Afinal, o que são 40 mil mortes e 700 mil infectados quando o “exército de reserva” conta com mais de 18 milhões de desempregados?
Os últimos dias no Brasil têm sido um exemplo categórico do descolamento que se manifesta corriqueiramente entre o real quadro econômico, social e político de um país e a percepção do mercado financeiro. Absolutamente alheio à tragédia que vive o País, o mercado financeiro parece encarnar a síndrome de “Alice no país das maravilhas”.
Estimulado pela progressiva flexibilização das restrições sanitárias ao funcionamento das atividades econômicas e pelo cenário internacional, com a queda acentuada do covid-19 nas principais economias europeias e asiáticas (mas não nos EUA), o Ibovespa (índice da Bolsa de São Paulo) subiu cerca de 20 mil pontos (quase 30%) e o dólar, que andou namorando os R$ 6, refluiu para menos de R$ 5.
Caberia a pergunta: como flexibilizar as restrições quando o país assiste ao aumento da curva de contágios, com 20 e 30 mil por dia, e cerca de mil mortes a cada 24 horas? Simples, este é um dado que não entra na equação do grande capital, afinal, o que são 40 mil mortes e 700 mil infectados quando o “exército de reserva” conta com mais de 18 milhões de desempregados?
E pouco importa que o Banco Mundial previu a queda de -8,0% no PIB do Brasil em 2020; pouco importa a brutal queda da produção industrial brasileira em março (-9,0%) e abril (-19,0%), o que importa é que a roda de acumulação do capital precisa voltar a girar. Se os números de infectados e mortos no Brasil chocam os brasileiros e o mundo, que sejam, então, escondidos, manipulados. E assim o faz o general Ministro da Saúde (sic).
Aliás, os militares têm expertise na manipulação de dados estatísticos. Se os números incomodam, que sejam maquiados, como foi feito durante a ditadura militar, em 1973, quando a inflação real de 26,6% foi “reduzida” pelo ditador Médici e seu ministro da Fazenda, Delfim Neto, para oficiais 13,7%. Ou em 1983, na ditadura do general Figueiredo, quando foi expurgado do índice de inflação o excepcional aumento do preço da farinha de trigo naquele ano.
Claro que a maquiagem em dados estatísticos é péssima para a imagem de um país, afugentando investidores. Afinal, se são manipulados dados referentes à saúde pública, podem ser manipulados dados econômicos, buscando esconder o fracasso da política econômica; dados sociais, buscando esconder o aumento do desemprego, da pobreza e da concentração da renda; e mesmo dados ambientais, buscando esconder o crime que se perpetua na Amazônia, mas que não passou incólume ao olhar apurado dos holandeses.
Neste panorama desolador, resta torcer para que não faltem leitos de UTI para salvar a economia brasileira.