A crise financeira das universidades e institutos federais se agravou na virada do ano. Diante do atraso na análise da proposta de lei orçamentária (PLOA) de 2021, que não tem sequer comissão mista instalada no Congresso Nacional, as instituições de ensino superior e técnico estão recebendo em janeiro apenas 2,22% dos recursos anuais a que têm direito.
O valor surpreendeu reitores, que já procuraram informalmente o Ministério da Educação (MEC) e avaliam uma manifestação conjunta sobre o assunto nos próximos dias. Eles alertam que bolsas de iniciação científica e a assistência estudantil – ajuda de custos para alunos de baixa renda – podem ficar sem recursos neste mês. Não há dinheiro para quitar obrigações com todos os fornecedores e prestadores de serviços, como vigilância e limpeza.
Nos bastidores, alguns gestores falam em não pagar contas de luz e água, confiando na tolerância das companhias de saneamento – na maioria estatais – e das distribuidoras de energia para manter o abastecimento a órgãos públicos.
A cifra liberada em janeiro corresponde a 1/18 do universo de 40% dos recursos totais para universidades e institutos federais na PLOA de 2021. Normalmente, quando a aprovação do orçamento atrasa, o governo distribui 1/12 por mês das verbas anuais. Desta vez, a torneira secou ainda mais.
Com um agravante: a proposta orçamentária para o MEC só tem 40% de recursos “não condicionados”. O restante (60%) é definido como “condicionado”, ou seja, depende de um crédito suplementar a ser aprovado pelos congressistas, ao longo do ano, para não ferir a “regra de ouro” – que veda o endividamento da União para financiar gastos correntes.
Para piorar: a PLOA de 2021 embute um corte de 18,2% no orçamento discricionário – que envolve despesas de custeio, sem salários – das universidades e institutos federais. O corte, distribuído linearmente entre as instituições de ensino, gira em torno de R$ 1 bilhão. Ainda pode ser revertido durante a tramitação do projeto de lei orçamentária no Congresso, mas tem o efeito imediato de reduzir ainda mais a disponibilidade de recursos em janeiro. “Estamos todos desesperados com essa situação”, diz o reitor do Instituto Federal do Espírito Santo, Jadir José Pela. “Não temos dinheiro para cumprir com as nossas obrigações financeiras, para honrar todos os contratos.”
Pela é presidente do Conif (conselho da rede de 41 instituições federais de educação profissional, científica e tecnológica) e já expôs informalmente a preocupação dos reitores ao MEC. No dia 3, os associados da entidade vão se reunir e devem fazer um apelo para que o drama orçamentário não se repita em fevereiro. “Falta dinheiro até para pagar água, luz e internet”, afirma.
A reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão, lembra que geralmente as despesas são menores em janeiro, mas agora há continuidade do ano letivo por causa da parada no começo da pandemia. “Recebemos apenas 1/18, e só do orçamento não condicionado. Isso significa 2,22% do que está na PLOA. A gente precisa da liberação de 1/12 do total de recursos previstos para o ano.”
No Instituto Federal de Brasília (IFB), que tem 17 mil estudantes e 11 unidades, as despesas mensais costumam ficar entre R$ 1,8 milhão e R$ 2 milhões. Em janeiro, no entanto, a instituição está recebendo só R$ 540 mil. “Só a vigilância consome R$ 500 mil por mês. Estamos em pleno ano letivo, a conta não fecha e já começamos o ano com um planejamento furado”, observa a reitora do IFB, Luciana Myoko Massukado.
Com aulas remotas e on-line, houve alguma redução da fatura de energia nos últimos meses, mas longe de ter sido zerada. “Há manutenção do data center, inclusive por causa do uso mais intenso da internet, e laboratórios refrigerados continuam onerando parcialmente as contas de luz.”
De forma geral, aponta-se o descasamento entre calendário acadêmico e ano fiscal como um aspecto especialmente preocupante. Esta não é a primeira vez em que atrasa a aprovação do Orçamento Geral da União (OGU), mas a liberação era de 1/12 dos recursos anuais previstos na PLOA.
No ano passado, por limitações impostas pela “regra de ouro”, o governo já havia dividido o orçamento em duas partes. Mas a dotação “não condicionada” era de 60% e a “condicionada” à aprovação de crédito suplementar equivalia a 40% – o inverso das proporções de 2021. Com a pandemia e a criação de um “orçamento de guerra”, as restrições fiscais foram atenuadas.
“Neste ano, vamos sentir para valer os efeitos do teto de gastos”, diz o secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno. “O orçamento das universidades federais precisa ser necessariamente revisto para que possamos fazer frente às despesas de 2021.”
Procurado desde segunda-feira para comentar o assunto, o MEC não respondeu às perguntas encaminhadas pela reportagem.