A censura, que a Constituição Cidadã não admite, como o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) vem, reiteradamente, afirmando desde abril de 2009 no julgamento da famosa ADPF 130, foi aplicada na sexta-feira (28/08), contra o JornalGGN, editado por Luís Nassif, em nome da defesa do “da honra objetiva do Banco” BTG Pactual S/A . Tal como consta da decisão assinada pelo juiz Leonardo Grandmasson Ferreira Chaves, da 32ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (ilustração ao lado).
O JornalGGN vinha publicando reportagens relacionadas à compra pelo BTG Pactual de carteiras de crédito de R$ 2,9 bilhões do Banco do Brasil, assunto que a chamada grande mídia evita abordar. A operação chamou a atenção por se tratar da primeira cessão de carteira do Banco do Brasil a uma entidade financeira que não integra o conglomerado e pela falta de transparência sobre os possíveis lucros, ou como o BTG teria a capacidade de recuperar as perdas desse suposto crédito podre.
Com a ameaça de uma multa diária de R$ 10 mil, o JornalGGN, editado por Luís Nassif, viu-se obrigado a retirar do site cerca onze textos. Eles analisavam o interesse do BTG Pactual, no qual o ministro Paulo Guedes já teve participação, em adquirir bancos de dados já existentes, de forma a ampliar a sua inexpressiva carteira de clientes. Interesse que justificaria a participação do banco, através da empresa Estapar, na disputa pela exploração na capital paulista, do controle de estacionamento em vias públicas, pelo chamado Zona Azul.
O BTG interessado em bancos de dados
Como mostrou Nassif, ao arrematar em uma licitação que foi colocada sob suspeita pelo Ministério Público Estadual, o controle do Zona Azul, o Pactual terá acesso a uma clientela potencial de 3 milhões de usuários absolutamente fiéis. O jornalista vai além e mostra que com este banco de dados será possível saber “as regiões frequentados pelos veículos, as lojas no entorno. Essa base de dados tem um valor potencial imensamente superior ao do próprio contrato da Zona Azul”.
O próprio Nassif explica o que está por trás desta licitação do Zona Azul em São Paulo, na postagem que comenta a censura às dez matérias – Censura a 11 matérias visa impedir a divulgação do negócio com big datas públicos:
“A Prefeitura montou uma licitação para os bilhetes eletrônicos da Zona Azul. Monta-se uma licitação estimando o fluxo de receita futura para definir o valor mínimo da outorga. A licitação – claramente dirigida ao BTG Pactual – estimou apenas as receitas com a venda de bilhetes. Deixou de lado as chamadas receitas acessórias. Entre elas, a possibilidade de o vencedor trabalhar com 3,5 milhões de cartões de crédito fidelizados, já que única operadora do Zona Azul”.
Independentemente do conteúdo do material divulgado por Nassif, a ordem do juiz Ferreira Chaves é inconstitucional. Tal e qual já pacificaram diversos julgados do STF. Estas decisões mostram que a Constituição de 1988 não permite qualquer espécie de censura, em nome principalmente do direito de o cidadão ser informado.
Os ministros da corte têm repelido qualquer forma de censura, em especial as judiciais, como a determinada pelo juiz da 32ª Vara Cível do Rio. Em um dos seus minuciosos votos sobre a questão, o decano da corte, ministro Celso de Mello, em 29/04/2019, na Reclamação 31117 MC-AGR / PR, foi claro:
“Preocupa-me, por isso mesmo, o fato de que o exercício, por alguns juízes e Tribunais, do poder geral de cautela tenha se transformado em inadmissível instrumento de censura estatal, com grave comprometimento da liberdade de expressão, nesta compreendida a liberdade de imprensa e de informação. Ou, em uma palavra, como anteriormente já acentuei: o poder geral de cautela tende, hoje, perigosamente, a traduzir o novo nome da censura!”.
