A maneira pela qual o ambiente de informação política se organiza, seja pelo lado da oferta ou da demanda ou como essas duas pontas interagem, é uma questão-chave no debate sobre a qualidade e o desenvolvimento de uma democracia. Informação é elemento central para a formação da opinião e, por consequência, na relação entre sociedade e campo político.
Desde meados dos anos 90, temos visto uma mudança substancial no ambiente da comunicação, com a expansão da internet e, um pouco depois, com o aparecimento das mídias sociais. Mais canais de informação, entretenimento, serviços, baixos custos de acesso, mais conectividade entre os usuários.
Esse “novo” ambiente tem levado a uma série de perguntas sobre como os indivíduos passaram a obter informação política, a qualidade da informação que recebem ou como as empresas de comunicação têm orientado seus negócios. Para tentar entender o que tem acontecido, um grupo de 16 pesquisadores interessados nas relações entre comunicação e democracia publicaram, em 2017, um artigo em que discutiram seis tendências do ambiente da informação política. “Political communication in a high-choice media environment: a challenge for democracy?”, como o próprio título sugere, analisa os efeitos da diversidade das fontes de informação e seus desafios para as democracias.
Embora não seja novo, o documento não repercutiu muito por aqui, por se tratar, certamente, de tendências observadas na época em contextos de países europeus ou dos Estados Unidos. Seja como for, é possível que algumas questões identificadas pelos pesquisadores possam estar se repetindo total ou parcialmente em países da América Latina, sobretudo o Brasil. Diante disso, resumi as seis tendências que, se não espelham o contexto da comunicação política por aqui, certamente ajudam a pensar sobre possibilidades e efeitos para a nossa democracia.
1 – Quantidade decrescente de notícias sobre política
Embora no senso comum a percepção é de que nunca tivemos tantas informações sobre política, os pesquisadores defendem que essa questão deve ser vista em duas perspectivas. A primeira delas é que há sim uma oferta maior no total absoluto de notícias políticas desde os anos 70. Mas essa oferta não significa que todas as fontes de informação de interesse geral, como redes de televisão e sites, tenham dedicado mais tempo para informações políticas. Dessa forma, eles alertam que a participação proporcional dessas notícias no universo da comunicação como um todo tem sido menor. Do lado da demanda, os pesquisadores se dizem preocupados com o declínio das motivações das pessoas para consumir notícias sobre política, dado que pode estar relacionado à questão da menor oferta agregada.
2 – Tendência de queda da qualidade das notícias
Nesse ponto, não há tanto consenso entre os pesquisadores. Inicialmente, eles afirmam que restrições e incentivos econômicos e a crescente concorrência pela atenção do público prejudicam a qualidade da informação política produzida e distribuída pelos meios de comunicação. O que seria notícia de qualidade, contudo, não há muito acordo. Apesar disso, argumentam que parte da crítica sobre a baixa qualidade do noticiário se refere à busca por notícias leves, divertidas ou notícias como entretenimento. Essa tendência, no entanto, não seria universal. O estudo observa que há diferentes cenários no mundo e, por conta disso, haveria menos motivos para se preocupar com as notícias leves ou de entretenimento, e mais motivos para se preocupar com a queda dos recursos financeiros para o jornalismo, e as diferenças que poderão se acentuar entre os veículos.
3 – Tendência de aumento da concentração de poder ou queda da diversidade?
Nesse tópico, colocado em interrogação, os pesquisadores alertam para um possível aumento da concentração de poder de algumas empresas de mídia, e como isso pode influenciar a diversidade dos conteúdos. A tendência de uma maior concentração também não é consensual entre os estudos apresentados. Muitos, no entanto, encontraram evidências de que o conteúdo estaria menos diverso. Muito do que encontramos na mídia digital tenderia a ser igual, o que confirmaria a hipótese do “paradoxo da diversidade” levantada há 20 anos, que dizia que a maior diversidade de mídia coincidiria com menos diversidade de conteúdo para o público.
4 – Tendência a um aumento da polarização e fragmentação
Segundo o estudo, a tendência de fragmentação e polarização do conteúdo da mídia e da audiência seria resultado do aumento das escolhas do ambiente de informação. Pelo lado da oferta, o argumento da polarização diz que o aumento do número de canais, não só no modelo broadcasting, mas principalmente no universo online, resultou também em uma maior oferta de canais preocupados com nichos de audiência ou canais partidarizados.
Essa mudança levou, por outro lado, a uma maior fragmentação da audiência, seja porque ela busca canais que atendam seus interesses políticos, seja porque esse tipo de oferta de informação de nicho ou partidarizada cria demandas de públicos orientados por crenças políticas. Chegamos então ao efeito da polarização política, resultado tanto de mudanças na oferta de conteúdo da mídia quanto do comportamento da audiência.
Apesar de considerar esse cenário como uma possibilidade vista em alguns países e, portanto, algo que devemos nos preocupar, os pesquisadores alertam para necessidade de novos estudos que tragam evidências mais robustas. Segundo eles, os estudos ainda são inconclusivos ou ambíguos sobre a relação entre fragmentação e polarização da mídia e seus efeitos sobre a audiência.
5 – Tendência de aumento do relativismo
Nesse tópico, o estudo alerta que há uma tendência de relativização dos fatos, evidências ou conhecimento empírico no ambiente da comunicação atual. Esse é um contexto em que a informação baseada em fatos tenderia a ser vista como opinião, em que as evidências são negligencias, e no qual a desinformação, os rumores e as teorias da conspiração tenderiam a ganhar mais e mais a opinião pública.
Em muitos países essa tendência tem sido tratada segundo a proliferação das fake news, ou se preferirmos, da produção de desinformação, e como isso prejudica a formação da opinião. Muitos estudos têm chamado atenção, inclusive, para as responsabilidades de lideranças políticas nesse contexto. Elas tanto podem produzir e disseminar informações falsas, como utilizam o termo fake news para descredenciar veículos de comunicação já estabelecidos.
6 – Tendência de aumento da desigualdade
No último tópico, os pesquisadores chamam atenção para o fato de que a diversidade de fontes de informação, em especial de canais que não produzem notícia política, e a tendência de criação de nichos, estaria ampliando a desigualdade de conhecimento político da sociedade. Nesse cenário, uma maior oferta de canais de entretenimento tenderia a atrair um público que rejeitaria mais e mais informações políticas ou não tem interesse nessa temática, reduzindo as chances da audiência acidental (aquela exposta eventualmente ao noticiário político), bem como o seu conhecimento sobre política.
O resultado seria uma crescente exclusão política desses cidadãos por se sentirem desmotivados por assuntos da política. Parte dos estudos discutidos pelos pesquisadores sugere que a desigualdade de conhecimento estaria se acentuando entre os consumidos de notícia fortemente motivados e aqueles com baixa motivação. O interesse por política seria um fator determinante para explicar esse comportamento dos consumidores.
Fonte: Fabio Vasconcellos