São Paulo – “Por que temos de financiar um Bradesco, um Itaú, um Santander, uma Vivo etc… se podemos construir nossas próprias alternativas. Até mesmo os bancos públicos hoje são utilizados para sustentar um projeto que não nos representa.” O questionamento está na base do lançamento, em 18 de dezembro de 2020, do LeftBank, o banco da esquerda. A frase é do diretor-geral dessa fintech – empresa do setor financeiro totalmente digital –, o ex-deputado federal Marco Maia, do Partido dos Trabalhadores, o PT. Ele conta, em entrevista exclusiva à
RBA, que o LeftBank já conta com 2 mil “parceiros”, ou clientes, entre pessoas físicas e jurídicas, nesses cinco meses de existência.
“A ideia surgiu para romper com a dependência que aqueles que defendem os direitos humanos, a ciência, o meio ambiente e os direitos sociais e trabalhistas, por exemplo, têm em comprar serviços básicos de empresas comprometidas com valores que não são os nossos”, afirma Maia. “No Brasil somos mais de 50 milhões de cidadãos identificados com a esquerda. Estamos filiados a sindicatos, associações, cooperativas, organizações sociais etc…”
O ex-deputado federal por três mandatos e ex-presidente da Câmara dos Deputados (2010/2013), com origem no movimento sindical metalúrgico de onde também veio o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, considera que há algumas décadas a esquerda vem construindo alternativas ao modelo excludente do sistema capitalista.
“No Brasil, com a vitória de Bolsonaro, podemos perceber e identificar o verdadeiro posicionamento de vários cases do mercado e do setor econômico. Havan, Madeiro e outros desnudaram um padrão de comportamento que não dialoga com nossas opiniões e posições. Por que continuar consumindo estes serviços? É nesta esteira que surge a proposta, de alguns companheiros e companheiras, de desenvolver um projeto voltado a dar a oportunidade a quem pensa com a esquerda de não mais contribuir com o capital tradicional.”
Sem medo de ser feliz
Sobre as reações dos “companheiros”, diante do projeto de “banco de esquerda”, Marco Maia comenta que a maioria das pessoas apoia, saudando a iniciativa e topando debater a ideia de oferecer produtos e serviços que dialoguem com a causa que defendem. “Quem nos questiona se não é uma contradição um banco de esquerda, digo que temos de ser cada vez mais objetivos e propositivos, vivemos numa sociedade capitalista e enquanto não a mudarmos não podemos fugir”, diz. “Como pessoas de esquerda, temos de disputar essa sociedade, com as armas que ela nos disponibiliza, criando alternativas para mitigar o grande estrago que o capital faz na concentração de renda e na vida das pessoas.”
E exemplifica: “Não adianta eu questionar o capital e fazer uma TED no Bradesco pagando 12 reais. Onde esses 12 reais serão investidos? Todos os meses eu pago a conta do celular e não sei onde este recurso será gasto, com qual projeto ou a qual interesse ele estará a serviço. Precisamos criar uma rede de consumo e produção positiva.”
Sobre eventuais críticas de acirrar a polarização ou ir contra a tendência de diversidade e inclusão, Maia é categórico. “Pelo contrário. Definir um segmento é absolutamente atual. Somos de esquerda e esquerda para nós são valores”, destaca. “Hoje temos mais de 40 milhões de brasileiros que não possuem uma conta bancária. E não possuem porque os bancos tradicionais não os querem. São pessoas à margem da sociedade. Nós os queremos!”
Maia avisa que ninguém será discriminado ou impedido se quiser operar com o LeftBank. “Não há um questionário para saber sua posição política. A transparência baseia nossa operação. Quem discrimina os outros pela sua ideologia não somos nós. Agora, nós temos opinião e posição na defesa dos direitos humanos, da ciência, do meio ambiente, dos direitos sociais e trabalhistas.”
Alternativa à concentração
Além do LeftBank, o projeto do qual Maia participa conta também, desde 27 de abril, com o LeftFone. E serão lançados “em breve” um serviço de proteção veicular, um de seguros e outro na área de saúde. “Todos eles nas mesmas condições e em muitos casos muito melhores que os serviços praticados pelos operadores tradicionais. Por exemplo, no LeftBank os parceiros têm acesso à emissão de boletos de cobrança, transferência entre contas, via SMS, DOC/TED, PIX e cartão de crédito pré-pago”, descreve.
“Hoje é 99% daquilo que oferece um banco tradicional. E em breve chegaremos a 100%. Tudo isso mais barato, sem cláusulas escondidas, de forma transparente e com compromisso social e de classe. Na verdade o que nos falta agora é só oferecer crédito. Mas é um processo. Logo ali já estaremos também com esta funcionalidade. O mesmo acontece com o LeftFone, onde temos atendimento de excelência, cobertura nacional, sem exigência de fidelidade e sem imposições de cadastro”, detalha Maia.
