Autor de artigo “Chegou o Comunavírus”, Ernesto Araújo negou que seu comportamento tivesse contribuído para o estremecimento das relações com a China
O ex-chanceler Ernesto Araújo confirmou em depoimento à CPI da Covid, nesta terça-feira (18), que o presidente Jair Bolsonaro pediu ao Ministério das Relações Exteriores para viabilizar um telefonema entre ele e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. O intuito do contato era conseguir a liberação de insumos farmacêuticos para a produção de hidroxicloroquina por laboratórios brasileiros. Além disso, Araújo também afirmou que, desde março do ano, o Ministério da Saúde pediu o engajamento diplomático com os indianos para a liberação desses insumos. “O Ministério da Saúde foi quem nos pediu que buscasse viabilizar essa importação”, frisou o ex-chanceler.
Tratativas nesse sentido continuaram até junho, mesmo depois de sociedades médicas já terem desaconselhado o uso do medicamento, por conta dos seus efeitos colaterais graves. Ele confirmou, inclusive, a troca de telegramas com o embaixador do Brasil na Índia, na busca pelo medicamento. As negociações beneficiariam, em especial, o empresário Renato Spallicci, dono da farmacêutica Apsen.
Contudo, Araújo tentou se eximir de responsabilidades, alegando que a hidroxicloroquina é usada para doenças crônicas e seu estoque havia baixado. “Isso independente da eficácia para a covid”, destacou. Segundo ele, o Ministério da Saúde teria informado que os estoques do medicamento haviam se reduzido perigosamente.
Ele também afirmou que as 2 milhões de doses de hidroxicloroquina que chegaram ao país em julho dos Estados Unidos não foram solicitadas pelo governo brasileiro. “Foi um oferecimento de autoridades americanas”, declarou o ex-chanceler. Contudo, o Ministério das Relações exteriores chegou a comemorar a chegada desse carregamento. Este seria utilizado como “profilático para ajudar a defender enfermeiros, médicos e profissionais de saúde do Brasil contra o vírus”, segundo nota do ministério.
Spray em Israel
Ernesto Araújo também foi perguntado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da Comissão, sobre a viagem de uma delegação brasileira a Israel, em março. De acordo com o ex-chanceler, a viagem a Israel foi feita a convite do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu. O intuito seria “antecipar a cooperação para ter acesso a medicamentos para o tratamento da covid-19”. Em especial, os brasileiros seriam apresentados a um spray nasal que estava ainda em fase inicial de testes. Um mês depois, o Itamaraty reconheceu que não houve acordo com os israelenses para a aquisição do alegado medicamento.
Além de Araújo, que foi repreendido por uma autoridade israelense para que usasse máscara num dos eventos diplomáticos, também participaram da missão o assessor internacional da presidência, Filipe Martins, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O ex-chanceler admitiu que ambos influenciavam na condução da política externa.
Além disso, Martins, junto com outro filho do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), teria participado de uma reunião com representantes da Pfizer para a negociação de vacinas.
Comunarívus
Em abril, o então chanceler publicou em seu blog artigo intitulado “Chegou o Comunavírus”. Nele, Araújo afirma que o vírus o “globalismo” teria se aproveitado da pandemia como “uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade”. Apesar do conteúdo, o ex-chanceler negou que esta e outras declarações desse tipo tivessem causados danos nas relações entre o Brasil e a China. “Não entendo nenhuma declaração que eu tenha feito como antichinesa”, disse. Não houve impacto”, frisou.
Essa declaração irritou o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid. “Dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade. Falou em ‘comunavírus’. Até bateu boca com o embaixador chinês”, destacou. Aziz atribuiu a esse tipo de comportamento, além das declarações em série de Bolsonaro contra a China, o atraso no envio de insumos para as vacinas.
Araújo negou novamente e afirmou que chegou a enviar carta ao ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi, solicitando a liberação dos insumos para a produção de vacinas. Mas confirmou que não tratou do tema com o embaixador chinês no Brasil, Yang Wanming. A postura foi novamente criticada pelo presidente da comissão, que denunciou a lentidão das tratativas por carta, diante da urgência da situação. “Eu, no seu lugar, iria à embaixada chinesa. E pediria para ligar na hora para uma autoridade que pudesse auxiliar na liberação. Era esse o seu papel.”
RBA