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Tereza Cruvinel
Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.
Tereza Cruvinel escreve sobre a urgência do momento: “Junho colocou-nos diante da encruzilhada entre ditadura ou democracia de forma inequívoca, mas agora um vento novo sopra, embora não seja ainda uma ventania. A hora de derrotar o projeto golpista e neofascista está soando.”3 de junho de 2020, 07:52 h Atualizado em 4 de junho de 2020, 08:00
Por Tereza Cruvinel, para o Jornalistas pela Democracia –
Junho colocou-nos diante da encruzilhada entre ditadura ou democracia de forma inequívoca, mas agora um vento novo sopra, embora não seja ainda uma ventania. A hora de derrotar o projeto golpista e neofascista está soando.
Bolsonaro tem pressa porque pressente a virada do vento. Quem prestou atenção à ultima fala de Rodrigo Maia sobre os 35 pedidos de impeachment notará que ele não mais falou que o julgamento do presidente em plena pandemia tornaria tudo mais difícil. Afirmou que decidirá “na hora oportuna”. Enquanto essa hora não chega, os partidos já conversam reservadamente no Congresso sobre o impeachment. Os da oposição de esquerda e os da direita já convencidos de que é preciso livrar o Brasil de Bolsonaro, como PSDB e PMDB. Os do Centrão vão sugar o que puderem mas desembarcarão do governo quando a hora chegar.
Bolsonaro tem pressa. Precisa urgentemente de um pretexto para seu auto-golpe, buscando uma fórmula alternativa à velha quartelada. Precisa do caos tão acalentado, com a omissão no combate à pandemia e o desprezo pela vida, para interpretar a seu modo o artigo 142 da Constituição e chamar as Forças Armadas para garantir a ordem, assaltando as instituições e reprimindo quem resistir, decretando o estado de sítio e suspendendo garantias constitucionais.
Bolsonaro tem pressa porque só pode se salvar pelo golpe: o isolamento nunca foi tão grande, a reprovação sobe, as investigações avançam e a tragédia anunciada pela falta de governo vem aí: mortandade (como avisou o recorde de óbitos de ontem), economia na UTI (apesar da abertura irresponsável determinada por alguns governadores), desemprego e miséria.
O maio das ameaças e das manifestações golpistas terminou no domingo com sinais de que algo se move, tanto na sociedade como nas instituições. Após o ato macabro de sábado à noite na porta do Supremo e o espetáculo marcial de domingo, com Bolsonaro brincando de Napoleão sobre um cavalo baio, e sobrevoando seguidamente a Esplanada num helicóptero militar, com o ministro da Defesa a seu lado, o ministro Celso de Mello fez aquela dura advertência, lembrando a tomada do poder por Hitler, que se elegera dentro da regras da Constituição de Weimar.
Maio terminou também com as torcidas dos times de futebol, por conta própria, disputando as ruas com os bolsonaristas. Em São Paulo a polícia protegeu os que pediam golpe e reprimiu os que carregavam faixas “somos pela democracia”. Assim será, com as PMs milicializadas. Manifestos pipocaram e ainda estamos discutindo se Lula devia ou não ter assinado o que se intitula “Estamos Juntos”. Acho que toda forma de resistir e denunciar vale à pena mas este manifesto foi apenas uma primeira faísca. A iniciativa partiu de intelectuais e jornalistas, não de partidos ou organizações políticas. Logo, seus termos não foram negociados, não houve a necessária costura política, mas ele está servindo para mostrar o pulso da sociedade e ampliando o debate sobre a necessidade da frente ampla antifascista, que exija o afastamento de Bolsonaro e contemple um programa mínimo para o depois. Lula tem razão quanto à sua generalidade mas não pode levar o PT a uma postura isolacionista.
Para ser ampla, a frente terá que incluir a esquerda, o centro e a direita não-bolsonarista. Se adversários como Lula, FHC e Ciro Gomes não puderem estar juntos nela, não avançaremos. Não se trata de alianças, muito muitos de coligações eleitorais, mas da restauração democrática. Lá na frente, cada qual terá seu programa e seu candidato. Mas alguns pontos mínimos terão que ser pactuados, especialmente para o enfrentamento das tragédias sanitária, econômica e social, o que exigirá um atuação do Estado incompatível com a política neoliberal de Paulo Guedes.
Nas últimas horas tivemos os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, e até o procurador-geral Aras, condenando qualquer intervenção militar. Eles sabem do que falam, sabem do que está sendo gestado entre o Palácio do Planalto e o Forte Apache. Aras o fez porque havia pisado na bola, admitindo que as Forças Armadas poderiam arbitrar eventual conflito aberto entre os poderes, colhendo nova reação dentro do Ministério Público.
Podemos nos livrar de Bolsonaro pelo impeachment, via Congresso, ou por um processo por crime comum, via STF, ou ainda pela cassação da chapa Bolsonaro-Mourão pelo TSE. Há elementos para tudo isso mas as instituições democráticas não removerão sozinhas o entulho neofascista. A sociedade deve apoiá-las e terá que legitimar o enterro do bolsonarismo. Em plena pandemia, ninguém deve esperar por manifestações de massa, embora os atos vanguardeiros devam continuar ocorrendo. As formas de luta que restarão são estas mesmo: manifestos, movimentos digitais e a construção orgânica da frente ampla, em torno de alguns postulados mínimos. E isso não se fará com a exclusão da esquerda nem com a exclusão da PT.
É verdade que muitos dos que agora querem se livrar de Bolsonaro ajudaram no seu parto, apoiando a Lava Jato e seus abusos, apoiando ou articulando o golpe contra Dilma, aplaudindo ou omitindo-se diante da condenação sem provas de Lula e de sua exclusão calculada da disputa eleitoral de 2018. Mas não dá para acertar todas as contas agora, diante da pressa dos golpistas. Não estamos diante de cachorro que apenas ladra, mas de uma ameaça real, que compromete gravemente o futuro do país e de nossas vidas.
O futuro dos que sobreviverem, pois Bolsonaro segue na linha “morram quantos tiverem de morrer”, como fez ontem ao dizer que a morte é o destino de todos. Como se seu governo não tivesse nenhuma responsabilidade diante da pandemia, como se não fosse papel de um presidente fazer da salvação de vidas seu primeiro e grande objetivo numa hora destas. Mas neste momento, ele só pensa em salvar-se. E só pode salvar-se pelo golpe, que não passará se entendermos que a hora exige unidade e inventividade, e combate na adversidade.
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