Sobre amor e revolução

por Cristiane Santos, membro da Executiva do PT-DF.

Alexandra Kollontai é apaixonante por vários motivos; vou contar a vocês e depois me digam se concordam comigo. Ela era uma bolchevique[1] que estava sempre pronta a lutar pelos direitos da classe trabalhadora, especialmente pelos direitos das mulheres trabalhadoras. Sua ousadia foi única; Kollontai não tinha medo de discordar de seus companheiros de partido com muita convicção, de assumir cargos e responsabilidade, de escrever ou falar de temas polêmicos, como moral sexual e amor livre, nem mesmo de falar de… AMOR…

Ela nasceu em 1872, na Finlândia, e em sua autobiografia comenta um fato que seria determinante em sua escolha de lutar pela libertação das mulheres. Sua irmã, aos 19 anos, foi obrigada a casar com um homem de 70 anos. A própria Kollontai se casou aos 20 anos com Vladmir Kollontai, de quem herdou o sobrenome e com quem teve um filho, o Misha. Mas desde muito nova se sentiu impelida a estudar e não se adaptou à vida doméstica. Sobre isso, ela diz:

‘Ainda que eu mesma tenha educado meu filho com grande empenho, a maternidade não foi nunca o ponto central de minha existência. Um filho não conseguiu tornar indissolúvel meus laços matrimoniais. Eu continuava amando meu marido, mas a dita existência de dona de casa e esposa se converteu em uma espécie de “jaula”. Minhas simpatias, meus interesses, dirigiam-se cada vez mais ao movimento revolucionário da Rússia.”[2]


[1] Ficou conhecido pelo nome de bolchevique o grupo político russo formado por ex-integrantes do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), fundado em 1898. O termobolchevismo é de origem russa e significa, literalmente, “maioria”. A utilização do termo para se referir a tal grupo se deve à divisão ocorrida no POSDR, cujos integrantes eram defensores do ideal marxista. Sob o comando de Vladimir Lênin, ocorrerá em torno do Partido Bolchevique a aglomeração de várias lideranças políticas.

[2] KOLLONTAI, Alexandra. Autobiografia de uma mulher emancipada. São Paulo: Proposta Editorial, 1980. p.16. A autobiografia de Kollontai foi escrita em 1926 e editada mais tarde, ao que tudo indica sob pressão da repressão stalinista. Utilizamos o texto como escrito em 1926, antes de ser editado.

Dessa forma, infeliz com sua vida de dona de casa e cada vez mais próxima do movimento revolucionário na Rússia, ela deixa seu marido e filho e vai para Zurique, na Suíça, estudar economia.

E daí vem seu foco nas questões feministas, sempre fazendo uma ligação muito importante entre as questões das mulheres e a luta de classes. Assim, a pequena  camarada, como era chamada, se agiganta de uma forma que ninguém pode negar!

Olha a produção gigantesca dessa época:

– 1907, Kollontai cria a Sociedade de Ajuda Mútua de Trabalhadoras de São Petersburgo, com um jornal destinado às operárias. Muitas participantes da Sociedade tornaram-se lideranças da revolução e do governo soviético anos depois.

– 1907, ela escreve Os Fundamentos Sociais da Questão Feminina, onde afirma que, por serem de classe média, as feministas não poderiam lutar pela transformação fundamental da estrutura econômica e social. Para Kollontai, sem a revolução a libertação das mulheres não poderia se completar. Ela reconhece que a estrutura da família de então, produto do capitalismo, oprimia as mulheres de todas as classes, mas que essa transformação não ocorreria sem uma transformação social mais ampla.

-1908, Kollontai defende a participação das trabalhadoras no I Congresso de Mulheres de Toda a Rússia, iniciativa do movimento feminista burguês, o que lhe valeu ser chamada de “feminista”, apesar de seu esforço em se diferenciar do movimento feminista burguês.

