Nesta semana, o Congresso dos EUA deve confirmar a nomeação de Antony Blinken para chefiar a diplomacia norte-americana. A Sputnik explica quem é ‘Tony’ Blinken e qual a política externa que ele deve conduzir nos próximos quatro anos.
Pouco depois das eleições presidenciais norte-americanas de novembro, Joe Biden divulgou o nome de seu indicado para chefia do Departamento de Estado dos EUA.
Antony ‘Tony’ Blinken é um veterano dos quadros de política externa do Partido Democrata dos EUA.
Após trabalhar no Conselho de Segurança Nacional durante a administração Bill Clinton, Blinken se tornou conselheiro para Assuntos Internacionais do então senador Joe Biden, em 2002.
Quando Biden assumiu o posto de vice-presidente de Barack Obama, Blinken voltou à Casa Branca como seu conselheiro de Segurança Nacional. Entre 2015 e 2017, ‘Tony’ serviu como vice-secretário de Estado dos EUA.
Apesar do currículo, Blinken é bem menos conhecido do que eram Hillary Clinton ou John Kerry, quando assumiram o mesmo cargo.
Blinken tampouco tem a influência política de seus predecessores e depende do poder pessoal de Biden para manter-se no posto.
A relativa falta de influência pode ser balanceada pelo histórico dos Blinken no Departamento de Estado dos EUA, como apontou o próprio Antony durante sabatina no Comitê de Relações Exteriores no Senado dos EUA, nesta terça-feira (19).
“Além da minha própria confirmação como vice-secretário de Estado, esse comitê já confirmou minha esposa, Evan Ryan […] como secretária assistente para assuntos educacionais e culturais, confirmou meu tio, Alan Blinken, como embaixador na Bélgica, e meu pai, Donald Blinken, como embaixador na Hungria”, lembrou o membro da equipe de Biden.
Durante os seis anos de assistência a Biden no Senado, Blinken pode trabalhar com Avril Haines, recém-nomeada diretora de Inteligência Nacional dos EUA da administração Biden.
Essa proximidade será importante para retomar o equilíbrio entre o Departamento de Estado e as agências de inteligência dos EUA.
O secretário de Estado de Donald Trump, Mike Pompeo, que servira como diretor da CIA, teria diminuído o papel dos diplomatas na formulação da política externa dos EUA.
“Vou trabalhar […] para revigorar o papel do Departamento de Estado”, disse Blinken em sua sabatina no Senado. “[Os diplomatas] merecem nosso apoio e, se eu for confirmado no cargo de secretário [de Estado], eles o terão.”
De volta à era Obama?
Muitos analistas acreditam que Blinken deve adotar política externa similar à da administração Barack Obama.
No entanto, Blinken não poupa críticas ao ex-presidente democrata, lamentando inclusive a não intervenção militar direta dos EUA na Síria.
“Falhamos ao não prevenir uma terrível matança. Falhamos ao não prevenir o deslocamento massivo [de pessoas] […] isso é algo que levarei comigo para o resto dos meus dias”, disse Blinken ao canal CBS News.
Em 2018, Blinken assinou carta aberta a Obama, dizendo que o apoio à Arábia Saudita na guerra no Iêmen não havia surtido efeitos positivos. Durante sua sabatina no Senado, Blinken declarou que a administração Biden poderá retirar seu apoio ao esforço de guerra saudita.
Da mesma forma que Blinken não esconde suas diferenças com a abordagem de Obama, tece elogios à política externa de Trump.
“Não será uma política anti-Trump. Nesse momento, essa é a impressão que dá, porque domina nos EUA uma vontade de negar tudo que Trump representa”, disse o professor de Relações Internacionais da Universidade da Califórnia, Andrei Tsygankov, durante evento do Clube de Discussões Valdai.
“Mas algumas ideias que ele [Trump] trouxe, como desenvolvimento e economia nacional, são muito importantes para os EUA e devem se manter na administração Biden”, acredita o professor.
