo ele, a partir de 2014, principalmente, foi interrompido um projeto de desenvolvimento nacional, com efeitos econômicos, sociais, políticos e jurídicos.  “O fato de as pessoas estarem pagando quase 6 reais, ou mais, por um litro de gasolina, ou o botijão estar perto de 100 reais tem a ver com a Lava Jato”, exemplificou.

“Quando não há investimento público, a economia tem impacto em cadeia. Por isso tivemos a perda de milhões de empregos em outros setores que não tem a ver com a Lava Jato. Se investimentos tivessem sido feitos, nosso PIB poderia ter sido maior e hoje a economia seria diferente”, concluiu Fausto Augusto Junior.

Fonte: PT

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