A confiança em nenhuma outra instituição brasileira aumentou tanto depois da pandemia de Covid-19 quanto no sistema público de saúde. Entre julho de 2019 e setembro de 2020, o SUS cresceu onze pontos no Índice de Confiança Social (ICS) – uma pesquisa nacional feita desde 2009 pelo Ibope Inteligência, e divulgada na piauí em primeira mão. A confiança no sistema de saúde chegou ao seu patamar mais alto em doze anos a despeito de o ministro da Saúde confessar que não conhecia o SUS antes de tomar posse, de o governo não executar integralmente as verbas orçamentárias para o setor e de o presidente Jair Bolsonaro ter assinado um decreto – depois revogado – que abria as portas para a privatização do Sistema Único de Saúde.
Como se justifica a melhora, então? Márcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, explica: “Com a pandemia, cresce a confiança no sistema público de saúde por experiência, uma vez que mais brasileiros tiveram contato com a sua estrutura e com o seu atendimento.” Ou seja, quem usa confia mais do que quem não usa.
Embora o aumento da confiança no SUS tenha sido excepcionalmente grande, o sistema de saúde não foi o único serviço público que melhorou sua imagem junto à população. As escolas públicas também cresceram quatro pontos após a pandemia e chegaram a seu mais alto ICS em toda a série histórica: 70 pontos. Nesse período de interrupção das aulas, muitos pais transferiram seus filhos de escolas privadas para públicas.
Em média, a confiança nas vinte instituições analisadas cresceu 3 pontos, continuando um movimento ascendente que começou em 2019 e que havia sido capitaneado justamente pela recuperação de parte do prestígio da Presidência da República. Com Michel Temer como presidente, o comando do país havia caído ao patamar mais baixo entre todas as instituições em toda a série histórica em 2017 e em 2018. No primeiro ano de sua gestão, Bolsonaro viu a confiança na Presidência crescer 35 pontos. No segundo ano, caiu dois e, se o rumo seguir o mesmo, deve cair mais.
O ICS de 2020 foi medido em setembro, no auge da popularidade de Bolsonaro, alcançada graças ao auxílio emergencial de 600 reais aprovado pelo Congresso. Desde então, a aprovação do presidente tem diminuído quinzena a quinzena, provavelmente por causa da explosão do desemprego, do aumento continuado do preço dos alimentos, e da redução à metade do valor pago mensalmente à população afetada pela pandemia. Pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo PoderData mostra que a maior parte dos brasileiros desaprova o governo Bolsonaro: 48%. Já sua taxa de apoio voltou ao patamar pré-auxílio emergencial.
Com a segunda onda da pandemia voltando a provocar o fechamento forçado da economia na Europa e nos Estados Unidos, e a previsão de fim do pagamento da ajuda financeira à população em janeiro, Bolsonaro e seu governo tendem a enfrentar o agravamento da desconfiança popular. Mesmo antes disso acontecer, o presidente colecionou derrotas nas batalhas de opinião pública que provocou. Todas as instituições atacadas por ele ao longo de 2020 viram sua confiança aumentar junto à população: a do Judiciário cresceu 4 pontos, as ONGs cresceram 3, o Congresso Nacional e os governos locais subiram 2, e até o sistema eleitoral e os partidos cresceram. Foi a revanche da política.
Embora ainda tenham a menor confiança entre todas as instituições, os partidos praticamente voltaram ao nível de confiança que tinham em 2009, quando a pesquisa começou a ser feita. Os 30 pontos atuais são quase o dobro do que amargaram entre 2015, quando começou o processo que levaria ao impeachment de Dilma Rousseff, e 2018, ano da eleição de Bolsonaro. A volta por cima se repetiu com a confiança no Congresso. A recuperação do sistema político em geral só não foi maior porque a retomada do prestígio da Presidência da República parou em 2020. O salto de 13 para 48 pontos do ICS do presidente entre 2018 e 2019 foi impressionante, mas ainda continua muito longe do que já foi o prestígio do cargo. Em 2010, quando Lula elegeu Dilma, a confiança na instituição presidencial era de 69 pontos, 23 a mais do que é hoje. Nenhuma outra instituição perdeu mais confiança na década.
Quem viu crescer seu prestígio justamente no período de decadência da confiança na Presidência foram seus algozes, as duas instituições que lideraram a operação Lava Jato e investigaram corrupção nos governos de Dilma e Temer: a Polícia Federal se tornou a segunda instituição mais confiável para a população, atrás apenas do Corpo de Bombeiros, e o Ministério Público viu sua confiança crescer 8 pontos desde 2016. Não à toa houve um crescimento exponencial nas candidaturas de policiais nas eleições de 2020.
E os militares? Foram afetados negativamente pela perda de confiança em Bolsonaro e no governo federal? Não. A confiança nas Forças Armadas continua em alta. Saltou 7 pontos entre 2018 e 2019 e voltou a crescer em 2020, embora menos: ganhou 3 pontos e chegou a 72 pontos, ficando em quarto lugar no ranking de confiança nas instituições, logo atrás das igrejas.
Em resumo, a necessidade de uso fez aumentar a confiança das pessoas nos sistemas públicos de saúde e escolar, as instituições políticas e partidárias recuperaram o pouco prestígio que tinham, e os mecanismos de fiscalização e controle policial continuam em alta. Apenas Bolsonaro andou para trás.
Fonte: Índice de Confiança Social 2020 – IBOPE Inteligência