*Por Maria das Graças Santos
Sou Maria das Graças Santos. Vim para Brasília em janeiro de 1971, pouco antes de completar 18 anos. Nordestina do Piauí. Com a família, saí de Floriano para Porto Nacional, então no estado de Goiás, hoje Tocantins. Moramos em várias cidades até chegarmos à nova capital. Mais uma família pobre em busca de melhores condições de vida. Portanto, é quase meio século na cidade que amo: Brasília.
Sou aposentada pelo Banco do Brasil. Sou psicóloga, formada em 1980, na Universidade de Brasília (UnB). Casada há quase 40 anos, temos três filhos %u2014 dois rapazes e uma moça. Todos formados. Em 1975, já no BB e universitária, comecei minha militância no movimento social, no Projeto Rondon local, já que não podia viajar em razão do trabalho.
Dávamos apoio aos moradores do antigo Paranoá. Nossa associação lutava pela manutenção de todos. Em 1977, entrei no movimento negro. Participei da criação da primeira entidade negra do DF, o Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Ceab), que realizou importantes debates sobre racismo e outros eventos culturais.
Em 1980, com jovens negros ativistas, entramos noutra organização, de âmbito nacional, o Movimento Negro Unificado, MNU. Vivíamos, então, na ditadura militar, que não admitia o debate racial no país. A mobilização da sociedade civil se fortalecia. Foram muitos debates, manifestações de rua, ativismo no Congresso Nacional, denunciando o racismo, a violência policial, a marginalização da população negra.
A partir de 1985, com a redemocratização, a mobilização se volta para a nova Constituição. O movimento negro participa ativamente. É realizada, então, a convenção O negro e a Constituinte, em 1986, em Brasília, nos dias 26 e 27 de agosto, com representantes de entidades negras de vários estados. Um documento final com reivindicações, registrado em cartório, foi encaminhado aos constituintes.
Duas delas foram incluídas na Carta de 1988. Uma, tornar o racismo crime inafiançável e a outra, que está no art. 68 das Disposições Transitórias, estabelece o direito ao título de propriedade de terras aos remanescentes de quilombos.
Em 1992, comecei outro projeto, com sócios: um salão afro em Brasília. Uma mudança e tanto. Ainda trabalhava no BB. Não tínhamos experiência em negócios. Fomos aprendendo na prática. E lá se vão 28 anos%u2026 Com o Afro Nzinga Cabelo & Arte, marca registrada no INPI, vivenciei a experiência do empreendedorismo.
Algo segmentado, promovendo a beleza negra. Disputamos um nicho forte da indústria brasileira, que sempre viu com desdém nosso segmento. Oferecemos tranças, apliques, temos produtos para os cabelos crespos, para a pele negra e ainda acessórios para cabelos, livros temáticos, bonecas negras, da indústria e artesanais. Mas há muito por mudar. Até hoje, quando procuramos uma base para a pele negra, que tem variados tons, é difícil encontrar.
Quando o salão surgiu, queríamos apenas mostrar a beleza afro e provocar o mercado da beleza de Brasília. A clientela negra queria atendimento especializado, voltado para seus interesses. Estava farta do alisamento. Não éramos da área, mas ativistas da questão racial. Fomos surpreendidos pela procura. Logo, fui fazer diversos cursos na área. Viajava atrás de formação. Muitas vezes, levamos os profissionais do salão, já que, em Brasília, não encontrávamos eventos que nos atendessem.
O salão tornou-se referência na cidade, inspirando outros salões afros ou serviços específicos para cabelos crespos e pele negra. Chegamos a ser conhecidos como o salão afro do Conic. Um espaço alternativo, no centro da cidade, que trouxe muita identidade para o salão. E lá eram realizados eventos culturais: lançamento de livros, homenagens, exposições de artistas plásticos, música e poesia.
Quando vejo o debate sobre o afroempreendedorismo como algo novo, penso comigo: o termo pode ser novo, mas o agir é antigo. Arrancado de suas terras, o africano trouxe ao Brasil muito conhecimento e tecnologia. E, por quase 400 anos, foi praticamente o único trabalhador do país, quem construiu as riquezas nacionais.
Depois da abolição, surgiriam os pequenos negócios como forma de sobrevivência, já que muitos não conseguiam trabalho, mesmo tendo experiência de sobra. As mulheres negras, então, foram determinantes na manutenção das famílias com o trabalho ou pequenos negócios: eram costureiras, cabeleireiras, cozinheiras e vários outros ofícios. Somos parte da história e queremos levar adiante esse legado.
(*) Maria das Graças Santos – Psicóloga – Fotos/Ilustração: Blog-Google