A Operação Greenfield agoniza após abusos de autoridade e erros processuais

A Greenfield e seus tentáculos pegaram carona na CPI dos Fundos de Pensão. Cinco anos depois, tem pouco a mostrar. O procurador Celso Três a chama de “cadeira elétrica”

Nascida na esteira da Lava Jato e contaminada pelos mesmos métodos da força-tarefa de Curitiba, a Operação Greenfield começa a se decompor e o odor não é dos melhores. Como a “irmã” mais famosa, a investigação sobre desvios nos fundos de pensão, quase cinco anos depois, exala abusos de autoridade, vícios de origem e uma guerra política em torno da recondução ou não, em setembro, do procurador-geral, Augusto Aras.

A força-tarefa da Greenfield nasceu da CPI dos Fundos de Pensão instaurada em 2015 no Congresso para apurar supostas irregularidades nas fundações patrocinadas por empresas públicas ou de economia mista, entre elas Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), Postalis (Correios) e Previ (Banco do Brasil).

À época, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, usava a comissão para fustigar o governo de Dilma Rousseff. A CPI, bancada por Cunha, visava exclusivamente as administrações de governos petistas e foi intencionalmente limitada aos períodos de 2003 a 2015. Ao lado da CPI do BNDES, formava uma fonte constante de notícias negativas, grande parte não comprovada, que insuflou os protestos a favor do impeachment da petista.

Apesar de pouco consistentes, os resultados da CPI embasaram em 2016 a criação da Operação Greenfield, batizada com um jargão do mercado financeiro que se refere a investimentos em empresas ou projetos novos, não maduros. Os procuradores encarregados da força-tarefa copiaram os métodos dos colegas de Curitiba, mas as disputas internas e a inoperância impediram que a apuração virasse um sucesso de bilheteria. Em meados do ano passado, sem grandes avanços, o procurador Anselmo Lopes deixou o grupo. Alegou interferência indevida de Aras, que teria desidratado a força-tarefa ao remeter os integrantes da equipe aos estados de origem.

A PGR, que prorrogou a Greenfield até o fim deste ano, rebateu por meio de nota na qual alega que, desde o abandono pelo procurador de origem, tenta manter a investigação de pé.

“Desde que o procurador natural do caso pediu para sair, no ano passado, a PGR tem buscado soluções. Depois de não ter êxito na Procuradoria do Distrito Federal, onde nenhum membro quis assumir o caso, a PGR abriu edital e encontrou um novo procurador natural para as investigações, que é quem pode solicitar designações para eventuais auxílios.”

Diante do desinteresse da corporação, o procurador Celso Três, do Rio Grande do Sul, acabou indicado para a vaga, mas pediu suspeição após sugerir mudanças no andamento da operação e na redistribuição das ações que estavam sob o escopo da equipe no Distrito Federal. Ele chegou a descrever a Greenfield como uma “cadeira elétrica” que ninguém quer assumir. A operação virou um grande elefante branco, pesado demais para carregar.

Um balanço divulgado pela Procuradoria-Geral da República mostra que 55% das ações planejadas na operação estão pendentes: das 189 macroações, apenas 84 foram executadas. Além disso, apenas 22% do alegado prejuízo aos cofres públicos foi repatriado. Desse total, somente seis ações teriam de fato relação com o objeto inicial da denúncia. Operações derivadas como a Patmos, a Sépsis e a Cui Bono, entre outras, tratariam de outros crimes sem conexão com o foco da Greenfield.

Outra crítica feita por especialistas concentra-se nos vícios de origem que teriam levado à instrumentalização do Ministério Público Federal. Os fundos de pensão são entidades de natureza privada, regulamentados pelo artigo 202 da Constituição Federal. Por esse motivo, são dotados de governança, comissões e órgãos específicos de controle e fiscalização. Ou seja, não se justificaria a ação da Procuradoria em casos de reparação de prejuízo a entes privados.

“O MP não pode se tornar cobrador de contas. Existe ainda outra sutileza: os fundos, no que chamo de drible da vaca, ou seja, para evitar honorários e grandes perdas em ações judiciais, provoca o Ministério Público para que faça tais cobranças”, afirma o jurista Lenio Streck.

Os tais “rombos” nos fundos podem, além do mais, não ter passado de prejuízos contábeis típicos da natureza dos chamados Fundos de Investimentos em Participações. Segundo a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, após a crise econômica de 2015 e 2016, o setor de fundos de pensão apresentava um déficit global de 55 bilhões de reais, com resultados negativos em 93 instituições. Apenas 133 pequenas entidades registravam superávit, de 16 bilhões. Como o valor das empresas brasileiras despencou por conta dos dois anos de recessão profunda, a cota de participação nesses empreendimentos teve o mesmo destino.

“Não havia rombo, o que havia era um déficit no mercado global, fruto da redução no crescimento econômico do Brasil e do mundo, queda no valor das commodities brasileiras, com destaque para petróleo e minério de ferro, perda de valor das ações de empresas listadas na Bolsa de Valores. Assim fizeram de nós, dirigentes dos fundos de pensão, delinquentes de colarinho-branco. Agora a operação não anda, eu estou há cinco anos sem poder dar aulas e minha vida foi destruída”, conta um ex-dirigente que prefere não se identificar.

Celso Três chegou a enviar um ofício à Procuradoria-Geral no qual sugere a declinação imediata de tudo o que não for ato lesivo direto e imediato aos fundos de pensão, o repasse da investigação à Polícia Federal e a formatação de acordos de não persecução penal. Por conta dessa avaliação, Três foi acusado de querer minar a operação e acabou por pedir exoneração do comando da Greenfield.

A operação tentou criar até um fundo bilionário nos moldes propostos pela Lava Jato de Curitiba, lastreado no equivalente a 2,6 bilhões de reais de multas aplicadas à Petrobras nos Estados Unidos, iniciativa barrada pelo Supremo Tribunal Federal. Os recursos, por ordem da Corte, foram direcionados ao combate à pandemia. No caso da Greenfield, a força-tarefa queria amealhar 2,3 bilhões de reais, fruto do acordo de le­niência da J&F, montante que seria administrado pelo Ministério Público e pela ONG Transparência Internacional.

Em nota divulgada em 2019, quando a proposta veio à tona, a Transparência Internacional negou a capacidade para gerenciar um fundo desse porte e declarou ter assinado “um Memorando de Entendimento com o Ministério Público (forças-tarefas das operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca) e com a J&F para apresentar recomendações de institucionalização dos procedimentos e melhores práticas de governança, transparência e integridade na gestão dos recursos destinados ao investimento social”. Também rebateu o ministro Gilmar Mendes, do STF, que classificou a ONG como cúmplice da Lava Jato nos abusos cometidos e revelados pela Vaza Jato.

Nos bastidores dessa disputa, está o comando da Procuradoria-Geral da República. A ala “lavajatista” do Ministério Público não vê com bons olhos a postura de Aras e tenta pressionar Jair Bolsonaro a respeitar a escolha do mais votado pelos pares na lista tríplice de indicações.

CartaCapital entrou em contato com a PGR. O pedido de informações foi encaminhado ao Ministério Público do Distrito Federal, mas não houve resposta até o fechamento desta edição. Para o jurista Lenio Streck, ou ferramentas de otimização como as propostas por Celso Três são aplicadas ou a Greenfield morrerá em si mesma. “Foi o que chamamos de tosa de porco. Muito grito e pouca lã. O fato é que alguém precisa reduzir os danos dessa operação.”

Publicado na edição n.º 1145 de CartaCapital, em 19 de fevereiro de 2021.

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