“Começamos agora a dar dinheiro na veia, diretamente para as empresas”, afirmava o ministro da Economia, Paulo Guedes, no início de abril. Fazia quase um mês que a OMS (Organização Mundial da Saúde) havia declarado a pandemia do novo coronavírus, e a economia brasileira mergulhava por causa das medidas de isolamento social.
Guedes prometia irrigar com crédito as micro e pequenas empresas, responsáveis por 99% dos negócios formais no Brasil. Para isso, o governo Jair Bolsonaro anunciou medidas como linha de crédito para empresas pagarem salários. Mas em vez de chegar ao destino, o dinheiro ficou empoçado nos bancos.
Em junho, quatro meses após o primeiro caso de contaminação no Brasil, os pequenos negócios finalmente começaram a receber crédito, graças a outra linha de crédito.
Mas, para muitos, não adiantava mais. Empreendedores já haviam fechado as portas por falta de dinheiro e, em muitos casos, encerrado o sonho do negócio próprio.
Fazia 27 anos que Marcos dos Anjos, 57, se dedicava à paixão de assar costelas lentamente no fogo à lenha, por cerca sete horas. Mas o cheirinho de carne assada que atraía os clientes para o restaurante de 80 lugares em São José dos Campos, no interior de São Paulo, deixou de ganhar os ares em 24 de março, quando foi decretada a quarentena no estado, e o local fechou.
Uma semana depois, veio a difícil decisão de não mais acender a churrasqueira da Villa d’Marco Costelaria, que há 12 anos ocupava o mesmo endereço.
Fizemos uma reunião de família e decidimos que era melhor fechar definitivamente. Para mim, foi difícil aceitar. Eu passava o dia todo, todos os dias, no restaurante com a minha mulher.
Antes de tomar a decisão, o empresário tentou manter o restaurante funcionando. Conseguiu desconto no aluguel do imóvel e buscou ajuda financeira do seu banco, a Caixa Econômica Federal. As condições, no entanto, não eram favoráveis.
Eu não tinha capital de giro, vendia o almoço para pagar o jantar. Quando procurei empréstimo, a taxa de juros era de mais de 2,5% ao mês e eu ainda teria que dar o meu apartamento como garantia. Preferi não pegar, pois não sei se teria condições de pagar a dívida futuramente.
O restaurante funcionava no esquema de self-service, que enfrentará dificuldade daqui para frente, por causa dos riscos de contaminação por coronavírus. “Eu teria que mudar o sistema, contratar mais gente para servir, medir a temperatura dos clientes. Ia ter mais gastos e, provavelmente, menos vendas. Muita gente vai fugir de restaurantes por medo”, disse.
Os móveis e equipamentos estão, por enquanto, armazenados no imóvel que ele ocupava, aguardando um comprador. Para pagar a rescisão dos quatro funcionários, Marcos pegou um empréstimo com a filha. Assim, conseguiu fugir das taxas de juros dos bancos.
O sistema financeiro não está voltado para as pequenas empresas, e o governo não está voltado para o cidadão que precisa de assistência. O crédito é caro, ineficiente e tudo funciona para que a burocracia se perpetue.
O UOL procurou a Caixa, mas o banco não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Burocracia e exigências barraram empréstimos
O restaurante de Marcos fechou antes mesmo de o governo divulgar medidas para tentar socorrer as empresas. No final de março, o Banco Central anunciou uma linha de crédito de R$ 40 bilhões para as companhias pagarem os salários dos funcionários, o Pese (Programa Emergencial de Suporte ao Emprego), direcionado a empresas com receita bruta anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões.
Mas os empréstimos não deslancharam, e só 11% da linha foi liberada.
O dinheiro não foi liberado por causa da burocracia, de acordo com Viviane Seda, pesquisadora do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas). Além dos juros cobrados pelos bancos, ela diz que exigências como ter o nome limpo ou a folha de pagamento atrelada à instituição acabaram sendo impeditivas para muitas pequenas empresas.
As primeiras linhas de crédito oferecidas tinham altas taxas de juros e visavam a manutenção do emprego, proibindo demissões. Mas há setores em que essa proibição não funciona, como serviços e comércio, nos quais o maior custo é a mão de obra.
Viviane Seda, pesquisadora do Ibre/FGV
O próprio governo reconheceu, em meados de junho, a dificuldade de fazer o dinheiro chegar a quem precisa. O Pese então mudou e passou a permitir demissões e uso do dinheiro para pagamento de dívidas trabalhistas.
Crédito emergencial demorou para sair do papel
Enquanto os pequenos negócios lutavam para sobreviver, uma linha de crédito que de fato poderia socorrê-los demorava a sair do papel.
O Pronampe (Programa Nacional de Apoio à Micro e Pequena Empresa) foi anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 19 de maio, mas só foi regulamentado em 9 de junho.
A linha previa R$ 15,9 bilhões para capital de giro a juros baixos. O dinheiro, disponibilizado por Caixa, Banco do Brasil e Itaú, se esgotou em poucos dias.
Diante da procura, o Congresso destinou mais R$ 15 bilhões ao Pronampe, usando recursos do Pese que não foram emprestados. O dinheiro deve começar a ser emprestado em 15 de agosto, segundo o governo.
A principal razão para o sucesso do programa é que os recursos são emprestados pelos próprios bancos, mas têm garantia do FGO (Fundo Garantidor de Operações), um fundo público. Em caso de prejuízo, o governo cobre até 85% das perdas totais das carteiras dos bancos. Com risco menor de tomar calote, os bancos tendem a liberar mais o dinheiro.
Procurado pelo UOL, o Ministério da Economia afirmou que “não tem poupado esforços para que o crédito dos diversos programas emergenciais possa chegar efetivamente às empresas”. A pasta citou medidas como a linha de crédito para folha de salários, o reforço do Pronampe, uma linha de crédito para capital de giro na Caixa e empréstimos via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).