Dados do Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 mostram que o total de mortes registradas é de 1031
O número de gestantes e puérperas vítimas da covid-19 em 2021 já é maior que o total de óbitos registrados ao longo do ano passado inteiro. Somente nos quatro primeiros meses deste ano, já foram registradas 575 mortes, enquanto de março a dezembro do ano passado foram 456 óbitos.
De acordo com as informações atualizadas na quarta-feira (5) pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19, que compila dados sobre a fatalidade e incidência da doença respiratória entre gestantes e puérperas, o total de mortes entre os grupos chega a 1031.
A plataforma apresenta índices de várias bases públicas atualizadas semanalmente. Entre elas, o Sivep Gripe (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe) e dados sobre nascidos vivos e de mortalidade materna.
“Se formos analisar os números semanais, no ano passado tínhamos 10 mortes maternas por semana. E agora registramos a média de 33 mortes maternas por semana, um aumento de 233%”, afirma Rossana Francisco, uma das criadoras do Observatório e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP).
Em entrevista ao Brasil de Fato, Francisco explica que o aumento se dá em um contexto já fragilizado. Em 2019, a taxa de mortalidade materna no Brasil foi de 55 para cada 100 mil bebês nascidos vivos. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que esse número deve ser inferior a 20.
O cenário brasileiro se agrava diante do descontrole da pandemia e do surgimento de novas variantes do vírus, com potencial ainda mais alto de transmissão.
No fim de abril, o Ministério da Saúde determinou que tanto grávidas quanto mulheres que estão no período pós-parto, o chamado puerpério, são do grupo prioritário para a vacinação contra a covid-19.
Segundo a obstetra, que também leciona na Faculdade de Medicina da USP, a imunização, isoladamente, não é suficiente para enfrentarmos o aumento da mortalidade materna, sendo necessário o fortalecimento de uma estrutura sólida na rede pública para atender essas mulheres.
“Se quisermos mudar essa realidade, não basta só vacinar. É muito importante que os gestores consigam fazer um fluxo de atendimento que seja adequado para essas gestantes e puérperas para podermos reduzir não só a mortalidade materna pelo covid, mas a mortalidade materna geral do país, que são bastante elevadas.”
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: A informação de que as mortes maternas de 2021 já ultrapassam as do ano passado inteiro é muito alarmante. Poderia nos detalhar quais foram os números e quais fatores levaram a esse aumento?
Rossana Francisco: Quando olhamos o total, estamos com o número que já ultrapassa 1000 mortes maternas. São 1031 desde o início da pandemia. No ano de 2021, já temos 575 mortes maternas, sendo que no ano de 2020 tivemos 456, um aumento importante.
Se formos analisar os números semanais, no ano passado tínhamos 10 mortes maternas por semana. E agora registramos a média de 33 mortes maternas por semana, um aumento de 233%.
Para pensar os motivos para isso, temos que dividir o histórico de uma morte materna bastante elevada no Brasil. A razão de morte materna ultrapassa valores acima de 50. Em 2019, foram 55. Enquanto o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta são razões de morte materna inferiores a 20.
Isso significa que, antes do covid, nós já tínhamos fragilidade no sistema de saúde no que se relaciona a atenção à gestante e à puérpera. Agora, com o sistema sobrecarregado pela covid, essa fragilidade no tornou ainda maior, nos levando a essa triste realidade com número elevado de mortes maternas.
O coronavírus realmente se manifesta em suas formas mais graves entre esses dois grupos de mulheres? Por que?
No início da pandemia, acreditava-se que as gestantes não teriam risco maior de complicações, mas a partir de novembro de 2020, houve uma publicação do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC/EUA) mostrando que quando as gestantes são infectadas pela covid, têm maior risco de precisarem de UTI, de intubação endotraqueal e maior risco de óbito.
Isso pode estar relacionado às alterações que existem no organismo da mulher quando ela está gestante. Já temos várias alterações cardiovasculares e pulmonares que acontecem em qualquer gestação normal, mas que podem levar a um risco maior de complicações quando essa gestante adquire a covid-19.