Durante a audiência no Senado, Blinken afirmou que “houve várias coisas positivas […] que a administração Trump fez […] e que eu aplaudiria”.
Para ele, os acordos de normalização de relações entre Israel e países como Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão foram “uma boa iniciativa”, assim como a assinatura do acordo comercial entre Sérvia e Kosovo.
Blinken também reconheceu o papel de Trump em garantir o aumento dos gastos de defesa dos aliados dos EUA na OTAN.
“Eu também acho que o presidente Trump estava certo ao adotar uma abordagem mais dura com a China. Discordo da maneira com a qual ele fez isso, mas o princípio estava correto e foi muito útil para a nossa política externa”, declarou o novo secretário de Estado.
Blinken inclusive corroborou a recente decisão de seu antecessor, Mike Pompeo, de considerar que a China está engajada em genocídio contra a minoria muçulmana uigur.
“O fato de Blinken ter […] confirmado a ideia de genocídio uigur é um sinal importante de que a relação com a China será mantida em uma linha muito dura”, disse Tsygankov. “Não haverá um retorno ao período Obama.”
Intervencionista
Outro mantra repetido pelos especialistas é de que Blinken representa o multilateralismo e o respeito aos aliados dos EUA, em oposição às tendências unilateralistas de Trump.
De fato, a administração Biden tomou medidas imediatas para retornar os EUA para os Acordos de Paris sobre o clima e expressou desejo de voltar à Organização Mundial da Saúde, integrando inclusive a iniciativa de distribuição de vacinas COVAX.
Além disso, o novo secretário de Estado tem fortes laços com a Europa. Durante a infância, ele morou em Paris com sua mãe, Judith, e seu padrasto, Samuel Pisar, um sobrevivente do holocausto.
“Blinken conhece bem a Europa e é um atlantista convicto. Ele quer reforçar os laços com os europeus não só no âmbito da OTAN, mas também nas relações entre os EUA e a União Europeia”, disse Fyodor Voitolovsky, diretor do Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais Primakov da Academia de Ciências da Rússia (IMEMO-RAN, na sigla em russo).
Para Tsygankov, no entanto, a política liberal defendida por grupos ligados ao Partido Democrata por vezes se traduz em intervencionismo.
“Esse globalismo e internacionalismo de superfície leva ao intervencionismo liberal, que gera tensões não só com a Rússia, mas com diversos outros países”, acredita Tsygankov.
Ao que tudo indica, Blinken nutre tendências intervencionistas: ele foi a favor da intervenção norte-americana no Iraque, em 2003, alegando que a “força pode ser um complemento eficiente à diplomacia”.
Durante sua atuação no Conselho de Segurança Nacional da administração Obama, Blinken defendeu postura mais dura dos EUA em relação à Síria. Ele teria inclusive discordado de Biden ao defender uma intervenção armada norte-americana na Líbia, em 2011.
“Podemos esperar um Departamento de Estado com tendências mais intervencionistas”, disse Tsygankov, em resposta à pergunta da Sputnik Brasil.
“Blinken pode ter uma maior predisposição para utilizar a figura do inimigo externo […] em oposição a tentativas de resolver problemas internacionais com base na diplomacia multilateral”, acredita o professor.
Em recente discurso no Senado dos EUA, Blinken defendeu a liderança mundial norte-americana.
“A liderança americana ainda importa. A realidade é que o mundo não se organiza por si só”, disse Blinken. “Quando nós não estamos liderando, uma das duas coisas acontecem: ou um outro país vem tomar o nosso lugar […], ou, pior, ninguém vem. E temos o caos”.
Está claro que, para Blinken, o mundo precisa de um único líder, e esse líder deve ser os EUA. Só nos resta esperar para ver se o resto do mundo concorda com o novo secretário de Estado.
Antony Blinken foi apontado para o cargo de secretário de Estado pelo novo presidente dos EUA, Joe Biden. Nesta terça-feira (19), Blinken foi submetido à sabatina no Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA. O Congresso dos EUA deve confirmar a nomeação nos próximos dias.