Por Osvaldo Bonetti – Coordenador do Setorial de Saúde do PT DF
O Brasil passa pela maior crise sócio sanitária de sua história democrática. No dia 28 de abril, após 42 dias do primeiro óbito por COVID 19, o país chegou ao lamentável quadro de 5017 óbitos, ocupando o 3º lugar na escala mundial e ultrapassando a China em número de contaminados.
A característica da pandemia em solo brasileiro revela um intenso grau de interiorização de casos, questão preocupante no contexto continental e de alta escassez de serviços nos pequenos municípios. Enquanto isso, a cena política do país se encontra em grave crise provocada pelo atual governo federal que, contrariando a ciência, demonstra falta de compromisso e ética no enfrentamento da crise.
No Distrito Federal, capital da República, na data de ontem chegamos ao número de 1.438 casos positivos notificados e 28 óbitos (46 óbitos suspeitos registrados em cartórios). Ao analisarmos as taxas de infecção por regiões, evidenciamos a disseminação em cidades com situação de alta vulnerabilidade sócio sanitária como é caso da Cidade Estrutural. Já no sistema prisional, vemos o número alarmante de 223 apenados infectados.
Percebe-se que, embora nossos números não sejam tão assustadores como os de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Manaus – estes dois últimos com o sistema público já colapsado – revelam um cenário preocupante.
Nossas taxas de transmissão, o quadro severo de sub-notificação, a realidade social do DF – uma das mais desiguais do país -, demandam uma ação institucional alinhada com a defesa da vida e com os valores humanitários que regem nossa democracia. Salienta-se também que o DF é referência para um conjunto de cidades do entorno, integrantes da RIDE, com populações dependentes de nossa rede pública de saúde.
Ademais, o SUS DF enfrenta uma nova epidemia da dengue e estamos nos aproximando do inverno, estação que aumenta a probabilidade das Síndromes Respiratórias, questões que agravam a situação da crise.
Vale destacar a pesquisa publicada pela Universidade de Brasilia e instituições parceiras na data de ontem, 28 de abril de 2020, onde é apresentada uma análise da situação da pandemia no DF. Com base nos dados institucionais até então divulgados, são traçados 4 possíveis cenários para disseminação do vírus.
Dentre esses, é demonstrado cientificamente que o afrouxamento das medidas até então tomadas, em especial os decretos de isolamento implementados nos dias 11 e 19 de março, podem trazer um cenário catastrófico à saúde pública do DF, levando à morte mais de 6 mil cidadãos brasilienses. Número subestimado frente às sub-notificações já referidas.
Lembrando que estudos apontam um número 11 vezes maior de infecções do que as detectadas.
É necessário denunciar a necessidade de maior transparência nas ações e dados sobre a situação da pandemia no DF, considerando que vários dos números publicizados pela SES DF são discrepantes com a realidade. Exemplo disso, são os números de leitos de UTI divulgados, pois, mesmo com os eforços da última gestão do PT, na qual o Governador Agnelo Queiroz dobrou os leitos de UTI na rede pública da capital, os dados oficiais do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), coordenado pelo Ministério da Saúde, apontam que temos 1301 leitos de UTI. Destes, apenas 270 leitos na rede pública, o que explicita a desigualdade cruel de acesso vivenciada pelas populações mais necessitadas, que dependem única e exclusivamente do SUS.
A SES divulga dados irreais sobre leitos de UTI disponíveis para o tratamento da COVID. Por mais que o MS apresente uma fragilidade na certificação de tais leitos, seria impossível o GDF ter duplicado a demanda instalada em tempo inferior a uma gestão sem ter havido contratação de profissionais, sem obras e aquisição de equipamentos nos últimos anos. Periodo no qual identificamos, a partir de 2016, um encurtamento e sucateamento da rede pública, grande parte derivados da famigerada Emenda Constitucional 95, impetrada e mantida pelos comparsas do Governador, que congelou os investimentos em saúde pública por 20 anos.
A EC 95 já trouxe um prejuízo da ordem de 22,5 bilhões de reais ao orçamento do SUS. Para se ter uma ideia da monta dessa perda, até agora, em meio à crise trazida pelo novo coravírus, o governo federal não investiu nem a metade desta perda em recursos novos para o enfrentamento da pandemia.
Apesar da importante medida de testagem em massa que começa a ser implementada nos últimos dias, embora o grau de confiabilidade dos testes rápidos disponíveis seja discutível, denunciamos a necessidade de garantir a segurança dos trabalhadores que estão na linha de frente no enfrentamento da doença. Por mais incrível que pareça, esses profissionais não contam com a testagem disponível em seus serviços de saúde. Pesquisas apontam que cada profissional de saúde tem chance 10 vezes maior do que a população em geral de transmitir a COVID. Logo, não dispor de testes aos trabalhadores, além de desleal, eleva o grau de risco à população.
