Parlamentares reportaram a Agnes Callamard, Relatora Especial para execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias da ONU, três casos de execução de jovens brasileiros por forças policiais. As famílias de Magno Satiro Alves Gomes, Thiago Henrique Moura Soares e Maykon Douglas Ribeiro Lima autorizaram a iniciativa. São casos nos quais a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados teve atuação direta. O documento pede providências à ONU, como emissão de recomendações.
Na volta para casa
31 de maio de 2009.
Magno Sátiro Alves Gomes voltava para casa com dois amigos. Eles, que iam pouco mais atrás, foram abordados por policiais militares, que ordenaram virarem para o muro e colocaram as mãos na cabeça. É o que relatam.
Magno viu o que acontecia e voltou. Na reaproximação, um dos policiais mandou-o colocar as mãos na cabeça e, em seguida, disparou três tiros contra o rapaz, que morreu na hora. Um PM foi acusado pelos tiros. Na versão policial, Magno Sátiro estaria armado.
Desde aquele dia, para apurar o caso houve um inquérito policial, um inquérito militar e uma ação penal que, onze anos depois, ainda está em curso no Juízo Criminal da Comarca de Novo Gama (GO), no entorno do Distrito Federal.
Os autos mostram que não foi feito exame pericial na arma apresentada pelos acusados, a que estaria com Magno. Além disso, também não teve exame para identificar resíduos de disparo de arma de fogo nas mãos da vítima. O Ministério Público pediu várias vezes para que o Instituto Médico Legal de Luziânia concluísse o laudo de exame pericial da arma de fogo. Após muitas tentativas, o comando do 19º Batalhão da Polícia Militar informou que não tinha a arma que supostamente era de Magno Sátiro. No final, o próprio MP se manifestou pela absolvição do acusado, sem mencionar a falta de laudo pericial na arma apreendida e também do laudo de exame de resíduos de arma de fogo nas mãos da vítima. Nunca se soube se Magno Sátiro tinha ou não usado uma arma.
No fim da festa
12 de outubro de 2016.
Thiago Henrique Moura Soares, de 22 anos, saía acompanhado de um amigo de uma festa no Parque da Cidade, em Brasília. Era onze da noite e os dois, segundo o colega, foram para uma parada de ônibus. No caminho foram abordados por sete policiais militares. O amigo parou e Thiago, segundo a polícia, teria corrido. A PM perseguiu o jovem que só foi encontrado pela família durante a madrugada na 1ª Delegacia de Polícia, para onde havia sido levado. De acordo com a mãe de Thiago, Elaine Moura, quando chegaram no local viram o filho completamente machucado, tendo convulsões e algemado no chão da delegacia. Só então Thiago foi levado pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) para o Hospital de Base, em estado grave, com traumatismo craniano, infecção e falência renal. No hospital Thiago ficou até o dia da morte, 27 de outubro.
Os policiais afirmaram que Thiago se auto lesionou.
“Meu filho tem hematomas por todo o corpo, inclusive alguns parecidos com marcas de socos nos olhos e de golpes de cassetete no rosto”, afirmou na época a mãe de Thiago.
Imagens gravadas por policiais mostram Thiago deitado no chão da delegacia, ofegante e imobilizado por mais de um agente, sendo que um deles mantinha o joelho sobre o seu pescoço.
O inquérito policial que apurou as agressões sofridas por Thiago e que culminaram com a morte dele foi arquivado por ausência de provas.
No dia do aniversário
20 de fevereiro de 2019.
Maykon Douglas Ribeiro comemorava o aniversário de 18 anos em um posto de gasolina em Planaltina (DF). Ele e alguns amigos bebiam cerveja para celebrar a data, dentro de um carro. Policiais Militares foram acionados por causa do som alto. Policiais Rodoviários Federais que passavam pelo local chegaram para dar apoio aos militares. A ação policial terminou com Maycon morto com dois tiros disparados por um dos agentes.
“Ele caiu no chão já morto e os policiais não me deixaram ajudar. Um deles disse ‘esse daí já foi pro saco’ e me mandaram calar a boca. Quando a mãe dele chegou, chorando, não deixaram ela encostar no filho”, relatou na época o amigo de Maycon, Denilson da Conceição Silva, que estava na comemoração e viu o que aconteceu.
A PRF afirmou que o jovem portava uma arma. O policial reagiu e fez os disparos. Outros dois homens que estavam no carro foram algemados e presos, o tio e o amigo de Maycon, Denilson.
“Diante do fato, os policiais atiraram contra ele”, escreveu a PRF em nota enviada à imprensa.
“Era um menino que estudava e trabalhava cuidando de uma chácara, nunca teve passagem pela polícia, tinha muitos amigos e era muito querido pela comunidade. Estou assustada”, contou Aurineide Lopes, mãe do rapaz. Ela disse também que o jovem nunca teve arma e que pode ter corrido por não concordar com a ação policial, e assim teria sido morto.
“Maycon foi morto porque é negro e pobre. Existe um protocolo internacional e o uso da arma de fogo é a última hipótese. E isso não foi respeitado pela polícia. Todo esse descaso, essa cultura do ódio, estão sendo incentivados por quem deveria coibir”, ressaltou a deputada Érika Kokay (PT/DF), que levou o caso até a CDHM.
“Nada justifica o que aconteceu, na minha opinião, a arma falsa que a polícia fala, foi ‘plantada’” disse, na época, Marcon (PT/RS), presidente interino da CDHM.
Esses fatos foram relatados durante um encontro de integrantes da CDHM com a Procuradoria-Geral da República e com a família de Maycon, no dia 13 de março de 2019. Participaram a mãe, Aurineide, e o pai, Vanderlei P. Ribeiro.
O vídeo exibido pela imprensa mostrou, na avaliação dos parlamentares que se reportaram à ONU, pouco plausível a eventual proporcionalidade da reação policial, a configurar legítima defesa.
Documento
Assinam o documento enviado no último dia 17, Helder Salomão (PT/DF), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) e os vices do colegiado Padre João (PT/MG), Túlio Gadêlha (PDT/PE) e Camilo Capiberibe (PSB/AP), além de Erika Kokay (PT/DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos.
Pedro Calvi / CDHM
Edição Mariana Trindade / CDHM