– de 1908 a 1917, ela viveu exilada em diversos países.

– 1909, ela publica As Bases Sociais da Questão Feminina, obra de mais de 400 páginas onde realiza uma análise marxista da família, da união livre e defende a coletivização das funções da família pelo Estado.

– 1913, ela escreve O Dia da Mulher (comemorado pela primeira vez na Rússia), no qual defende o trabalho específico com trabalhadoras. Nesse mesmo ano, o jornal Pravda passa a ter uma seção dedicada às mulheres

– 1914, é lançado o jornal Rabotnitsa (A Trabalhadora).

Ufa!

Mas está só começando… Nos próximos anos, Kollontai se envolve em muitos debates sobre a 1ª Guerra Mundial. Exilada da Rússia e viajando entre a Suécia, Dinamarca, Noruega e Estados Unidos, ela escrevia, elaborava e debatia nos países do exílio. A Rússia estava fervendo!

O dia 23 de fevereiro era o Dia Internacional da Mulher. Os círculos da socialdemocracia tencionavam festejá-lo segundo as normas tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera ainda ninguém poderia supor que o Dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma organização preconizava greves para aquele dia. […] pela manhã, apesar de todas as determinações, as operárias têxteis de diversas fábricas abandonaram o trabalho e enviaram delegadas aos metalúrgicos, solicitando-lhes que apoiassem a greve. […] É evidente, pois que a Revolução de Fevereiro foi iniciada pelos elementos de base, que ultrapassaram a resistência de suas próprias organizações revolucionárias, e que essa iniciativa foi espontaneamente tomada pela camada proletária mais explorada e oprimida que as demais – as operárias da indústria têxtil (TROTSKY, A História da Revolução Russa).

Na manhã do dia 23 de fevereiro, as mulheres das fábricas têxteis do distrito de Vyborg cruzaram os braços e saíram pelas ruas em busca de adesões. Munidas de pedras, elas paravam à frente das fábricas (não somente têxteis) e guarnições de soldados e buscavam persuadir trabalhadores e soldados a juntarem-se a elas. A mulher operária, nesses encontros entre soldados e obreiros, desempenha um papel importante. Com maior ousadia do que os homens, penetra nas fileiras dos soldados, agarra-se aos fuzis, suplica e quase ordena: “Tirem suas baionetas, reúnam-se a nós.” Os soldados emocionam, penalizam-se, entreolham-se inquietos e vacilam: um deles, enfim, se decide e as baionetas se levantam para cima dos ombros num gesto de arrependimento, a barragem se abre, estremecem no ar as vivas alegres e agradecidos, os soldados se veem rodeados, de todos os lados elevam-se as discussões, os apelos: a revolução dá um passo adiante. (TROTSKY, A História da Revolução Russa)

No ano de 1917, o grande oceano de humanidade se levanta e se agita, e a maior parte desde oceano feita de mulheres. Algum dia a história escreverá sobre as proezas dessas heroínas anônimas da revolução, que morreram na Guerra, foram mortas pelos Brancos e amargaram incontáveis privações nos primeiros anos seguintes a revolução, mas que continuou a carregar nas costas o Estandarte Vermelho dos Poder Soviético e do comunismo. (KOLLONTAI, 1920).

Esse movimento foi num crescendo durante o ano e em outubro veio a REVOLUÇÃO RUSSA. Kollontai já tinha voltado à Rússia e foi a primeira mulher a presidir um Soviete[1], a primeira mulher a fazer parte do Comitê Central do Partido Bolchevique, a primeira mulher em cargo análogo a Ministro do mundo e a primeira mulher com tarefas diplomáticas do mundo.