“O LeftBank e a LeftFone são inovações. Representam a modernidade e a ruptura com as estruturas tradicionais. Um banco posicionado que assume seu lado na sociedade. E que já no seu nascimento traz consigo aquilo que de mais moderno existe no mercado”, defende. “Estranho são os cinco maiores bancos do Brasil com lucros absurdos, inclusive nesse momento de desemprego e desalento da classe trabalhadora e da população brasileira. Além disso, inovação, para nós, é oferecer uma alternativa a todas as pessoas de esquerda para que elas não precisem concentrar suas operações nos bancos tradicionais que dizem que as apoiam e dividem lucros bilionários com alguns.”
Contra o fascismo
As conversas em torno da criação dessas empresas de esquerda, em setores onde a direita impera, vem desde 2018, conta o ex-deputado petista. “Conversávamos sobre a ideia de ‘muros de resistência’ a essa ‘onda fascista’ que estava querendo se implantar no país”, lembra. “Por que devemos continuar contribuindo com as instituições tradicionais, que não nos representam e que frequentemente patrocinam interesses diferentes da esquerda e do povo trabalhador? É uma oportunidade de deixarmos de financiar os bancos de direita, as telefônicas de direita e as empresa de direta.”
Fundados pelo advogado Daniel Verçosa Gonçalves, CEO do projeto, e pelo administrador e contador Volnei de Borba Gomes (COO, ou executivo-chefe de operações, braço direito do diretor executivo, o CEO), LeftBank e LeftFone contam com cerca de 10 parceiros envolvidos de forma direta na gestão dos empreendimentos. “Todos eles apostando no projeto”, afirma Maia. “E outras 20 pessoas de forma indireta, vinculadas a agências e empresas que prestam serviços. Somos ainda muito novos, mas queremos cumprir com o que há de melhor em termos de relações sindicais e trabalhistas com nossos trabalhadores e trabalhadoras”, diz, quando questionado sobre a forma de contratação nos empreendimento que dirige.
Sobre valores investidos e expectativa de retorno, Maia desconversa. “O investimento está sendo realizado diretamente pelos sócios, a partir de recursos das suas atividades profissionais. Claro, que como qualquer negócio precisa atingir o equilíbrio para ser sustentável e permitir que possamos investir e apoiar os projetos e iniciativas que dialoguem com nossa causa.”
Fintechs vieram para ficar
O LeftBank, informa Marco Maia, está devidamente regularizado no Banco Central. “Na verdade as fintechs financeiras são uma novidade introduzida no Brasil no governo Dilma Rousseff. A ideia central era a de aumentar o número de bancarizados no país. Foi com esta nova legislação que surgiu o Nubank por exemplo. Nós hoje somos o que o Nubank foi na sua fundação. Temos menos regulação do Banco Central no início e teremos mais a medida que formos crescendo”, explica o diretor-geral dos empreendimentos de esquerda.
Diante do questionamento sobre as preocupações do movimento sindical bancário, com a explosão de fintechs pelo país, Maia afirma: “Como sempre digo, tem movimento que não tem volta. Cada vez mais o cidadão deixa de ir a um banco tradicional. E cada vez mais vai deixar de usar um banco tradicional”. Para Mais, “se não nos mexermos os bancos tradicionais vão agir como se fintechs fossem, ou bancos digitais”, diz, lembrando: o Bradesco comprou o C6 e mais uns dois. O Original da JBS comprou PIC Pay, o Votorantin o Neon, a Pag seguro criou o seu, e por aí vai”.
Vai mesmo. Segundo o relatório Fintechs Distrito Report 2020, outras recentes aquisições envolvem o BTG Pactual, que comprou o CredPago; o Votorantim, adquiriu o Just; o Itaú, a Pravaler. Até o grupo Globo entrou no negócio, em 2017, comprando parte da Órama, umas das maiores fintechs de investimento do Brasil.
A economista Ana Carolina Tosetti, mestranda em Administração com foco no tema fintechs, considera positiva a iniciativa. “Em primeiro lugar acredito na concorrência por meio da inovação. O setor financeiro tradicional é extremamente concentrado, mas a habilidade e qualidade dos serviços flexíveis e exclusivos que as fintechs estão criando conferiram a esses jovens e ainda pequenos para o setor nichos fiéis do mercado financeiro.”
Ela lembra que a maior expansão das fintechs ocorreu em função da crise de 2008. “Quando o Lehman &Brothers quebrou e assim quebrou várias outras instituições, os norte-americanos se perguntaram serão as instituições financeiras tradicionais seguras para investir? Isso abriu espaço para as fintechs que já estavam se apropriando da tecnologia do comércio eletrônico e eram empresas em que se conheciam os donos e não faziam empacotamento de dívida (como fizeram os grandes bancos que levaram à crise internacional).”
Para a economista, os sindicatos de trabalhadores devem estreitar laços com estes “trabalhadores criativos”. Afinal, as fintechs têm sido espaços para onde alguns bancários tradicionais acabaram migrando, lembra Ana Carolina. “No caso específico do Leftbank parabenizo a característica de alinhar a tecnologia aos princípios da esquerda como solidariedade, igualdade e justiça social. O setor apresenta um crescimento expressivo. Espero que esta iniciativa incentive jovens de esquerda a se dedicarem a esse segmento rentável e muito importante para o desenvolvimento.”