José Dirceu
O cenário ainda é de muitas dúvidas. A questão central é se a centro-esquerda e a esquerda serão capazes de se reunir em torno de Lula e construir uma candidatura à Presidência da República para vencer o bolsonarismo. Uma candidatura que seja uma alternativa ao nome que for colocado pela direita liberal.
Não vejo como o país pode conviver com Jair Bolsonaro e seu governo até 2022. Se por acaso chegar lá, ele será derrotado nas eleições presidenciais, com certeza no 2º turno. Ele não tem como reunir apoio para a continuidade de uma ação deliberada que levou já o nosso país a uma tragédia humanitária. No exterior, não somos apenas párias, mas uma ameaça real a outros países fruto da política negacionista e criminosa do presidente da República.
Assistimos ao colapso do sistema de saúde público e privado, dos IMLs, dos cartórios de óbitos, das funerárias e cemitérios e a morte de dezenas de milhares de brasileiros e brasileiras que poderiam ser evitadas. Nosso país tem um dos melhores e maiores sistemas de saúde –o SUS– e capacidade de vacinar toda sua população em alguns meses. Tem instituições e cientistas para produzir sua vacina. Só não o fizemos por irresponsabilidade e sabotagem do presidente da República.
A recente decisão do ministro Edson Fachin e a provável decisão da 2ª Turma do STF mudaram radicalmente o cenário político do país. E mesmo o estado de espírito e ânimo da população, trazendo de volta a liderança de Lula e seu discurso de união, luta contra a pandemia, apoio e socorro à população desesperada que já passa fome, luta contra o desemprego.
Hipóteses em jogo
Há muitas questões em aberto. Até quando haverá apoio implícito das Forças Armadas a Jair Bolsonaro? Até quando o Congresso e o Judiciário aceitarão sua escalada negacionista, a constante mobilização contra a vacina e o isolamento, como vimos no final de semana que passou?
O capital financeiro, o empresariado e as classes médias conservadoras cosmopolitas vão seguir apoiando Bolsonaro? Ou acompanharão setores da mídia e das classes médias que o abandonaram e buscam uma saída sem ele, mas que preserve sua política neoliberal e garanta seus interesses e privilégios?
Serão a esquerda e centro-esquerda capazes de se reunir em torno de Lula para vencer o bolsonarismo e eleger o presidente da República, construindo uma alternativa à direita liberal que busca um nome para retomar de Bolsonaro o eleitorado que abandonou a coalizão PSDB-DEM em 2018?
O centrão que, hoje, sustenta o governo Bolsonaro já aprovou a independência do BC, a liberalização do câmbio, a constitucionalização — via PEC 186 — do ajuste fiscal permanente, e continua privatizando setores estratégicos da economia. Deverá apoiar sua reeleição se consolidando como o fiel da balança na Câmara dos Deputados, ou vai abandonar o barco quando começar a fazer água?
Haverá alguém com a experiência de Lula, sua liderança aqui e no exterior, sua capacidade de diálogo e negociação, sua determinação, seu apoio social, eleitoral e mesmo institucional para a travessia? Uma transição que o Brasil exige e necessita após o trauma de um governo militar e de extrema direita.
Estaria o país disposto a uma nova aventura tipo Sergio Moro, que não escondeu seu autoritarismo e desprezo pela legalidade, ou Luciano Huck, ambos sem nenhuma experiência executiva? DEM e o PSDB estariam dispostos a renunciar a uma candidatura viável para apoiar Huck, Henrique Mandetta ou mesmo Ciro Gomes, este de centro-esquerda acostando o alambrado da direita, como diria Brizola?
Dada a gravidade da crise social e sanitária, não está afastada a queda da popularidade de Bolsonaro e sua derrota no 1º turno ou mesmo o surgimento de candidaturas salvacionistas como a de Moro, que não devemos subestimar pelo que mostram as pesquisas. Mesmo com desmascaramento da Lava Jato, suas flagrantes ilegalidades e objetivos políticos que a própria Suprema Corte expôs em duas decisões recentes.
Para superar o bolsonarismo
Não creio que possamos superar o bolsonarismo e seu autoritarismo sem uma radical reforma econômica e política, sem atacar a desigualdade social e sem reformar nossas instituições. A reforma tem que começar pelo Judiciário; passar pelo Legislativo com um novo sistema eleitoral e partidário; e chegar ao Ministério Público.
É preciso também devolver às Forças Armadas para os quartéis e afastar de vez o risco da tutela militar. Radicalizar nossa democracia é a única saída para evitar os golpes e ditaduras.
Sem dúvida, o candidato capaz de realizar esse programa é Lula e o partido capaz de formar uma coalizão mais ampla que a esquerda é o PT. Mas é preciso que as esquerdas estejam à altura do desafio. Lula, em sua histórica entrevista após a extinção de suas condenações, provou que sim. Mas vivemos um período de crise de hegemonia e política, efeito da aventura bolsonarista fruto do golpe de 2016, da Lava Jato, da proscrição ilegal de Lula. Os atores e forças sociais e políticas terão que conquistar a maioria dos brasileiros e brasileiras para seus projetos e programas.
É preciso que tenhamos humildade e abertura para o diálogo para superarmos as divergências e promover um reencontro de nossas forças.
Da parte do PT e de Lula, o caminho está traçado para 2022. A caminhada começa imediatamente com ações objetivas para derrotar a política negacionista e criminosa do governo, com a mobilização do país para enfrentar e derrotar a pandemia, salvar vidas e evitar a fome e o desespero. Para, enfim, dar esperança e segurança aos milhões de desamparados e abandonados à sua própria sorte pelo governo Bolsonaro, que deverá responder por seus atos e ser impedido de continuar atentando contra a democracia e a vida.