Autor defende que não se deve somente ser contra o capitalismo ou neoliberalismo; é preciso ser a favor de algo
A revista francesa Le Point desta semana traz uma entrevista com o economista francês Thomas Piketty. O autor do best seller “O Capital no Século XXI” acaba de lançar um livro no qual reúne suas crônicas econômicas publicadas nos últimos quatro anos.
Após a publicação em 2019 de “Capital e Ideologia”, um livro de mais de 1.200 páginas, e de um filme documentário que estreou este ano e cujo título retoma o nome seu best seller, Piketty lança este mês “Vivement le socialisme!”, título que poderíamos traduzir como “Que venha o socialismo!”.
Na apresentação da obra, o autor defende que não podemos nos contentar em sermos “contra” o capitalismo ou o neoliberalismo e que é preciso ser “a favor” de algo. Segundo ele, apesar das críticas existentes, socialismo continua sendo o termo mais adaptado para designar a ideia de um sistema econômico alternativo ao capitalismo.
Nas páginas da revista Le Point o economista francês mais conhecido da atualidade denuncia novamente o que classifica como uma narrativa da desigualdade, imposta ao mundo desde o início dos anos 1980 pelo que ele chama de “revolução de Ronald Reagan”.
Piketty usa o exemplo dos Estados Unidos, que entre 1930 e 1980 aplicaram impostos visando os mais ricos, que chegaram a 90%.
No entanto, relembra o francês, Reagan foi eleito em 1981 e implementou uma reforma fiscal que reduziu os impostos a uma média de 28%.
“Os Estados Unidos são um caso extremo”, diz Piketty. “Eles inventaram um imposto progressivo bastante elevado, como em nenhum outro lugar, mas logo em seguida, com o mesmo vigor, foram no sentido oposto.”
O economista explica que o objetivo da Casa Branca na época era incentivar o crescimento do país, mesmo que isso representasse um possível aumento das desigualdades.
Renda dos americanos caiu pela metade em 30 anos
Ao avaliar a estratégia de Reagan, Piketty argumenta que a ideia do presidente não era absurda, mas não deu certo. “Trinta anos mais tarde, constatamos que os americanos não alcançaram o aumento de renda esperado e, ao contrário, a taxa de crescimento da renda por habitante caiu pela metade entre 1990 e 2020.”
Além disso, os salários dos mais pobres estagnaram – um fenômeno que, segundo o francês, ajudaria a explicar a instabilidade política atual nos Estados Unidos.
“O sistema de desigualdade no qual se construiu a globalização desde os anos 1980 não apenas foi ineficaz para gerar crescimento, como também é cada vez mais insustentável do ponto de vista político. A classe média e os mais pobres não querem mais isso e votam contra a Europa e a globalização sempre que podem”, lança o economista, citando como exemplo o apoio, principalmente entre o eleitorado mais jovem, às propostas de Elizabeth Warren e Bernie Sanders para a criação de uma taxa anual de 8% para os bilionários nos Estados Unidos.
Se inspirar no que deu certo no século 20
Ainda usando o caso norte-americano, Piketty fala da questão da educação como outro parâmetro da desigualdade. Se o crescimento nos Estados Unidos caiu pela metade desde os anos 1980, isso se deve também à estagnação educativa, acusa o economista.
“O país ainda tem grandes universidades, ricas e no topo dos rankings, mas 70% dos americanos mais pobres não têm acesso a uma boa educação. Os Estados Unidos perderam seu avanço histórico nessa área”, aponta Piketty.
O francês utiliza o exemplo da economia norte-americana antes de Ronald Reagan para, como ele mesmo afirma, se basear no que teria dado certo no mundo durante o século 20.
“Eu mencionei o imposto progressivo dos Estados Unidos – que cobra mais dos que ganham mais – porque ele permitiu reduzir muito a desigualdade sem impedir o crescimento, pois a receita gerada – pelos encargos – serviu para investir na educação, na saúde e nas infraestruturas”, detalha o francês.
“A lição que podemos tirar de tudo isso é que correr em busca de cada vez mais desigualdade não é o que gera crescimento econômico”, resume Thomas Piketty nas páginas da revista Le Point.
Via CartaCapital