Administração das aposentadorias e pensões das servidoras e servidores públicos (RPPS) pelo INSS – Pode isso?

Sem qualquer diálogo com as servidoras e os servidores públicos ou sindicatos que os representam, como tem ocorrido ao longo desses últimos anos, o governo passou a gestão das aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais para o INSS.

O Decreto nº 10.620/2021 é polêmico e tem gerado revolta e dúvidas. Nesse texto, ajudamos a compreender o alcance e o problema jurídico dessa alteração.

Qual objetivo do decreto?

Alterar a competência para concessão e manutenção das aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência Social da União.

Centralizar as atividades de concessão e manutenção das aposentadorias e pensões no órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC e no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Quais servidores serão afetados com a medida?

Os servidores públicos federais civis da União, vinculados ao Poder Executivo, ativos, aposentados e pensionistas.

Como serão afetados?

O Decreto desvincula os servidores do órgão de origem.

Aos vinculados à União que ocupam cargo no Executivo, deverão buscar a concessão de suas aposentadorias no SIPEC. Aos vinculados às autarquias e fundações, deverão buscar a concessão de suas aposentadorias no INSS.

A maior parte dos servidores federais são vinculados a alguma autarquia ou fundação, a exemplo, agências reguladoras, superintendências de desenvolvimento, departamentos de infraestrutura, institutos nacionais, universidades federais e centros federais de educação tecnológica.

A desvinculação trará dificuldades para o novo órgão gerir esses pedidos. Isso porque cada órgão guarda os registros funcionais, carrega histórico muitas vezes não digitalizado e conhece as peculiaridades da carreira. Além disso, há o distanciamento que dificultará a solução dos eventuais problemas.

O maior impacto será no tempo para concessão da aposentadoria e pensão. Hoje, o INSS acumula atraso na prestação dos seus serviços ordinários, sofre com falta de servidores, enfrenta dificuldades no processo de digitalização e demora de forma acentuada para conceder aposentadorias e benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Ademais, o Regime Próprio de Previdência Social possui diversas regras em razão das sucessivas alterações constitucionais e a composição do salário dos servidores é distinta para cada carreira.

Portanto, desvincular a concessão e manutenção da aposentadoria e pensão dos órgãos de origem gerará mais transtorno aos servidores e maior carga de trabalho ao INSS, que já não suporta o volume de demandas do RGPS, quiçá a nova demanda vinda do RPPS.

Quais outros problemas com essa mudança?

Além dos já apontados, repita-se: a) dificultar o acesso aos servidores e b) maior comprometimento da estrutura do INSS (que impactará também na prestação de serviço a toda sociedade), o Decreto foi uma forma autoritária de modificar as estruturas do funcionalismo público e o acesso à aposentadoria, desvirtuando a regra constante no § 20 do art. 40 da Constituição.  

Para compreender, é necessário conhecer um pouco do SIPEC e do contexto histórico desse Decreto.

O SIPEC foi criado pelo Decreto nº 67.326/1970 com o objetivo de gerenciar cadastro, normatizar e expedir orientações, classificar e distribuir carreiras, organizando as atividades de administração pessoal do serviço civil do Poder Executivo, integrado por todas as unidades organizacionais, de qualquer grau, incumbidas especificamente das atividades de administração de pessoal da Administração Direta e das Autarquias.

Até então cada órgão era responsável pela concessão e manutenção das aposentadorias e pensões.

Esse movimento de centralizar a gestão na concessão da aposentadoria e pensão se iniciou no governo do presidente Michel Temer, com o Decreto nº 9.498/2018, agora revogado.

A centralização da concessão e manutenção das pensões e aposentadorias dos servidores vinculados ao SIPEC no Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, hoje Ministério da Economia, vinha sendo realizado de forma paulatina e tinha a data limite para ser completada até 1º de fevereiro de 2022 e contemplava apenas alguns servidores vinculados aos Ministérios.

O que nos parece é que, mal acabou o trabalho de centralização, a administração pública decidiu dividir os servidores, descentralizando o que sequer tinha sido centralizado.

O grupo menor, basicamente aqueles que já estavam sob a gerência do Ministério da Economia, permanece lá no SIPEC; os outros servidores, mais numerosos, ficarão sob a competência do INSS.

Nomeando como “desburocratização”, o presidente Michel Temer criou uma centralização desnecessária e o atual governo, para reduzir o trabalho em implementar a centralização, “passou a bola” para o INSS, que “está sem condição de jogo”, na linguagem do boleiro.

Sob o ponto de vista da motivação do ato administrativo e da eficiência, essa alteração também não se justifica, já que o INSS não tem a especialidade para desempenhar essa função, tampouco capacidade estrutural. Ainda, não havia nenhum problema na concessão da aposentadoria/pensão pelo órgão.

E por que o governo fez essa mudança?

Oficialmente, não se sabe exatamente o motivo dessa mudança toda, mas vamos te contar a real intenção com base em movimentações que não são coincidências.

O Decreto distorce o conteúdo do parágrafo 20 do art. 40 da Constituição federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que veda a existência de mais de um regime próprio de previdência social e de mais de um órgão ou entidade gestora desse regime em cada ente federativo.

Como ainda não existe a Lei Complementar que estabelece critérios, parâmetros e a natureza do órgão gestor, o Decreto nº 10.620/21 se antecipou para dizer, no inciso I do art. 1º, que não dispõe sobre o órgão ou a entidade gestora única do regime próprio de previdência social, no âmbito da União, de que trata o § 20 do art. 40 da Constituição.

Mas veja. Se ele dispõe sobre a) competência para a concessão e a manutenção das aposentadorias e estabelece b) que as atividades serão realizadas I – pelo órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec, quanto à administração pública federal direta; e II – pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, quanto às autarquias e às fundações públicas, o que ele está fazendo, na verdade, é centralizar as atividades do RPPS em dois órgãos distintos, mesmo que tenha mencionado que não se trata do § 20 do art. 40 da CF/88, manobra expressamente vedada e inconstitucional.

É o famoso “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Por fim, o que nos cabe concluir é que o objetivo de tal medida, longe de desburocratizar, tende a dificultar o acesso da servidora e do servidor civil público federal à aposentadoria e pensão, bem como a manutenção do pagamento, principalmente aos aposentados e pensionistas que têm direito à paridade. Por consequência, haverá represamento da força de trabalho já que, até o ano de 2030, 35% dos servidores públicos deverão pedir suas aposentadorias[1].

Brasília, 24 de fevereiro de 2021.

REFERÊNCIA

[1] https://oglobo.globo.com/economia/reforma-administrativa-com-35-dos-servidores-perto-da-aposentadoria-cresce-urgencia-por-mudancas-24627058

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