Políticas para mulheres na Rússia em 1917

 Ao chegar ao poder, os bolcheviques formularam um programa de ação para garantir a igualdade das mulheres. As políticas foram implementadas em 3 esferas:

1) A garantia da igualdade legal das mulheres, plenos direitos civis, políticos, legislação progressista sobre a família, etc;

2) A inserção das mulheres no trabalho assalariado, buscando por um lado garantir sua independência econômica (e portanto, o estabelecimento de uma base para a maior liberdade da família e das relações pessoais, não baseadas na dependência econômica), e por outro aproveitar o trabalho das mulheres não privadamente no lar, mas coletivamente a partir da substituição/conversão do trabalho doméstico pelo/em trabalho social/assalariado;

3) Iniciativas de socialização do trabalho doméstico e proteção à maternidade, buscando libertar as mulheres de parte do trabalho. (lavanderias e restaurantes comunitários Ainda em 1917, iniciou-se também a publicação das primeiras leis voltadas a garantir a igualdade e os direitos das mulheres. As camponesas ganharam o direito sobre a terra. Em dezembro foi implementado o casamento civil (extinguindo o casamento religioso) e o divórcio foi legalizado, bastando para obtê-lo a solicitação de qualquer um dos cônjuges. Além disso, foi ratificada a participação política das mulheres como eleitoras e elegíveis. Em outubro de 1918, depois de alguns meses de elaboração e debate, foi aprovado o primeiro Código Completo do Casamento, da Família e da Tutela. O código foi a primeira iniciativa de peso dos bolcheviques no sentido da destruição da família patriarcal, tão arraigada na realidade russa. A ideia por trás era o


[3] Designações atribuídas aos conselhos que, originados na Rússia a partir de 1905, eram constituídos pelos representantes dos trabalhadores (camponeses e soldados) e que, após a Revolução de Outubro de 1917, passaram a possuir a função de órgãos estatais deliberativos.

reconhecimento da mulher como cidadã com plenos direitos e da família como união entre iguais, baseada no respeito e no amor mútuo. Dessa forma, a lei aboliu o poder marital, impedindo o marido de impor o nome, domicílio ou nacionalidade à esposa; instituiu a pensão alimentícia em caso de separação; e acabou com a diferença entre filhos legítimos e ilegítimos. Além disso, o trabalho feminino também foi protegido e foi criada a licença-maternidade. Até então as leis determinavam a submissão completa da mulher ao marido. Seus direitos de obter passaporte, trabalhar, estudar o assinar uma letra de câmbio estavam submetidos à aprovação por escrito do marido. Em 1920, foi aprovada na Rússia, a lei do Aborto, escrita por Alexandra Kollontai, que garantia a interrupção da gravidez, segura, gratuita e feita por médicos. Há cem anos atrás…

Muita história ainda foi escrita e vivida pela Pequena Camarada, além do livro fundamental ao feminismo e editado no Brasil, A Nova Mulher e a Nova Moral Sexual, com textos muito importantes sobre o amor como construção histórica e união livre. Quando saiu do seu cargo no governo russo, já criticando uma burocratização do modo de governar, ela anteviu o que viria depois da morte de Lênin, com a ascensão de Stalin ao poder. Neste período várias leis dos primeiros anos da Revolução foram revogadas e várias políticas foram extintas. No começo do período de maior repressão stalinista, Kollontai acordou com os dirigentes uma nomeação como Embaixadora, de novo, a primeira mulher do mundo em funções máximas diplomáticas. Longe da Rússia, Kollontai pode proteger sua vida, diferente de vários outros dirigentes que perderam a vida perseguidos e assassinados por Stalin, mas, diferente de Trotsky, que foi exilado, mas continuou a organizar a classe trabalhadora, Kollontai foi silenciada e terminou sua vida  usando a literatura para falar de política em geral, em 3 romances publicados.

Kollontai foi FUNDAMENTAL, sua obra é de um valor incomensurável e nesse momento, que faltam referências, Frida Kahlo pode ser um exemplo de artista, mas Alexandra é o exemplo de feminista!

Comenta aí, me diz sua opinião e vamos conversar mais!

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