Na mesma decisão o decano da corte relacionou as inúmeras manifestações de outros ministros da casa no mesmo diapasão, ou seja, da inconstitucionalidade da censura, ainda que decretada por juízes como Ferreira Chaves. Extrai-se da sentença de Celso de Mello:
“Convém registrar, por necessário, o fato de que, em situações idênticas à que ora se examina, eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, fazendo prevalecer a eficácia vinculante derivada do julgamento da ADPF 130/DF, sustaram provimentos judiciais que, impregnados de natureza claramente censória, haviam ordenado a interdição de textos jornalísticos publicados em órgãos de imprensa ou determinado “a retirada de matéria e de imagem” divulgadas em “sites” e em portais noticiosos ou, ainda, condenado jornalistas ao pagamento de elevados valores a título de indenização civil (Rcl 11.292-MC/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – Rcl 16.434/ES, Rel. Min. ROSA WEBER – Rcl 18.186-MC/RJ, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, decisão proferida pelo Ministro RICARDO LEWANDOWSKI no exercício da Presidência – Rcl 18.290-MC/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX – Rcl 18.566-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Rcl 18.638-MC/CE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO – Rcl 18.735-MC/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – Rcl 18.746-MC/RJ, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.), precisamente na linha do que foi decidido pela colenda Segunda Turma desta Corte Suprema, em recentíssimo julgado – proferido em 23/04/2019”
A liberdade de imprensa, no entendimento do Supremo, é ampla, inclusive quando opinativa, crítica. Em voto proferido em 30 de junho de 2014, na Reclamação 16434/ES, na qual a revista eletrônica capixaba Século Diário
protestava pela censura que lhe foi imposta, a ministra Rosa Weber afastou, inclusive, a tese de que o jornalismo tem que ser imparcial:
“Ora, o núcleo essencial e irredutível do direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento compreende não apenas os direitos de informar e ser informado, mas também os direitos de ter e emitir opiniões e de fazer críticas. O confinamento da atividade da imprensa à mera divulgação de informações equivale a verdadeira “capitis diminutio” em relação ao papel social que se espera seja por ela desempenhado em uma sociedade democrática e livre – papel que a Constituição reconhece e protege (…)
Aniquilam, portanto, a proteção à liberdade de imprensa, na medida em que a golpeiam no seu núcleo essencial, a imposição de objetividade e a vedação da opinião pejorativa e da crítica desfavorável, reduzindo-a, por conseguinte, à liberdade de informar que, se constitui uma de suas dimensões, em absoluto a esgota. Liberdade de imprensa e objetividade compulsória são conceitos mutuamente excludentes. Não tem a imprensa livre, por definição, compromisso com uma suposta neutralidade, e, no dia que eventualmente vier a tê-lo, já não será mais livre. Sendo vedado ao Poder Público interferir na livre expressão jornalística, não lhe cabe delinear as feições do seu conteúdo mediante a imposição de critérios que dizem respeito a escolhas de natureza eminentemente editorial dos veículos da imprensa.”
Não se sabe com que base o juiz Ferreira Chaves concluiu em sua decisão que as reportagens do JornalGGN são “notícias levianas e destituídas de base concreta de provas”. Como o próprio Nassif lembra no texto mais recente a respeito do caso, o juiz censor sequer levou em conta que, a partir das matérias publicadas, o Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública discutindo a licitação vencida pelo Banco Pactual na disputa pelo controle da Zona Azul, na capital paulista, tal como o JornalGGN noticiou em: A ação do MPE contra a licitação da Zona Azul poderá revelar a mina dos bancos de dados públicos.
Ao censurar as matérias, mandando retirá-las do site, o juiz alegou que se trata de “franca campanha desmoralizadora, causa dano à honra objetiva do Banco autor” e que elas transbordariam “os limites da liberdade de expressão.” Como o próprio Nassif lembrou no texto citado acima, estas reportagens vêm sendo publicadas desde julho de 2019 sem que se tenha tomado conhecimento de qualquer dano causado ao banco: “nem arranharam as cotações”, alega o jornalista. Ao jornalista resta agora recorrer ao Supremo Tribunal Federal, através de uma Reclamação, estando certo que tanto a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) como o Instituto Vladimir Herzog o acompanharão, na qualidade de amicus curae.