por Aniket Aga
Em setembro de 2020, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, contornou procedimentos parlamentares para fazer pressão em prol de três projetos de lei que acabam com restrições ao setor privado em mercados agrícolas. Esse movimento enfureceu agricultores — especialmente os do noroeste do estado de Punjab, um epicentro da Revolução Verde desde os anos 1950. Após dois meses de protestos ignorados, dezenas de milhares de agricultores de Punjab começaram a marchar em direção a Delhi, no final de novembro. O governo Modi respondeu enviando tropas paramilitares armadas com canhões de água e bombas de gás lacrimogêneo, protegidas por barricadas, concertina e trincheiras profundas, que foram escavadas em vias expressas nas fronteiras da capital.
Desde então, as manifestações se espalharam pelo país e transformaram-se na maior mobilização de agricultores que já aconteceu na Índia desde sua independência. Já foram perdidas 70 vidas; muitas mortas de frio, outras por suicídio de protesto. O impasse não diz respeito apenas à revogação das três leis, mas inclui também a demanda de que o Estado garanta a política de preços mínimos de suporte (MSPs, na sigla em inglês). Em uma perspectiva mais ampla, no entanto, essa revolta está escrevendo o obituário da Revolução Verde.
A Revolução Verde — em essência, a promoção da agricultura industrial de capital intensivo — foi mais um estratagema da Guerra Fria que uma iniciativa humanitária, como têm mostrado categoricamente os fatos recentes. Após a independência, em 1947, movimentos camponeses liderados por comunistas fizeram forte pressão sobre o Congresso Nacional Indiano, o partido político que estava no comando, para que fosse feita uma redistribuição de terras dos latifundiários aos camponeses.
Mas o partido do Congresso, em dívida com os proprietários de terra, que garantiram apoio eleitoral em áreas rurais, relutou em implementar uma ampla reforma agrária. Nesse contexto, o governo norte-americano promoveu a Revolução Verde para prevenir uma “revolução vermelha” ao estilo soviético, como William Gaud, o responsável pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, discursou em 1968. O projeto compreendia na distribuição de subsídios a fertilizantes e irrigação, provisão de variedades de arroz e trigo cultivadas para absorver altas doses de fertilizantes e programas de treinamento dirigidos pelo Estado para ajudar os agricultores na transição para novas práticas. Dadas as despesas, ele foi implementado apenas em alguns distritos ricos de Punjab e em alguns outros estados. Como produções abundantes inevitavelmente fazem os preços desabarem, os agricultores tinham a compra garantida por meio de mandis estatais ou pátios de mercado em MSPs declarados com antecedência. A aquisição estatal foi, portanto, crucial para transformar Punjab no celeiro da Índia.
Em resumo, o governo indiano sustentou a promessa de abastecer os famintos com cereais subsidiados e injetou investimentos em massa para conquistar os segmentos abastados de fazendeiros proprietários de terra. Ideias alternativas para o desenvolvimento agrícola apoiado pela ciência, como a transição para variedades de alimentos locais e adaptações agroecológicas, nunca foram seriamente consideradas.
Mas, como muitos argumentam, o pacote da Revolução Verde criou mais problemas do que resolveu. Nos anos 1980, mesmo sendo geograficamente limitado, provou-se fiscalmente oneroso. À medida que o apoio do Estado diminuía, o problema de preços que não geravam lucros e as dívidas escalaram. Crises ecológicas começaram a surgir, como a redução do lençol freático, solos salinos e degradados, perda de biodiversidade e problemas de saúde causados pelo uso de pesticidas — culminando em uma crise agrária completa na década de 1990 e uma epidemia de suicídios de agricultores.
Modi aclama leis como as reformas de bacias hidrográficas, que supostamente inaugurarão uma nova era de prosperidade para os agricultores, apoiados por investimentos corporativos. Em face disso, elas permitem que compradores privados adquiram produtos agrícolas fora da supervisão e sem o pagamento de impostos e taxas aos mandis; autorizam limitar a intervenção estatal nos preços de varejo; e fornecem uma estrutura para agricultura sob contrato com corporações.
