Por Marcius Siddharta*
A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública elaborou um relatório com o nome de 579 agentes da segurança pública, dentre eles vários policiais civis, penais e militares. Esse levantamento foi feito visando à perseguição política aos servidores que não se alinham com o governo autoritário e de extrema-direita de Bolsonaro.
Um ataque que não fere somente esse movimento de policiais Antifascistas, mas a toda a democracia, hoje mais abalada do que nunca.
O fato ocorrido é uma grave ofensiva que se insere no contexto global de uma série de ataques à democracia que ocorreram desde a Ação Penal 470 e se desenvolveram depois com o golpe à Dilma e com a operação Lava-jato, colocando as instituições numa perspectiva de Estado de Exceção, submissas ao Departamento de Justiça dos EUA.
A hierarquia é necessária para a organização das Forças Armadas, entretanto, uma série de abusos e perseguições são cometidas pelos comandos através do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), que, no seu art. 15, ao caracterizar uma série de transgressões, na prática, garante a politização do comando, e limita todas as liberdades individuais dos militares de baixas patentes, inclusive censuras: ao vedar discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária, a manifestação pública acerca de assuntos político-partidários, sem autorização, a participação fardada em manifestações político-partidárias, discussão ou provocação de discussão sobre assuntos políticos ou militares em qualquer veículo de
comunicação, sem a devida autorização.
Tais medidas têm sido aplicadas somente aos praças, tendo em vista que o comando que está em peso no primeiro escalão do governo Bolsonaro (sendo um governo mais militarizado do que os governos durante o regime militar!) é autorizado a descumprir todas as transgressões vedadas no RDE.
A realidade é que a própria Constituição de 1988 não garantiu uma verdadeira ruptura com a lógica de funcionamento do Regime Militar. A “Anistia, ampla, geral e irrestrita” no fundo garantiu a anistia dos crimes cometidos pela ditadura militar, anistiando torturadores e assassinos do regime militar. A punição aos crimes da ditatura não se trata de mero
revanchismo, mas uma necessidade histórica de encerrar de fato um processo inacabado.
Não há como conciliar com quem usou o Estado para praticar crimes contra a humanidade, tendo em vista que, ao manter viva essa tradição pela impunidade, abre-se brecha para a ação brutal das
forças auxiliares do exército na periferia contra a maioria do povo desarmado, como se fossem inimigos de guerra. Não é possível conciliar com tortura nem com os crimes cometidos pelo Estado no regime militar.
A falta de valorização e de condições de trabalho para os policiais militares somado a uma formação policial herdeira da lógica de anistia de torturadores tem promovido um genocídio causado pela alta letalidade de jovens negros nas periferias das principais capitais do país. Que, conforme dados do Atlas da Violência em 2017, feito pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indicam serem os que mais morrem e mais matam no Brasil: a cada 100 assassinados, 71 eram negros e 92% dos homicídios atingem jovens de 15 a 29 anos.
O povo negro e trabalhador paga com sua vida pela conciliação com torturadores e assassinos no processo de reabertura. O mais grave é que os jovens negros são instrumentalizados pelo poder econômico a “se matarem”, nessa guerra trazida pelo imperialismo dos EUA, que usa o
tráfico de drogas para lavagem de dinheiro em escala global e produzir o lucro à custa do sangue dos povos.
O relatório de perseguição aos agentes da segurança pública não é um fato isolado, mas faz parte dos entulhos ainda vivos do regime militar de uma democracia que já nasceu limitada.
O DOI-CODI, apesar de ter sido desmembrado e descontinuado do ponto de vista estrutural, hoje se faz presente nos Centros de Inteligência das PMs, onde a inteligência e a informação são utilizadas como instrumentos de perseguição política a todos os que não se alinhem com a política adotada pelos comandos, fazendo a população acreditar que o pensamento hegemônico dentro das polícias seja a de apoio ao governo Bolsonaro, quando se sabe que não corresponde à realidade.
Na verdade, os opositores são impedidos de se manifestar e são punidos como transgressores da hierarquia e da disciplina. A investigação é competência da polícia judiciária não das Polícias Militares. Não há qualquer razão para a “arapongagem” contra os servidores públicos militares, que devem ter também garantidos seus direitos individuais e liberdades.
Não sou nem nunca fui ligado a nenhum movimento Antifascista, entretanto não posso deixar de me solidarizar a outros servidores que são impedidos de se manifestarem acerca das questões de seu interesse em nome da defesa da democracia e dos direitos fundamentais dos militares, atacados pelo governo Bolsonaro.
Marcius Siddartha, Agente de Trânsito