Todo dia é divulgado na mídia a falta de EPIs em número suficiente na rede, seja no âmbito hospitalar, seja na rede de atenção básica. Prova disso é que os próprios números divulgados pela SES apontam uma taxa de infecção de profissionais de saúde da ordem de 15 % em relação ao número total de casos. Merece destaque também, as denúncias relativas ao Hospital Regional da Asa Norte (HRAn) onde a nova empresa contratada pelo IGEST para abastecimento e limpeza, além de escassos, disponibiliza EPIs de baixa qualidade. Até mesmo o álcool gel disponibilizado é insuficiente e de eficácia duvidosa, apontam os trabalhadores, conforme visita técnica realizada pelo Conselho Local de Saúde.
Contrariando este contexto crítico, o Governo Ibanês traça uma política suicida, diferente da rede de governadores do país, de alinhamento oportunista com o caótico e falido Governo Bolsonaro. A pandemia e a crise atual explicitam a necessidade de construção de redes e fortalecimento da solidariedade social. Não admite-se, portanto, nos isolarmos do conjunto de estados que clamam por apoio, investimento e escuta por parte do governo autoritário e irresponsável. Cotidianamente o governador do DF tem se manifestado e implementado ações no caminho do afrouxamento do isolamento social, contrariando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de somente iniciar medidas de afrouxamento em países em que o número de casos esteja em declive.
Isolamento que, sendo o DF primeiro estado assertivamente a implementá-lo, têm trazido bons resultados, embora as fragilidades de investimento e políticas de fortalecimento da rede pública de saúde. Porém, na data de hoje o senhor governador noticiou estar planejando a abertura das escolas públicas na segunda quinzena do mês de maio.
Assim, comprometidos com a saúde pública do DF e entendendo que a preservação da vida não pode ser subjugada aos interesses econômicos, o Setorial de Saúde do PT DF se soma as vozes sociais, dos Ministérios Públicos do DF e do conhecimento sanitário, que exigem a manutenção das medidas de isolamento social. Exige-se que a volta às aulas das redes pública e privada somente ocorram com base na ciência e na escuta às instituições que detêm conhecimento técnico da saúde.
Neste sentido apontamos ainda, algumas ações urgentes e necessárias, além da manutenção das medidas de isolamento social, que devem ser implementadas pelo Governo do Distrito Federal:
- Que sejam disponibilizados dados reais sobre as contratações de profissionais de saúde, não só vagas abertas, como também vagas ocupadas na rede pública;
- Dados sobre o dimensionamento de pessoal na rede, onde estão sendo alocados estes novos trabalhadores, se é que eles existem;
- Que sejam informados os dados reais dos leitos de UTI na rede pública, aonde se localizam, se contam com equipes para colocá-los em operação e a taxa de ocupação dos mesmos;
- Que seja informado qual o plano para ocupação de leitos na rede privada, caso o sistema público chegue ao colapso;
- Implementar Plano de Enfrentamento na Atenção Básica, garantindo investimento na rede, disponibilização de EPIS compatíveis, traçando medidas de incremento e suporte para que as equipes de saúde da família tenham condições de realizar a assistência, a promoção da saúde e a vigilância sanitária. Dentre ações, como transporte para realizar a prevenção e cuidado nos territórios, assim como, encaminhar necessitados para rede hospitalar. Que sejam contratados novos agentes comunitários de saúde e repostos nas equipes que foram fragilizadas para garantir o Converte, em especial garantindo que todos os territórios das áreas rurais e de cidades de alto nível de vulnerabilidade sejam cobertos pela ação dos ACS.
– Quais as medidas de fortalecimento da rede de assistência social no DF, até então fragilizada pela falta de investimento e escassez de profissionais. - Que sejam retomadas as reuniões do Conselho de Saúde do DF, de forma virtual, para que haja maior participação popular no enfrentamento da pandemia.
- Que exponha quais medidas e estratégias de diálogo estão em prática entre os gestores da RIDE DF no enfrentamento da COVID.
Pelo respeito aos valores humanísticos que regem nossa democracia, manutenção do isolamento social no DF!
Fora Bolsonaro e respeito ao cidadão brasiliense!
Osvaldo Bonetti* é enfermeiro sanitarista, educador popular, servidor da Fundação Oswaldo Cruz Brasília e coordenador do Setorial de Saúde do PT DF