Nos detalhes, entretanto, as leis agrícolas interferem nos poderes regulatórios dos governos estaduais e intensificam a já severa assimetria de poder entre as corporações e a massa de agricultores indianos, quase 86% dos quais cultivam menos de dois hectares. Cláusulas como a que proíbe os agricultores — ou qualquer outra pessoa — de buscar recursos legais em disputas contratuais são o motivo do medo de que as leis prejudiquem os agricultores. Em uma análise incisiva, o economista Sudha Narayanan conclui que os supostos benefícios para os agricultores têm pouca justificativa empírica e, de fato, as três leis “tornam invisíveis ao mesmo tempo as transações da área de comércio, contratos de agricultura e estocagem de uma forma que as torna não-reguláveis”.
Os agricultores temem que as leis sejam um presságio do esvaziamento total das compras regulamentadas pelo estado em mandis. Até hoje, os mandis sinalizam os preços com anúncios regulares de MSPs e, se forem enfraquecidos mais do que já estão, os agricultores ficarão totalmente expostos a pressões de preço debilitantes. Como Balbir Singh Rajewal, presidente do Bharatiya Kisan Union (Sindicato dos Agricultores Indianos) explica, os agricultores estão protestando não porque o sistema existente é justo, mas porque está sendo substituído por um ainda mais incompreensível, que os prejudicará ainda mais. A verdadeira agenda por trás das leis, alegam os agricultores, é facilitar o controle corporativo sobre a agricultura e alimentos. Reliance e Adani Group, duas das maiores casas de negócios da Índia, vistas como próximas do governo de Modi, provocaram em especial a ira dos agricultores.
A revolta também atraiu algum apoio de sindicatos de trabalhadores agrícolas que, em sua maioria, possuem pouca ou nenhuma terra, pertencentes a castas Dalit (ou oprimidas) e provenientes de famílias que sofreram séculos de violência e exploração de agricultores — tipicamente mais ricos na hierarquia de castas. Mulheres agricultoras oriundas de castas latifundiárias e Dalit também estão na vanguarda das manifestações, uma conquista de décadas de luta pelo reconhecimento como organizadoras da economia agrária e ativistas contra a violência sexual baseada em castas. Grupos de agricultores se uniram à causa de outros protestos na Índia, exigindo a libertação de prisioneiros políticos, agitadores estudantis, ativistas de direitos humanos e revolucionários.
Subjacente a esta ampla base de descontentamento está o fracasso da Revolução Verde. Até mesmo uma revisão comemorativa, publicada em 2003, foi forçada a admitir que o principal benefício do pacote era a redução dos preços dos grãos para alimentos, mas enquanto isso a grande maioria dos agricultores e trabalhadores agrícolas sofreram reduções de renda. Em suma, a Revolução Verde garantiu cereais baratos, mas foi incapaz de oferecer justiça e sustentabilidade ecológica. Estudos mais recentes pedem uma revisão total da narrativa de sucesso da Revolução Verde, que questiona até mesmo se realmente havia uma escassez geral de alimentos na Índia dos anos 1950 — a suposta razão para sua introdução.
Em sua palestra após a vitória do Prêmio Nobel da Paz em 1970, Norman Borlaug, um dos “pais” da Revolução Verde, apresentou uma defesa obtusa do programa: “Alguns críticos dizem que a Revolução Verde criou mais problemas do resolveu. Não posso aceitar essa afirmação, pois acredito que é muito melhor para a humanidade lutar com novos problemas causados pela abundância do que com o velho problema da fome”. Cinco décadas depois, fechamos o ciclo e ficou evidente que os novos problemas da agricultura industrial se somaram aos velhos problemas da fome e da desnutrição.
Nenhum tipo de ajuste de marketing vai consertar um modelo de produção fundamentalmente distorcido e insustentável. Portanto, o governo deve exigir imediatamente a retirada das três leis. Mas para realmente garantir um futuro viável para os agricultores, devemos abandonar o paradigma da Revolução Verde e adotar sistemas agrários e alimentares agroecológicos, diversos, descentralizados e justos.