Por Antonio E. Ribeiro*
Paira no ar uma estranha sensação de que está sendo tramada nos bastidores de Brasília uma reversão da decisão de Fachin quanto à anulação das condenações de Lula proferidas pelo ex juiz Sérgio Moro. A decisão de Fachin entendeu que as acusações contra Lula, por não envolverem estritamente a Petrobrás, não cabia ao juízo de Curitiba. Então, depreende-se que a decisão foi técnica e em linha com outras do STF de retirar de Curitiba outros réus que não estavam exclusivamente vinculados à Petrobras.
Porém, a decisão assegurou os direitos políticos de Lula e o tornou um fortíssimo presidenciável em 2022, com possibilidades concretíssimas de se eleger novamente para a presidência da república. Ocorre que isto provoca arrepios em setores da sociedade extremamente conservadores e de extrema direita, dentre os quais, infelizmente, se coloca parte das Forças Armadas, que, em função muito particular de o governo Dilma ter tido a coragem de promover a Comissão Nacional da Verdade, não admitem que o PT venha a ocupar novamente a presidência do país, em uma clara demonstração de interdição democrática.
A CNV foi instituída na busca de esclarecer fatos ocorridos durante a última ditadura brasileira (1964-1985) que ainda permaneciam soterrados por um pacto sinistro feito quando do fim daquela ditadura, pacto este que acabou por jogar para debaixo do tapete estas sensíveis questões. Diz-se na mídia que boa parte dos militares consideraram que a CNV teria sido atitude de revanchismo, o que teria causado uma intensa ojeriza destes setores das Forças Armadas.
Eu tenho temores de que isto possa produzir mais uma injustiça contra o ex presidente Lula: o STF reverberar o interesse destes setores que o querem fora da disputa presidencial, o que, caso ocorra, pode produzir mais uma inflexão absolutamente injusta e incoerente do tribunal para com Lula.
É triste perceber que caso isto venha a ocorrer, possa ser mais uma derivação da indisposição das instituições brasileiras em enfrentar as graves fissuras do período ditatorial, em um pacto de silêncio que permite que as Forças Armadas ainda pairem sobre a democracia brasileira como uma tutora, o que constitui-se uma distorção gravíssima.
Vizinhos nossos que também passaram por situações análogas de ditaduras tiveram a coragem de se olhar frente a frente e fechar as feridas, imputando as responsabilidades pelas violações dos direitos humanos aos responsáveis, o que não significou uma demonização da instituição Forças Armadas, de modo que estas não devem ser tratadas monoliticamente.
A Argentina e o Chile fizeram seus processos de revisão de suas ditaduras, condenaram os culpados, e de certa forma a sociedade se sentiu melhor e avançou institucionalmente e em termos de cidadania. Agora, nos últimos dias a Bolívia, que passou por um golpe muito recentemente (20190, em que pese ser considerada uma sociedade menos avançada institucionalmente que a do Brasil, está tendo a coragem de imputar as responsabilidades aos delitos produzidos por aquela quebra constitucional a quem de direito.
Enfrentar os fantasmas do passado ditatorial brasileiro, embora já tarde, precisa ser encarado, pois, a não efetivação disto produz as distorções e aberrações como a tornada pública recentemente: a ação do então comandante do Exército Brasileiro, Gen. Villas Boas, para que Lula permanecesse na condição de inelegível em 2018, o que acabou por produzir a tragédia que hoje se abate sobre o país, materializada no desgoverno Bolsonaro.
Antonio E. Ribeiro – diretor Fetec/CN