Como avalia a inserção de todas as gestantes e mulheres no período pós-parto no grupo prioritário da imunização? Foi uma decisão tardia?
É uma decisão do que é possível neste momento. O primeiro grupo vacinado é o grupo de maior risco, o de idosos. Houve uma necessidade de um tempo maior até para que as pessoas pudessem entender mais da vacina. E mesmo nesse momento, qual o motivo da inserção das gestantes e puérperas nos grupos prioritários? É o reconhecimento de que, realmente, temos uma mortalidade bastante elevada no Brasil para esse grupo.
Temos que analisar a situação de cada país, de cada momento, inclusive para poder entender quais são os grupos de maior risco. E não estou falando só de gestantes, mas de diabetes, de obesos. Houve uma necessidade desse entendimento, o que é relacionado, também, ao número baixo de vacinas que temos. Se tivéssemos um número elevado de vacinas disponíveis, não precisaríamos escolher tanto os grupos prioritários, poderíamos vacinar um número maior de pessoas.
Considerando o total de óbitos, qual o perfil dessas mulheres? Os casos estão pulverizados em todo o país?
Temos algo que é comum em todo país. Existem alguns locais onde a mortalidade é maior, o que é relacionado à estrutura de atendimento. A inexistência de Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
Em relação ao perfil das pacientes, sabemos que elas apresentam algumas doenças, gestações com risco maior. Existe esse risco maior para quem tem doença cardiovascular, para quem tem diabetes, obesidade. Gestantes com essas doenças acabam tendo risco mais elevado para mortalidade.
Mas também é importante dizermos que essa mortalidade acontece em todas as faixas etárias e em todos os trimestres da gravidez, havendo um risco maior no segundo trimestre e nos 42 dias após o parto que é o período que chamamos de puerpério.
Observatório também traz dados sobre o não acesso às UTIs. Quais são as principais informações sobre isso?
Nós trabalhamos com dados oficiais, então são dados do Sivep Gripe liberados pelo Ministério da Saúde. O que temos é que 23% dessas gestantes não tiveram acesso à UTI e mais de 30% não tiveram acesso à intubação endotraqueal. Isso relacionado às gestantes que morreram, não ao total de gestantes infectadas.
Isso demonstra um problema que temos no sistema de saúde, específico em relação aos atendimentos das gestantes e puérperas.
Alguns estudos apontaram que gestantes vacinadas podem transmitir anticorpos para os filhos. O que pode nos dizer sobre isso?
Já é bastante conhecido na literatura que toda vez que uma gestante produz anticorpos tipo IgG, eles se transportam e ultrapassam a barreira da placenta, chegando até o recém nascido e ao feto.
Qualquer doença que produz esses anticorpos leva a passagem desses anticorpos para as crianças. O que não sabemos ainda é se essa passagem é feita em um número suficiente para garantir imunidade a esses recém nascidos e por quanto tempo ela irá permanecer.
Considerando que a vacinação caminha a passos lentos no país, qual a perspectiva para esse grupo?
Eu acredito que não é só a vacinação. A nossa ideia, quando criamos o Observatório, era a de tornar os dados públicos para a população, para a imprensa e principalmente para os gestores, para que eles possam analisar como fazer essa rede de atendimento.
Se quisermos mudar essa realidade, não basta só vacinar. É muito importante que os gestores consigam fazer um fluxo de atendimento que seja adequado para essas gestantes e puérperas para podermos reduzir não só a mortalidade materna pelo covid, mas a mortalidade materna geral do país, que são bastante elevadas.
Quais são as orientações para essas mulheres, agora que estão no grupo prioritário para a vacinação?
As principais são que elas continuem tomando cuidado, continuem usando máscara, evitando aglomerações. Que façam as festas típicas da gestação de forma online, que façam por videoconferência o chá revelação, o chá de bebê.
Que tendo a oportunidade de vacinar, que a procurem, mas que continuem se cuidando mesmo que vacinadas. E que não deixem de frequentar as consultas de pré-natal, os exames de pré-natal, e que caso haja qualquer sintomatologia de covid, procurem o serviço de saúde para que possam ser atendidas rapidamente e de uma forma adequada.
Fonte: Brasil de Fato